A Colômbia, é o país
latino-americano que mais tem investido em uma estratégia de indústrias
criativas, economia criativa e, finalmente, cidades criativas, trabalhando mais
do que somente a capital, Bogotá. Isso parece se explicar por uma confluência
de fatores. Em primeiro lugar, pela atuação intensa do British Council no país,
instituição que desde o final da década passada tem promovido com afinco a
proposta de criatividade como alavanca de desenvolvimento socioeconômico. Na
Colômbia, em especial, a instituição fomentou e participou de vários projetos,
tendo chegado mesmo a lançar um manual para empreendedorismo nas indústrias
criativas.
Um dos fatores chaves da
transformação de Bogotá, algo que não deixa de suscitar suspiros em quem mora
no Brasil, é a continuidade de gestão e planejamento urbano. A cidade teve ao
longo dos últimos 20 anos administrações cujos esforços foram complementares e
pautados por uma mesma trajetória, apesar das eventuais orientações ideológicas
distintas. Esta evolução, certamente nuançada, mas sem rupturas profundas ao
longo de um fio histórico de algumas gerações, foi fundamental para dar vazão a
um processo de transformação calcado no longo prazo e não nas usuais prioridades
com horizonte de tempo restrito há no máximo quatro anos.
Tendo em vista a
continuidade das gestões e do investimento em políticas sociais de base, não
causa estranheza perceber que, segundo o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento Humano, o índice de Desenvolvimento Humano de Bogotá passou de
0,768, em 1990, para 0,813, em 2000 e 0,880, em 2007.
Dos últimos prefeitos de
Bogotá nestes vinte anos, dois merecem destaque. O economista Enrique Peñalosa
(janeirode1998 a dezembro de 2000), em sua breve gestão, criou e inaugurou a
primeira parte da maior referência de transporte público da cidade, o
TransMilênio. Inspirado na Rede Integrada de Transportes de Curitiba trata-se
de um sistema de veículos leves sobre pneus, no qual os ônibus transitam por
duas faixas próprias em cada direção e sem cruzamento de nível. É composto por
514 veículos, que cobrem 84 km e 114 estações, circulando a uma velocidade
média de 27 km/h e transportando no período de pico uma média de 170 mil
passageiros por hora.
Em paralelo ao TranMilênio,
Peñalosa investiu 300 km de ciclovias, uma rua pedonal de 17 km de extensão,
rodízio para veículos e aumentou as taxas de estacionamento de veículos. Também
investiu na infraestrutura de educação e cultura: construiu 52 novas escolas,
reformou 150, dotou-as de computadores e elevou o percentual de matrículas em
34%. Do ponto de vista urbano, esse ex-prefeito pelo Partido Verde priorizou
parques e áreas públicas, comprou terras na periferia (para evitar a
especulação imobiliária) e plantou 100 mil árvores.
De todos os prefeitos de
Bogotá nos últimos anos, o que se tornou mais conhecido por suas ações de
transformação urbana foi Antana Mockus. Matemático, filósofo e ex-reitor da
Universidade Nacional da Colômbia, sua maior bandeira foi a formação de uma
“cultura cidadã”. Em suas palavras: “Por cultura cidadã entende-se o conjunto
de atitudes, costumes, ações e regras mínimas compartilhadas por indivíduos de
uma comunidade, que possibilitam a convivência e geram sentimento de pertencimento”.
Um dos grandes objetivos de
Mockus, como porta de entrada ao desenvolvimento da cultura cidadã, foi levar
as pessoas a observar a cidade, e a partir disso mudar sua conduta de modo
consciente. Para tanto, recorreu a várias ações inusitadas, carregadas de
conteúdo simbólico. Uma delas envolveu a contratação de mais de 300 grupos de
mímicos e palhaços, espalhados por Bogotá, que buscavam romper com o
moto-contínuo apático das pessoas, entre residência e trabalho e vice-versa,
bem como promover a apropriação da cidade pelos transeuntes. Muitos desses
mímicos tinham como atribuição zelar pelo respeito às faixas de pedestre e aos
semáforos. A estratégia baseava-se “na vergonha como ação educativa, para que
os cidadãos se convertessem em juízes dos infratores”.
A gestão da cultura cidadã
promovida por Mockus lançou os alicerces para a construção de programa de
iniciativas integradas e sintomáticas da transformação bogotana, a partir do
mandato do próximo prefeito Luiz Eduardo Garzón (janeiro de 2004/dezembro de
2007).
“O
grande sucesso político e cultural dos últimos prefeitos foi precisamente ter
entendido a cultura como uma dimensão não ad latere, mas sim de centralidade na
gestão da cidade de Bogotá. Foi precisamente na gestão pedagógica e simbólica
da cultura cidadã que a cultura (mundo simbólico) se converteu em um elemento
central da cidade. A cultura e a convivência tem a ver com normas, princípios e
valores civis. Valores que não se aprendem simplesmente de maneira
“institucional”, mas que devem ser interiorizado pelos cidadãos e, assim,
influir sobre os comportamentos em termos de pagamentos de impostos, de
convivência na cidade, de respeito ao tráfego etc. Trata-se de um grande
avanço, se pensarmos que a cultura teve em geral pouca centralidade na agenda
de nossos políticos e quando a teve foi por uma concepção de cultura como
“cultura culta”, de levar cultura ao povo.” (German Rey)
Um dos aspectos que mais
despertam a atenção no processo de transformação de Bogotá é a variedade de
programas criativos que foram implementados ao longo de duas décadas, com
firmeza de propósito, sem terem sofrido rupturas significativas entre as
gestões municipais.
Porém, o aspecto mais
inovador talvez resida no âmago dos próprios programas implementados, que
souberam reconhecer e entender a cidade como sala de aula, restituindo ao
espaço público o papel de cenário por excelência educativa e do desenvolvimento
da cidadania, valendo-se de campanhas claras, carregadas de conteúdo simbólico,
capazes de gerar a mobilização efetiva dos cidadãos.
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