Antonio Risério*
Quando Antonio Carlos Magalhães decidiu construir o Centro Administrativo de Salvador na Avenida Paralela, teve gente que achou que ele tinha enlouquecido. “O governador está louco, quer levar o governo pro meio do mato!” – era um dos comentários que então se ouviam. Mas não havia nada de louco na idéia. Era, simplesmente, a primeira vez que se pensava Salvador em ternos metropolitanos.
O secretário de Planejamento, na época, era Mário Kertész. E ele soube escolher com quem trabalhar. Mário procurou Lúcio Costa, o urbanista que projetou Brasília. E Lúcio fez o traçado da avenida do viaduto de acesso ao Centro. E de todas as avenidas do CAB. Mas tarde, em meio ao processo de construção dos prédios, entrou em cena, por sugestão de Alex Chacon e Roberto Pinho, o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé. Era uma dupla perfeita, Lúcio-Lelé, pra ninguém botar defeito.
Mas houve reação. Empreiteiros locais se rebelaram logo contra o projeto em pré-moldado de Lelé. Aquilo poderia ser até bonito, mas não seria assim tão lucrativo para eles. A verdade é que Lelé projetava obras nuas, a serem executadas por um sistema nada convencional de construção. Obras difíceis de sofrerem superfaturamento. E empreiteiros costumam não gostar disso. Mas o trabalho foi feito. Com o CAB, houve um deslocamento do centro da cidade. Na mesma década de 1970, tivemos a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari. Tudo mudou. Surgiram na cidade, inclusive, bairros novos com Imbuí e Patamares.
Mas quero falar da Avenida Paralela hoje. O que era deserto apresenta congestionamentos de trânsito. Pessoas fazem exercícios físicos no canteiro central da avenida. A Paralela, como o CAB, passou a fazer parte da nossa paisagem e das nossas vidas. Mais que isso: a Paralela, hoje, nos oferece um retrato perfeito de Salvador.
A começar pelas construções religiosas. Temos a Igreja da Ascensão do Senhor, no Centro Administrativo. Mas temos também, um templo evangélico. E diversos terreiros de candomblé que se concentram na Invasão das Malvinas, também chamado Bairro da Paz. Terreiros pra tudo que é gosto, por sinal. E que se declaram de diversas nações: angola, ijexá, Keto, jeje, etc. Até a umbanda se faz presente, no Centro Espírita Caboclo Tumba Jussara.
Vemos na Avenida Paralela, os extremos reais e vitais desta nossa cidade. A sede administrativa estadual, com todas as suas muitas secretarias, e o comércio de “crack” e CDs piratas. O prédio da Odebrecht, as jovens prostitutas, e a favela sinuosa, com seus becos quase sempre perigosos. Um bairro confuso, cervejeiro, e ruidista como o Imbuí. A revendedora de automóveis de luxo e a oficina fureca, reciclando fuscas. As novas faculdades particulares (Foto: pagode universitário na avenida paralela) - que mais sugerem “shopping centers” supostamente pedagógicos e o analfabetismo. Projeta-se um condomínio caro ao lado de um conjunto habitacional classemediano e perto de barracos precários, que se esforçam para se manter de pé.
Enfim, a Avenida Paralela, hoje, é um retrato concentrado de Salvador. Da vida atual da cidade que, bem ou mal, se metropolizou. Girando entre os camelôs do Iguatemi e os absurdos visuais de Lauro de Freitas, antiga Santo Amaro do Ipitanga. É um espaço que fervilha e esfervilha, durante todos os dias da semana, entre passarelas, taxis, indigentes, engravatados, policiais, lojas, sobrelojas, sublojas, e postos de gasolina, que se revelaram bares da madrugada, com seus cheiros e sons intoleráveis.
Acho que nossos jovens estudiosos e pesquisadores, economistas, sociólogos e antropólogos, tem ali um prato feito. “Ma não só para “cientistas sociais” – também para jornalistas, cineastas, dramaturgos etc”. Na verdade a Avenida Paralela se converteu num segmento urbano altamente privilegiado para quem se disponha ao chamado “ trabalho de campo”, Para quem queira ver de perto o que é, de fato, Salvador. Ou no que ela se transformou. Por que esta cidade não se resume à praia, nem se circunscreve ao seu centro histórico, que agora virou “centro antigo”(sic). É muito mais fragmentada e fragmentária do que nós, com todos os nossos clichês e estereótipos, costumamos imaginar.
* Jornalista, Antropólogo e Escritor
Quando Antonio Carlos Magalhães decidiu construir o Centro Administrativo de Salvador na Avenida Paralela, teve gente que achou que ele tinha enlouquecido. “O governador está louco, quer levar o governo pro meio do mato!” – era um dos comentários que então se ouviam. Mas não havia nada de louco na idéia. Era, simplesmente, a primeira vez que se pensava Salvador em ternos metropolitanos.
O secretário de Planejamento, na época, era Mário Kertész. E ele soube escolher com quem trabalhar. Mário procurou Lúcio Costa, o urbanista que projetou Brasília. E Lúcio fez o traçado da avenida do viaduto de acesso ao Centro. E de todas as avenidas do CAB. Mas tarde, em meio ao processo de construção dos prédios, entrou em cena, por sugestão de Alex Chacon e Roberto Pinho, o arquiteto João Filgueiras Lima, Lelé. Era uma dupla perfeita, Lúcio-Lelé, pra ninguém botar defeito.
Mas houve reação. Empreiteiros locais se rebelaram logo contra o projeto em pré-moldado de Lelé. Aquilo poderia ser até bonito, mas não seria assim tão lucrativo para eles. A verdade é que Lelé projetava obras nuas, a serem executadas por um sistema nada convencional de construção. Obras difíceis de sofrerem superfaturamento. E empreiteiros costumam não gostar disso. Mas o trabalho foi feito. Com o CAB, houve um deslocamento do centro da cidade. Na mesma década de 1970, tivemos a implantação do Pólo Petroquímico de Camaçari. Tudo mudou. Surgiram na cidade, inclusive, bairros novos com Imbuí e Patamares.
Mas quero falar da Avenida Paralela hoje. O que era deserto apresenta congestionamentos de trânsito. Pessoas fazem exercícios físicos no canteiro central da avenida. A Paralela, como o CAB, passou a fazer parte da nossa paisagem e das nossas vidas. Mais que isso: a Paralela, hoje, nos oferece um retrato perfeito de Salvador.
A começar pelas construções religiosas. Temos a Igreja da Ascensão do Senhor, no Centro Administrativo. Mas temos também, um templo evangélico. E diversos terreiros de candomblé que se concentram na Invasão das Malvinas, também chamado Bairro da Paz. Terreiros pra tudo que é gosto, por sinal. E que se declaram de diversas nações: angola, ijexá, Keto, jeje, etc. Até a umbanda se faz presente, no Centro Espírita Caboclo Tumba Jussara.
Vemos na Avenida Paralela, os extremos reais e vitais desta nossa cidade. A sede administrativa estadual, com todas as suas muitas secretarias, e o comércio de “crack” e CDs piratas. O prédio da Odebrecht, as jovens prostitutas, e a favela sinuosa, com seus becos quase sempre perigosos. Um bairro confuso, cervejeiro, e ruidista como o Imbuí. A revendedora de automóveis de luxo e a oficina fureca, reciclando fuscas. As novas faculdades particulares (Foto: pagode universitário na avenida paralela) - que mais sugerem “shopping centers” supostamente pedagógicos e o analfabetismo. Projeta-se um condomínio caro ao lado de um conjunto habitacional classemediano e perto de barracos precários, que se esforçam para se manter de pé.
Enfim, a Avenida Paralela, hoje, é um retrato concentrado de Salvador. Da vida atual da cidade que, bem ou mal, se metropolizou. Girando entre os camelôs do Iguatemi e os absurdos visuais de Lauro de Freitas, antiga Santo Amaro do Ipitanga. É um espaço que fervilha e esfervilha, durante todos os dias da semana, entre passarelas, taxis, indigentes, engravatados, policiais, lojas, sobrelojas, sublojas, e postos de gasolina, que se revelaram bares da madrugada, com seus cheiros e sons intoleráveis.
Acho que nossos jovens estudiosos e pesquisadores, economistas, sociólogos e antropólogos, tem ali um prato feito. “Ma não só para “cientistas sociais” – também para jornalistas, cineastas, dramaturgos etc”. Na verdade a Avenida Paralela se converteu num segmento urbano altamente privilegiado para quem se disponha ao chamado “ trabalho de campo”, Para quem queira ver de perto o que é, de fato, Salvador. Ou no que ela se transformou. Por que esta cidade não se resume à praia, nem se circunscreve ao seu centro histórico, que agora virou “centro antigo”(sic). É muito mais fragmentada e fragmentária do que nós, com todos os nossos clichês e estereótipos, costumamos imaginar.
* Jornalista, Antropólogo e Escritor
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