As eleições passaram. Permanece a cidade, alicerce de nosso cotidiano. Acredito que a cidade se constrói com a participação decisiva das pessoas que nela vivem. Não pode ser um fenômeno a ser compreendido e construído a partir apenas das eleições, embora, por evidência, estas sejam um momento essencial da existência da vida em comum que caracteriza as aglomerações humanas que chamamos cidade. A disputa eleitoral e seu resultado fotografam, e bem, um momento, e devem nos fazer refletir, insisto nisso, na importância da política, sobre a qual falei em artigo anterior, buscando a herança de Hannah Arendt.
José Carlos Zanetti, companheiro de jornada política desde 1968, garimpou um texto imperdível de Antonio Gramsci, datado de fevereiro de 1917, que leva o título “Os indiferentes”, tirado de Marxists Internet Archive. Não vou aspear. Vou selecionar partes, as que considero mais importantes, tudo de Gramsci. Viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, covardia. Não é vida. Por isso, odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da história. É a matéria inerte em que se afogam frequentemente os entusiasmos mais esplendorosos. A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua.
A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória da indiferença, do absentismo. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos. Quando os fatos que amadureceram vêm à superfície, parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos. Os indiferentes, então, zangam-se, querem eximir-se das conseqüências, preferem que não se saiba de sua indiferença, não querem a responsabilidade pelo que aconteceu. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente. Mas, nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem o mal, combatiam noutra direção.
Curioso é que os indiferentes, consumadas as coisas, abrem perspectivas teóricas, discutem alternativas, apresentam ótimas soluções. Estas, no entanto, são belissimamente infecundas. Esse contributo para a vida coletiva não é animado por nenhuma luz moral. É produto apenas da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes, também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. É como se a sua abulia não implicasse qualquer conseqüência. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe cotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo sentir compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos.
Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno número se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar, ou afogue a sua desilusão injuriando o sacrificado porque não conseguiu o seu intento. Lembrei-me de Chico Buarque – o tempo passou na janela e só Carolina não viu. Vivo, sou militante .Por isso, odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes. A indiferença é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. Os melhores ideais das cidades podem ser derrotados sob o peso do absenteísmo, travestido muitas vezes de reflexão intelectual, já o disse acima. Viva Gramsci! Viva a política! Viva a cidadania ativa que constrói a cidade de hoje e a de amanhã.
*Artigo publicado originalmente na edição desta segunda-feira, 05, no jornal A Tarde
A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória da indiferença, do absentismo. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos. Quando os fatos que amadureceram vêm à superfície, parece ser a fatalidade a arrastar tudo e todos. Os indiferentes, então, zangam-se, querem eximir-se das conseqüências, preferem que não se saiba de sua indiferença, não querem a responsabilidade pelo que aconteceu. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente. Mas, nenhum ou poucos atribuem à sua indiferença, ao fato de não ter dado o seu braço e a sua atividade àqueles grupos de cidadãos que, precisamente para evitarem o mal, combatiam noutra direção.
Curioso é que os indiferentes, consumadas as coisas, abrem perspectivas teóricas, discutem alternativas, apresentam ótimas soluções. Estas, no entanto, são belissimamente infecundas. Esse contributo para a vida coletiva não é animado por nenhuma luz moral. É produto apenas da curiosidade intelectual, não do pungente sentido de uma responsabilidade histórica que quer que todos sejam ativos na vida, que não admite agnosticismos e indiferenças de nenhum gênero.
Odeio os indiferentes, também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. É como se a sua abulia não implicasse qualquer conseqüência. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe cotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo sentir compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura que estamos a construir. Nessa cidade, a cadeia social não pesará sobre um número reduzido, qualquer coisa que aconteça nela não será devido ao acaso, à fatalidade, mas sim à inteligência dos cidadãos.
Ninguém estará à janela a olhar enquanto um pequeno número se sacrifica, se imola no sacrifício. E não haverá quem esteja à janela emboscado, e que pretenda usufruir do pouco bem que a atividade de um pequeno grupo tenta realizar, ou afogue a sua desilusão injuriando o sacrificado porque não conseguiu o seu intento. Lembrei-me de Chico Buarque – o tempo passou na janela e só Carolina não viu. Vivo, sou militante .Por isso, odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes. A indiferença é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca. Os melhores ideais das cidades podem ser derrotados sob o peso do absenteísmo, travestido muitas vezes de reflexão intelectual, já o disse acima. Viva Gramsci! Viva a política! Viva a cidadania ativa que constrói a cidade de hoje e a de amanhã.
*Artigo publicado originalmente na edição desta segunda-feira, 05, no jornal A Tarde
Nenhum comentário:
Postar um comentário