Antônio Risério*.
Me referi de passagem aqui, em artigo sobre o projeto da ponte ligando Salvador e Itaparica, a uma antevisão do sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto: a Cidade da Bahia e o Recôncavo se encaminhando para configurar a Região Metropolitana de Salvador. O governador do Estado fala hoje da ponte Salvador-Itaparica privilegiando a perspectiva da conexão com Camamu e o “baixo sul” (algum geógrafo, aliás, bem que poderia me explicar: Camamu-Tinharé, para mim, são o alto sul; o baixo sul ficaria para Alcobaça, Prado, Nova Viçosa, etc.). Mas, de modo mais imediato, temos a integração da capital e seu Recôncavo, numa área de cerca de 10 mil km², se não me falha a memória. Aliás, a BR-242, da qual a ponte deverá ser o quilômetro zero, passa por cidades que ficam no coração do Recôncavo. E, por isso, me referi a Costa Pinto – segundo Darcy Ribeiro, a maior e mais genuína vocação de sociólogo que o Brasil já conheceu.
A Cidade do Salvador e o Recôncavo nasceram juntos. Foram siameses. Ou, como diria Joyce, numa palavra-montagem doFinnegans Wake: “siamesmos”. Wanderley Pinho, em suaHistória Social de Salvador, enfatizava isso. Senhores de engenho tanto viviam nos canaviais quanto na cidade. Membros da Câmara de Salvador moravam em terras do Recôncavo. Escravos trocavam informações, fazendo levantes lá e cá. Terreiros de candomblé surgiram em Salvador, em Itaparica, em Santo Amaro da Purificação, em Cachoeira. Enfim, Salvador e o Recôncavo foram uma entidade integrada durante séculos. Isso só foi mudar muito recentemente. Quando as atividades de prospecção e refino do petróleo se deslocaram para cidades laterais ao miolo afrobarroco do Recôncavo. E, depois, com o Centro Industrial de Aratu e o polo petroquímico de Camaçari, que desviaram as coisas para o Recôncavo Norte, inchando Lauro de Freitas e cercanias.
Mas, antes disso, o que dizia Luiz de Aguiar Costa Pinto? No texto “Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana”, nosso maior sociólogo (que tem, como seus pares, Milton Santos na geografia e Kátia Mattoso na historiografia) escreveu:
“Dois grandes fatores têm operado no sentido dessa unidade [do Recôncavo]: a Baía de Todos os Santos e a Cidade do Salvador. De fato, quer no plano estritamente geográfico, quer no mais largo sentido ecológico, o golfo tem sido o ponto focal de convergência da vida dos núcleos urbanos que em torno dele se desenvolveram; de outro lado, a Cidade do Salvador, mercado consumidor, centro político-administrativo, porto e porta de passagem dos contatos e relações com o mundo, é ponto dominante na região que margeia a baía e representa, no plano econômico, social e político, o núcleo de onde partem influências aglutinadoras sobre todo o Recôncavo, que tende cada vez mais a se transformar numa grande região metropolitana cercando a sua capital, com a qual mantém laços crescentes de comércio material, social e psicológico”.
O texto de Costa Pinto foi escrito em 1951 e reescrito em 1958. Por essa época, a conexão Salvador-Recôncavo, que vinha de inícios do século 16, começava a se desarticular. Não só pelo petróleo, é bom lembrar, como em nome de uma visão imediatista do processo baiano. Hoje, no entanto, temos a perspectiva de um reatamento. Salvador e o Recôncavo podem voltar a ser siamesmos. Aliás, acho que a nova universidade do Recôncavo poderia sair na frente dessa discussão, promovendo uma ampla releitura de escritos sobre o tema, como os de Costa Pinto e Milton Santos. Geografia e sociologia que ainda têm muito a nos ensinar.
E, aqui, volto ao tema do projeto da construção da ponte Salvador-Itaparica. A ponte pode ser a peça-chave de nossa reintegração física, econômica, social e cultural. O novo elo evolutivo que falta. Hoje, numa foto área, vemos que apenas uma parte do trabalho foi feita. A ponte do Funil faz o Recôncavo chegar a Itaparica. E a foto fica capenga. Falta fazer a outra e maior parte do trabalho. Temos Funil, temos Itaparica, mas cadê a ponte para ligar a ilha e Salvador, para completar o quadro?
*Antonio Risério – Escritor
(publicado originalmente em Opinião do jornal A Tarde, em 26.6.2010)
Me referi de passagem aqui, em artigo sobre o projeto da ponte ligando Salvador e Itaparica, a uma antevisão do sociólogo Luiz de Aguiar Costa Pinto: a Cidade da Bahia e o Recôncavo se encaminhando para configurar a Região Metropolitana de Salvador. O governador do Estado fala hoje da ponte Salvador-Itaparica privilegiando a perspectiva da conexão com Camamu e o “baixo sul” (algum geógrafo, aliás, bem que poderia me explicar: Camamu-Tinharé, para mim, são o alto sul; o baixo sul ficaria para Alcobaça, Prado, Nova Viçosa, etc.). Mas, de modo mais imediato, temos a integração da capital e seu Recôncavo, numa área de cerca de 10 mil km², se não me falha a memória. Aliás, a BR-242, da qual a ponte deverá ser o quilômetro zero, passa por cidades que ficam no coração do Recôncavo. E, por isso, me referi a Costa Pinto – segundo Darcy Ribeiro, a maior e mais genuína vocação de sociólogo que o Brasil já conheceu.
A Cidade do Salvador e o Recôncavo nasceram juntos. Foram siameses. Ou, como diria Joyce, numa palavra-montagem doFinnegans Wake: “siamesmos”. Wanderley Pinho, em suaHistória Social de Salvador, enfatizava isso. Senhores de engenho tanto viviam nos canaviais quanto na cidade. Membros da Câmara de Salvador moravam em terras do Recôncavo. Escravos trocavam informações, fazendo levantes lá e cá. Terreiros de candomblé surgiram em Salvador, em Itaparica, em Santo Amaro da Purificação, em Cachoeira. Enfim, Salvador e o Recôncavo foram uma entidade integrada durante séculos. Isso só foi mudar muito recentemente. Quando as atividades de prospecção e refino do petróleo se deslocaram para cidades laterais ao miolo afrobarroco do Recôncavo. E, depois, com o Centro Industrial de Aratu e o polo petroquímico de Camaçari, que desviaram as coisas para o Recôncavo Norte, inchando Lauro de Freitas e cercanias.
Mas, antes disso, o que dizia Luiz de Aguiar Costa Pinto? No texto “Recôncavo: Laboratório de uma Experiência Humana”, nosso maior sociólogo (que tem, como seus pares, Milton Santos na geografia e Kátia Mattoso na historiografia) escreveu:
“Dois grandes fatores têm operado no sentido dessa unidade [do Recôncavo]: a Baía de Todos os Santos e a Cidade do Salvador. De fato, quer no plano estritamente geográfico, quer no mais largo sentido ecológico, o golfo tem sido o ponto focal de convergência da vida dos núcleos urbanos que em torno dele se desenvolveram; de outro lado, a Cidade do Salvador, mercado consumidor, centro político-administrativo, porto e porta de passagem dos contatos e relações com o mundo, é ponto dominante na região que margeia a baía e representa, no plano econômico, social e político, o núcleo de onde partem influências aglutinadoras sobre todo o Recôncavo, que tende cada vez mais a se transformar numa grande região metropolitana cercando a sua capital, com a qual mantém laços crescentes de comércio material, social e psicológico”.
O texto de Costa Pinto foi escrito em 1951 e reescrito em 1958. Por essa época, a conexão Salvador-Recôncavo, que vinha de inícios do século 16, começava a se desarticular. Não só pelo petróleo, é bom lembrar, como em nome de uma visão imediatista do processo baiano. Hoje, no entanto, temos a perspectiva de um reatamento. Salvador e o Recôncavo podem voltar a ser siamesmos. Aliás, acho que a nova universidade do Recôncavo poderia sair na frente dessa discussão, promovendo uma ampla releitura de escritos sobre o tema, como os de Costa Pinto e Milton Santos. Geografia e sociologia que ainda têm muito a nos ensinar.
E, aqui, volto ao tema do projeto da construção da ponte Salvador-Itaparica. A ponte pode ser a peça-chave de nossa reintegração física, econômica, social e cultural. O novo elo evolutivo que falta. Hoje, numa foto área, vemos que apenas uma parte do trabalho foi feita. A ponte do Funil faz o Recôncavo chegar a Itaparica. E a foto fica capenga. Falta fazer a outra e maior parte do trabalho. Temos Funil, temos Itaparica, mas cadê a ponte para ligar a ilha e Salvador, para completar o quadro?
*Antonio Risério – Escritor
(publicado originalmente em Opinião do jornal A Tarde, em 26.6.2010)
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