sábado, 3 de novembro de 2012

Num mundo paralelo: Desafios para Pelegrino


Osvaldo Campos Magalhães*
Com a vitória do candidato do partido dos Trabalhadores na eleição de domingo, Salvador terá a oportunidade de experimentar uma inusitada situação. Pela primeira vez, desde o fim do regime militar, um mesmo partido dominará o executivo municipal, estadual e federal.
Enfrentando uma gigantesca campanha midiática contra seu partido, face ao julgamento da ação penal 407, o novo prefeito eleito demonstrou uma rara qualidade nos políticos da atualidade. Destemor.
Os desafios serão inúmeros e me apegarei a ao maior deles na atualidade. Mobilidade Urbana. Os milhões de trabalhadores soteropolitanos sofrem diariamente, em ônibus e trens superlotados, por quase 3 horas, para se deslocarem da casa para o trabalho e vice- versa.
Salvador nunca realizou uma concorrência pública para concessionar seu transporte público de passageiros e sofre nas mãos de um cartel muito bem organizado, articulado e com ampla representação na Câmara de Vereadores.
Seu Metrô, após 12 anos de obras e quase um bilhão de Reais consumidos, encontra-se parado, à espera que o Governo Federal subsidie sua operação.  As obras da linha 2 estão atrasadas e dificilmente ficarão prontas para a Copa 2014.
Para equacionar a questão da Mobilidade Urbana de Salvador, Pelegrino precisará não somente da prometida ajuda dos governos federal e estadual, mas, terá que quebrar paradigmas.
É inadmissível, que em pleno século XXI, uma minoria de 20% da população, com seus caros veículos de uso quase individual, ocupem mais de 80% das vias públicas.  
Restringir a utilização de automóveis em determinadas áreas das cidades já vem sendo utilizado com sucesso em diversas cidades do mundo, sendo o caso de Londres o mais emblemático.
Durante a gestão de Kenneth Livingstone, eleito primeiro prefeito de Londres em 2000, (quando da extinção do Greater London Council), foi introduzido o “Congestion Charge”, pedágio urbano da região central londrina. Medida tida inicialmente como impopular e revolucionária, o pedágio urbano londrino se mostrou uma acertada decisão, diminuindo os congestionamentos na região central e permitindo a obtenção de recursos para a melhoria do transporte público de passageiros. A Introdução de faixas exclusivas para ônibus e a implantação de extensa malha de ciclovias foram medidas complementares à implantação do pedágio urbano e garantiram enorme popularidade a Livingstone, que se reelegeu em 2004.  Nada de postos de pedágio. Fiscalização do pagamento através de câmeras de monitoramento, que ajudam também na preservação da segurança pública.
Outras cidades, como Cingapura, pioneira no pedágio urbano, Estocolmo e Copenhague, adotaram medidas de restrição à utilização de automóveis nas regiões centrais da cidade e incentivo aos ônibus e às bicicletas. Em cidades como México e São Paulo, a restrição à circulação de automóveis se dá, sem muito sucesso, com a adoção do rodízio de veículos por final de placa. Na Holanda, os veículos são rastreados por satélite e pagam por extensão de deslocamento realizado.
Certamente a reação da classe média será muito forte. Vão alegar que já pagam IPVA, IPI e ICMS e poderão, com a ajuda de seus representantes eleitos para a Câmara Municipal, conturbar a gestão do novo prefeito.
Contudo, Pelegrino deve adotar medidas que beneficiem a maioria da população. Lembremos que durante a campanha a proposta do candidato era a de construir 12 viadutos. Sabemos no estudo da engenharia de trânsito, que viadutos muitas vezes não resolvem problemas, transferem para outro lugar. Podemos constatar este fato aqui mesmo em Salvador, nos elevados construídos pelo atual prefeito na região do Iguatemi e Tancredo Neves. As empreiteiras agradecem, e querem grandes obras viárias. E a população?
Quer transporte digno e uma eficiente mobilidade urbana.
Restringir a utilização dos automóveis nas regiões mais movimentadas da cidade e concomitantemente aumentar a oferta de um sistema público de transportes eficiente exigirá uma atitude de extrema coragem e habilidade política do nosso prefeito. A utilização de micro-ônibus climatizados pode ser uma primeira medida paliativa. A implantação de modernos street cars, como faz a maiorias das cidades europeias e Portland nos Estados Unidos, uma solução atraente, sofisticada e definitiva.
A maioria da população ficará grata ao prefeito pela coragem de enfrentar os supostos direitos adquiridos de uma parcela da população.  A gritaria vai ser forte. A oposição, legítima representante da população mais rica da cidade, certamente fará campanhas contra a medida.
Lembremos que o prefeito londrino Livingstone chegou a ser expulso do Partido Trabalhista, na época liderado pelo primeiro ministro Tony Blair. Contudo, em novembro de 2003, Livingstone recebeu o título de politico do ano, (Political Studies Association.) e foi reeleito prefeito em 2004.
Seguindo a lógica de Maquiavel, devemos adotar as medidas duras de forma rápida, enquanto ainda dispomos de cacife para tal.
Contudo, governar exige coragem e ousadia para quebrar paradigmas.
Não é tarefa para fracos.
*Engenheiro Civil, especialista em Transportes e Mestre em Administração com foco em Tecnologia e Competitividade (UFBA).

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