Foto: Osvaldo Campos
Mary Weinstein*
É preciso ir à Conceição da Praia ver o estrago e, se for amante da Bahia, chorar diante do casarão desabado. Como em uma coreografia em que o que mais chama a atenção é o dançarino fora do ritmo, quem olha para a sequência de prédios do século XIX em frente ao mar é atraído pelo buraco no lugar. E que lugar! Um retrato fiel da Bahia, atrás do antigo Mercado Modelo que queimou em 1969, próximo à rampa onde aportavam saveiros, e além da Ladeira da Conceição, onde o ferreiro Zé Diabo esculpe adereços para terreiros de candomblé.
Com o desabamento, o conjunto perdeu integridade. A falta do prédio afeta a leitura do que está em volta. A Igreja da Conceição, do século XVII, ficou sem o ritmo que se mantinha como moldura. Quem for casar por ali verá os escombros da edificação. O turista, a caminho do Elevador Lacerda, se sentirá incomodado. E o empresário que tenta construir o Hilton Hotel, na casa de azulejos azuis, pensará na degradação do “cenário”, que, com uma mãozinha da prefeitura, se tornaria uma “riviera” tropical.
Tão velho quanto o desmazelo é a ladainha sobre a necessidade de se preservar a arquitetura de Salvador. A área agora mutilada é parte da poligonal classificada como Patrimônio da Humanidade em 1985. Antes, ao final dos anos 30, para protegê-la e às demais de valor cultural, Rodrigo Mello Franco de Andrade criou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas nem o reconhecimento pela UNESCO motivou uma política de conservação eficiente.
A legislação que protege a área é clara, como poucas. O Decreto-lei nº 25 não deixa margem para dúvidas. Mas precisa ser aplicado para que possa reverter a situação de abandono dos imóveis pelos proprietários e evitar tragédias como essa, que matou uma pessoa. Embora o compromisso do Iphan, combinado com gestores municipais e do estado em 2009, tenha anunciado uma série de providências, não foram repassadas notícias subseqüentes sobre o resultado.
Com ou sem Iphan, a prefeitura tem como responsabilidades exigir a manutenção dos prédios da cidade toda, impedir construções irregulares e fazer com que a qualidade de vida exista no espaço administrado por ela. O desprezo pelo patrimônio histórico é apenas um dos aspetos dessa atitude generalizada de pretensa ignorância que assola Salvador. Não é possível que as autoridades não saibam o que significa o que estão fazendo e o que não estão fazendo.
* Doutoranda pela UFBA, é jornalista especializada em patrimônio histórico.
É preciso ir à Conceição da Praia ver o estrago e, se for amante da Bahia, chorar diante do casarão desabado. Como em uma coreografia em que o que mais chama a atenção é o dançarino fora do ritmo, quem olha para a sequência de prédios do século XIX em frente ao mar é atraído pelo buraco no lugar. E que lugar! Um retrato fiel da Bahia, atrás do antigo Mercado Modelo que queimou em 1969, próximo à rampa onde aportavam saveiros, e além da Ladeira da Conceição, onde o ferreiro Zé Diabo esculpe adereços para terreiros de candomblé.
Com o desabamento, o conjunto perdeu integridade. A falta do prédio afeta a leitura do que está em volta. A Igreja da Conceição, do século XVII, ficou sem o ritmo que se mantinha como moldura. Quem for casar por ali verá os escombros da edificação. O turista, a caminho do Elevador Lacerda, se sentirá incomodado. E o empresário que tenta construir o Hilton Hotel, na casa de azulejos azuis, pensará na degradação do “cenário”, que, com uma mãozinha da prefeitura, se tornaria uma “riviera” tropical.
Tão velho quanto o desmazelo é a ladainha sobre a necessidade de se preservar a arquitetura de Salvador. A área agora mutilada é parte da poligonal classificada como Patrimônio da Humanidade em 1985. Antes, ao final dos anos 30, para protegê-la e às demais de valor cultural, Rodrigo Mello Franco de Andrade criou o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Mas nem o reconhecimento pela UNESCO motivou uma política de conservação eficiente.
A legislação que protege a área é clara, como poucas. O Decreto-lei nº 25 não deixa margem para dúvidas. Mas precisa ser aplicado para que possa reverter a situação de abandono dos imóveis pelos proprietários e evitar tragédias como essa, que matou uma pessoa. Embora o compromisso do Iphan, combinado com gestores municipais e do estado em 2009, tenha anunciado uma série de providências, não foram repassadas notícias subseqüentes sobre o resultado.
Com ou sem Iphan, a prefeitura tem como responsabilidades exigir a manutenção dos prédios da cidade toda, impedir construções irregulares e fazer com que a qualidade de vida exista no espaço administrado por ela. O desprezo pelo patrimônio histórico é apenas um dos aspetos dessa atitude generalizada de pretensa ignorância que assola Salvador. Não é possível que as autoridades não saibam o que significa o que estão fazendo e o que não estão fazendo.
* Doutoranda pela UFBA, é jornalista especializada em patrimônio histórico.
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