sexta-feira, 15 de julho de 2011

A independência da Bahia e a marcha das vadias

Zulu Araújo*
Aparentemente o título acima pode significar um contra senso. Se o leitor for um estudioso sisudo e compenetrado pode significar uma brincadeira de mau gosto. Mas não é nada disto. É simplesmente o registro de um dos momentos mais interessantes que vivi nos últimos tempos nas minhas caminhadas cívico/culturais pelo país afora. Para quem não sabe o dia 02 de julho é a data magna dos baianos. Data em que, no ano de 1823, com armas na mão e a liberdade no coração, pretos, mulatos, mestiços e índios colocaram literalmente para correr o que restava das tropas portuguesas no Brasil após a proclamação da independência, ocorrida um ano antes, em 1822. Poderíamos afirmar - bairrismos à parte - que é a verdadeira data da independência do Brasil.
Para celebrar este feito, o povo baiano desfila garbosamente por mais de 10 km, em dois turnos (manhã e tarde), do tradicional bairro da Lapinha até a praça mais importante de Salvador, que é a Praça Dois de Julho, popularmente conhecida como Campo Grande. Ano após ano, o Desfile do 2 de Julho, tem sido o grande momento cívico/político e cultural do Estado, com intensa participação popular.
Este ano, tive duas grandes surpresas no referido desfile. De um lado vi velhos companheiros da luta política na Bahia, autoridades ou não, desfilando quase que como uma obrigação. Sisudos, outros nem tanto, mas quase todos tomados por uma apatia que era visível aos olhos de todos. Esta apatia exibia-se nas faixas com as palavras de ordem de sempre, nas bandeiras com as cores de sempre e nas sacadas que não eram as de sempre, pois não estavam nem decoradas, nem animadas, como sempre. O Prefeito da cidade, que a meu ver deveria liderar o desfile honrando a tradição baiana de coragem e ousadia, esteve apenas no início do cortejo e de forma absolutamente truculenta, exibindo sua valentia acompanhado por quase uma centena de seguranças que distribuíam empurrões e safanões em quem ousasse aproximar-se. Aliás, a bem da verdade, este fato não me surpreendeu tanto, pois avivaram na minha memória os tempos da ditadura, mormente na Bahia. Mas, o que de fato me surpreendeu foi a apatia do povo em geral. Era visível um certo ar de "cansaço" e indiferença fosse com os políticos, fosse com o cortejo em si.
De outro lado, saí deste desfile revigorado. Vi e acompanhei centenas de jovens, na sua maioria do sexo feminino, dando o seu toque de rebeldia e cidadania. Era a Marcha das Vadias na Independência da Bahia. Já tinha lido e ouvido sobre este movimento que se iniciou no Canadá. Um delegado de Polícia sugeriu às jovens daquele país, vítimas de violência sexual, que não se trajassem como vadias para assim evitar tais ataques. Mas, não tinha visto nada de perto. Foi realmente um choque de realidade.
Eram jovens que não haviam sido articulados, liderados ou mobilizados por nenhum partido político, sindicato ou entidade estudantil, até porque estas instituições cada vez menos os representam, vide a UNE, que mais parece uma sucursal do governo. Jovens que por meio das chamadas redes sociais se uniram para a um só tempo protestar e chamar a atenção dos seus direitos mais comezinhos. As palavras de ordem eram bizarras, mas muito interessantes: Uma dizia "Queremos respeito. Mulher não é só bunda e peito". Outra mais contundente afirmava "Ei, você! Pare de gracinha. Eu dou pra quem quiser. A porra da buceta é minha". No primeiro momento, podem parecer frases grosseiras ou grotescas, mas em verdade são a contra parte das grotescas grosserias que a maioria das mulheres - e em particular as mulheres jovens - tem que aturar no seu dia a dia. Era um grito de basta com estas gracinhas sem graça. Um tapa na cara do machismo e do moralismo que protege barbaridades em nome da família. Era, quem sabe, um grito de alerta ao conservadorismo e caretice que tem assolado parte dos governos que nós ajudamos a eleger e construir.
Quiçá seja o prenúncio de novos dois de julhos nas terras da Bahia, cumprindo sua saga libertária, como o foi na origem: Quiçá esse grito rouco e ousado da meninada anime os governantes de plantão a cumprirem com os compromissos de civilidade e cidadania.
Axé
Toca a zabumba que a terra é nossa.

* Produtor Cultural

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