sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Copa, Olimpíada e a Salvador do futuro

Gilmar Santiago
O prefeito João Henrique, em artigo com o mesmo título publicado neste blog, no dia 15 de outubro, comentou a preparação de Salvador para sediar competições esportivas da Copa de 2014 e da Olimpíada de 2016, o que seria a oportunidade de “um salto para o futuro”. No texto, elencou, de forma genérica, ideias frágeis para resolver o caos da mobilidade urbana e citou as políticas para crianças e juventude como prioridades para transformar acidade e garantirmelhor qualidade de vida para a população.
Todos sabemos que será imenso o volume de recursos a serem investidos, em Salvador, na preparação da Copa e das Olimpíadas. Só os investimentos para a Copa estão estimados hoje em cerca de R$ 6 bilhões. Óbvio que é uma rara oportunidade que não deve ser desperdiçada.
Contudo, é preciso estar muito atento à cidade real e injetar esses recursos em projetos estruturantes, que ajudem a resolver problemas graves e duradouros.A mobilidade urbana depende, fundamentalmente, da qualidade da oferta de transportes públicos. Para isso, é preciso ir além da criatividade dos técnicos dos escritórios das empresas que planejam as obras.
Há um conhecimento acumulado nas universidades e nos meios profissionais soteropolitanos acerca da gravidade e dimensão dos problemas da cidade, além de estudos apontando alternativas que devem ser consideradas no momento das decisões. De qualquer modo, trazemos ao debate a nossa contribuição, a partir das seguintes questões: Como fazer da Copa e da Olimpíada uma janela de oportunidades para os mais pobres desta cidade? Como inserir esses dois eventos em uma estratégia capaz de contribuir com um futuro melhor para Salvador por meio da implantação de um programa de desenvolvimento humano, com base em políticas sociais, econômicas e culturais consistentes; um programa capaz de favorecer, de fato, a redução das distâncias entre ricos e pobres nesta bela e maltratada cidade? Chamo a atenção para alguns aspectos da realidade atual de Salvador de forte repercussão sobre o futuro da cidade. O primeiro deles é o patrimônio ambiental – as reservas de florestas e matas secundárias – que vem sendo suprimido pelo capital imobiliário e por uma ocupação desordenada. A região da Avenida Paralela poderia conhecer um uso e ordenamento do solo planificado, articulado com um programa de mobilidade urbana, abrigando atividades especializadas e de baixo impacto ambiental, de modo a assegurar às futuras gerações uma cidade menos dilapidada.
A outra questão estruturante, vital para o futuro de Salvador, está no campo do saneamento ambiental. A cidade precisa urgentemente de uma política de resíduos sólidos que inclua a coleta seletiva,a reutilização e reciclagem do lixo. Sabemos que o lixo acumulado na s encostas é umadascausasprincipais da queda de casas durante as chuvas torrenciais.
A outra causa é a falta de investimentos para a montagem de uma eficiente rede de drenagem de águas pluviais, que ajude a evitar as tragédias anunciadas.
A maioria da população de Salvador depende também de uma política de ações afirmativas que proporcionem a redução contínua das distâncias entre negros e brancos. A realidade é que vivemos numa cidade que,em certo sentido, é tão ou mais violenta do que aquela praticada pelo regime do apartheid. Entre nós também o fato de nascer negro determina olocalondesemorae o lugarquese ocupana cena social.
Perguntamos: quem realmente terá benefícios com a realização das duas mega competições esportivas? Os empresários construtores são os primeiros beneficiários. Foram dispensados do pagamento de quase R$ 100 milhões aos cofres públicos com a isenção de ISS e de outros tributos. Um privilégio exigido pela Fifa e pelo Comitê dos Jogos Olímpicos.
O preço dos ingressos para assistir aos jogos será proibitivo. O povo negro não irá assistir a nenhuma das competições aqui realizadas.
Uma política consistente acerca dos benefícios sociais da Copa e das Olimpíadas precisa levar em conta essas questões. Queremos muito mais do que apenas ver alguns dos nossos vendendo churrasquinhos nas imediações das praças esportivas.

Gilmar Santiago é vereador em Salvador e ex-Secretario de Governo e da Reparação Racial na primeira gestão do prefeito João Henrique. Fundou e dirigiu por sete anos o SINDAE

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