domingo, 8 de junho de 2014

Um gosto amargo de perda

Paulo Ormindo de Azevedo*

As comemorações dos 100 anos de nascimento de Diógenes Rebouças com a exposição de 80 telas dele no Museu de Arte do Estado e 70 anos do inicio dos trabalhos do Escritório do Plano Urbanístico da Cidade do Salvador com a publicação do livro “Acervo do EPUCS, contextos, percursos, acessos” coordenado pela Profa. Ana Fernandes não têm nada de pitoresco ou saudosista, senão de protesto e denuncia.
Protesto do próprio Diógenes que abandona a profissão aos 50 anos ao ver os rumos que a cidade tomava com a liberação do uso do solo e a pratica da “arquitetura do m²” feita pelos corretores. Prevendo o urbanicídio de Salvador ele procura resgatar em acrílico a cidade que ainda alcançou e que começava a ser destruída. Durante dez anos ele reconstruiu 70 cenas de Salvador que seriam publicadas em 1977 no livro “Salvador da Bahia de Todos os Santos no século XIX” com notas de Godofredo Filho editado pela Odebrecht.
A exposição e seminários organizados pela Faculdade de Arquitetura da UFBA e IAB-Ba são uma mostra da cidade que perdemos e o livro sobre o EPUCS da regressão urbanística que sofremos. Cidades que foram destruídas na ultima guerra foram reconstruídas para restaurar a autoestima de seus habitantes. Nós fizemos a trajetória inversa, destruímos a cidade para criarmos a guerra da segregação sócio-espacial, da violência e da imobilidade urbana. Não podemos voltar à cidade perdida, mas podemos parar a barbárie e construir uma cidade mais humana, que não seja apenas mercadoria. 
O livro sobre o EPUCS é uma demonstração da seriedade e criatividade de um plano feito em condições adversas de uma prefeitura falida e uma cidade estagnada, mas com o norte no futuro. É também uma denuncia do pouco apreço de nossos alcaides pelo planejamento. Dez anos de trabalho foram necessários para salvar fragmentos de mapas, plantas, maquetes e textos feitos por uma equipe dedicada sob uma das administrações mais desastrosas dessa cidade, que por não ter controle de nada não se deu conta que a revelação daquele acervo colocaria como antagônicos o EPUCS e sua administração.
O livro não chega a analisar o enorme volume de informações contidas nos documentos elaborados por uma equipe multidisciplinar de urbanistas, arquitetos, cartógrafos, topógrafos, sociólogos, demógrafos, médicos e botânicos. Era preciso primeiro resgatar as fontes para que outros pesquisadores possam mergulhar na sua analise. Mas o livro põe em cheque os processos arbitrários de decisão pública e cria um referencial que se não for seguido no novo PDDU e Lous os condena a ter o mesmo fim dos anteriores rejeitados pela população e anulados pela Justiça.
O EPUCS foi uma das experiências mais avançada de urbanismo de seu tempo, quando no Brasil ele ainda era praticado apenas por engenheiros sanitaristas. A equipe sem descuidar dessas questões centrou seu trabalho nos questões sociais e ambientais de Salvador. Infelizmente os estudos foram paralisados com a morte de seu idealizador, Mario Leal Ferreira. O plano seria macaqueado vinte anos depois, quando a cidade já havia dobrado de população e seu centro mudado para o Iguatemi. As telas de Diógenes e o livro do EPUCS são apenas registros, mas nos deixam um amargo no olhar. 
SSA: A Tarde de 08/06/14
*Arquiteto e professor titular da Ufba

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