Lourenço Mueller*
Em princípios de abril os jornais anunciaram a chegada a esta cidade [Salvador], para uma conferência, da urbanista May East, ex-roqueira, hoje dirigente de uma fundação ecológica escocesa que prega a minimização das cidades e sua entronização ecológica.
Foi publicado este ano o livro Diários de Bicicleta (SP: Manole, 2010) do conhecido band leader do Talking Heads, David Byrne, também escocês, com prefácio de Tom Zé: forte conteúdo crítico sobre certas cidades e visão de futuro do urbanismo dito sustentável.
Pergunto-me porque artistas – neste caso ligados à música – demonstram essa preocupação com o urbano. Porque mudam de profissão, ou escrevem livros sobre o tema ecologia urbana, mostrando o perigo do aquecimento global ou o equívoco do automóvel nas grandes cidades. Porque “saem na frente” de outros profissionais, até mesmo dos urbanistas e arquitetos, que já deveriam ter levantado esta bandeira há mais tempo e sobretudo dos políticos, que não conseguem perceber a incondicional, superlativa importância do urbano.
Talvez a arte, em sua sensibilidade a situações concretas, faculte aos que a praticam essa noção aguda de perigo iminente, como no conhecido conteúdo imagético da pintura Guernica (1937) de Pablo Picasso (1881-1973), prévia antifascista do horror da guerra civil espanhola.
Sem a mesma genialidade do pintor fica difícil ilustrar a imanência perigosa que as cidades modernas representam para a humanidade, mas tal esforço merece crítica dialética e elogios.
Entrevistei May East, fui à sua conferência e li o livro de Byrne.
Posso dizer que as ecovilas propostas por ela pecam pela questão dimensional. É uma solução para pequenos núcleos, não para grandes cidades; malgrado possam ser uma semente – existem já algumas no mundo – guardam na sua concepção os limites da ideologia conservadora contra os avanços das tecnologias construtivas da verticalidade mesmo que defendam cidades compactas e densas, e ao mesmo tempo cercadas por cinturões verdes hortifrutigranjeiros.
Isso só foi possível em pequeníssimas aldeias, com um forte substrato espiritualista, como pareceu transparecer nos fluidos vocais e figurativos que precederam a palestra, onde se distribuíram folhetos do Partido Verde.
Admito o viés esotérico dessas iniciativas desde que equacionem a problemática do crescimento urbano desordenado e cruel de forma a que se desenhe – aliás, exorbitam na palavra design – uma perspectiva de solução.
O poder público desistiu de re-assentar populações em áreas de risco e resolveu relocá-las: é possível começar a desestimular a ocupação urbana em alguns pontos onde as densidades já estão exageradas e a infraestrutura viária já é insuficiente, incentivando novas edificações em zonas planejadas, previamente pautadas em um novo modelo de cidade, mais ou menos seguindo as premissas ecológicas das ecovilas de East, mas sem a ingenuidade das mesmas; quem vai construí-las são os mesmos incorporadores que escolhem pontos da cidade e concentram seus empreendimentos sem se preocupar com o depois, na mesma linha de um Luís XIV contemporâneo, pensando: depois de vendidos os condomínios que se lixem os compradores…
David Byrne faz a apologia da bicicleta. Vem usando-a ao longo de anos como forma de deslocamento e “percepção dos ritmos e dinâmicas características” das metrópoles e cidades que atravessou. O livro já virou best seller.
Em determinado trecho escreve que “opções sustentáveis, transportes públicos e ciclovias não são mais alvos de piada” e mais adiante: ”…A economia afundou, os Estados Unidos podem perder seu lugar como potência número um do mundo, mas isso não significa que muitas destas cidades não possam se tornar ainda mais habitáveis.”
No fim, defende Jane Jacobs, a jornalista que se meteu a urbanista e fez sucesso propondo cidades que misturam comércio e moradias como modelo, enquanto condenava, como o próprio Byrne, as cidades americanas.
*Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista
Em princípios de abril os jornais anunciaram a chegada a esta cidade [Salvador], para uma conferência, da urbanista May East, ex-roqueira, hoje dirigente de uma fundação ecológica escocesa que prega a minimização das cidades e sua entronização ecológica.
Foi publicado este ano o livro Diários de Bicicleta (SP: Manole, 2010) do conhecido band leader do Talking Heads, David Byrne, também escocês, com prefácio de Tom Zé: forte conteúdo crítico sobre certas cidades e visão de futuro do urbanismo dito sustentável.
Pergunto-me porque artistas – neste caso ligados à música – demonstram essa preocupação com o urbano. Porque mudam de profissão, ou escrevem livros sobre o tema ecologia urbana, mostrando o perigo do aquecimento global ou o equívoco do automóvel nas grandes cidades. Porque “saem na frente” de outros profissionais, até mesmo dos urbanistas e arquitetos, que já deveriam ter levantado esta bandeira há mais tempo e sobretudo dos políticos, que não conseguem perceber a incondicional, superlativa importância do urbano.
Talvez a arte, em sua sensibilidade a situações concretas, faculte aos que a praticam essa noção aguda de perigo iminente, como no conhecido conteúdo imagético da pintura Guernica (1937) de Pablo Picasso (1881-1973), prévia antifascista do horror da guerra civil espanhola.
Sem a mesma genialidade do pintor fica difícil ilustrar a imanência perigosa que as cidades modernas representam para a humanidade, mas tal esforço merece crítica dialética e elogios.
Entrevistei May East, fui à sua conferência e li o livro de Byrne.
Posso dizer que as ecovilas propostas por ela pecam pela questão dimensional. É uma solução para pequenos núcleos, não para grandes cidades; malgrado possam ser uma semente – existem já algumas no mundo – guardam na sua concepção os limites da ideologia conservadora contra os avanços das tecnologias construtivas da verticalidade mesmo que defendam cidades compactas e densas, e ao mesmo tempo cercadas por cinturões verdes hortifrutigranjeiros.
Isso só foi possível em pequeníssimas aldeias, com um forte substrato espiritualista, como pareceu transparecer nos fluidos vocais e figurativos que precederam a palestra, onde se distribuíram folhetos do Partido Verde.
Admito o viés esotérico dessas iniciativas desde que equacionem a problemática do crescimento urbano desordenado e cruel de forma a que se desenhe – aliás, exorbitam na palavra design – uma perspectiva de solução.
O poder público desistiu de re-assentar populações em áreas de risco e resolveu relocá-las: é possível começar a desestimular a ocupação urbana em alguns pontos onde as densidades já estão exageradas e a infraestrutura viária já é insuficiente, incentivando novas edificações em zonas planejadas, previamente pautadas em um novo modelo de cidade, mais ou menos seguindo as premissas ecológicas das ecovilas de East, mas sem a ingenuidade das mesmas; quem vai construí-las são os mesmos incorporadores que escolhem pontos da cidade e concentram seus empreendimentos sem se preocupar com o depois, na mesma linha de um Luís XIV contemporâneo, pensando: depois de vendidos os condomínios que se lixem os compradores…
David Byrne faz a apologia da bicicleta. Vem usando-a ao longo de anos como forma de deslocamento e “percepção dos ritmos e dinâmicas características” das metrópoles e cidades que atravessou. O livro já virou best seller.
Em determinado trecho escreve que “opções sustentáveis, transportes públicos e ciclovias não são mais alvos de piada” e mais adiante: ”…A economia afundou, os Estados Unidos podem perder seu lugar como potência número um do mundo, mas isso não significa que muitas destas cidades não possam se tornar ainda mais habitáveis.”
No fim, defende Jane Jacobs, a jornalista que se meteu a urbanista e fez sucesso propondo cidades que misturam comércio e moradias como modelo, enquanto condenava, como o próprio Byrne, as cidades americanas.
*Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista
Publicado no blog Jeito baiano
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