sexta-feira, 29 de julho de 2011

EDUFBA disponibiliza "Como Anda Salvador" em formato digital

A Editora da Universidade Federal da Bahia (EDUFBA) disponibiliza, em formato digital, a segunda edição atualizada do livro Como Anda Salvador (2008), resultado dos estudos do núcleo local do Observatório das Metrópoles. A publicação discute os vários aspectos de formação da RM de Salvador, como a evolução econômica, as condições demográficas e as condições de ocupação e renda.
Na apresentação do livro, os professores Ana Fernandes e Paulo Fábio Dantas Neto, da Universidade Federal da Bahia, delineiam o espaço metropolitano de Salvador como fragmentado e contraditório, com seus dilemas econômicos, sociais, culturais, raciais, institucionais e espaciais:
Fruto de modelos de ocupação territorial em rede centralizada, de sequenciadas políticas econômicas indutoras de concentração e de clara opção geopolítica no âmbito federal, a Região Metropolitana de Salvador (RMS) já nasce de uma crise de configuração: desde sua criação, em 1973, ela é recortada do Recôncavo, sua região matriz, e passa a ser definida por um conjunto de municípios, cujas principais relações deveriam ser funcionais e decorrentes dos novos projetos industriais para eles implementados. Uma região vertical e corporativa se desenvolve a partir de então, ancorada num conjunto de pares de oposição: crescimento acelerado da produção paralelamente à elevação contínua das taxas de desemprego; municípios ricos e populações muito pobres; extrema concentração de renda e generalização da pobreza; produção industrial agressiva em ambientes naturais muito sensíveis; Salvador, cidade dormitório industrial e Salvador, centralidade absoluta de serviços; esgotamento do modelo e reforço – com variações – do mesmo modelo.
Fragmentado e contraditório: talvez assim possamos designar, na Bahia, o espaço metropolitano contemporâneo, produzido por esse processo e dele condicionante. Fragmentação na escala regional, na escala metropolitana, na escala urbana e na escala intra-urbana, com um sistema urbano operado por saltos, por descontinuidades, pelo aprofundamento das exclusões.
Para o download do livro Como Anda Salvador, acesse o site da EDUFBA.
Sumário
Apresentação
A Economia de Salvador e a Formação de sua Região Metropolitana
Paulo Henrique de Almeida
Condições Demográficas
Cláudia Monteiro Fernandes
As “Cidades” de Salvador
Inaiá Maria Moreira de Carvalho
Gilberto Corso Pereira
Trabalho, Renda e Pobreza na Região Metropolitana de Salvador
Inaiá Maria Moreira de Carvalho
Habitação e Infraestrutura Urbana em Salvador e Região Metropolitana
Gilberto Corso Pereira
Condições de Vida, Violências e Extermínio
Jairnilson Silva Paim
Os Espaços Públicos da Salvador Contemporânea
Angelo Serpa
Metropolização e Turismo no Litoral Norte de Salvador: de um deserto a um território de enclaves?
Sylvio Bandeira de Mello e Silva
Barbara-Christine Nentwig Silva
Silvana Sá de Carvalho
Cooperação e Coordenação na Região Metropolitana de Salvador: o contexto institucional
Celina Souza

A crise da Prefeitura de Salvador e o déficit democrático brasileiro

Luiz Eugênio Portela*

Quem lê jornais e, principalmente, quem utiliza os serviços municipais não tem dúvida sobre a gravidade da crise que atinge a administração de Salvador: greve de funcionários, entidades filantrópicas sem apoio, serviços mal funcionando por falta de pagamento a prestadores de serviços e fornecedores, trabalhadores terceirizados sem salários, etc.
Quais as causas dessa situação?
Em primeiro lugar, há um problema estrutural: Salvador tem uma prefeitura pobre, que arrecada cerca de um bilhão e meio de reais e recebe de transferências do estado e da União, aproximadamente, dois bilhões de reais. Considerando-se a população do município, isso dá uma receita per capita anual de menos de R$ 1.200,00! O enfrentamento desse problema é complexo e exige, entre outras coisas, uma política de desenvolvimento para a cidade, a adoção de mecanismos de administração de regiões metropolitanas e a reformulação do pacto federativo. Para conduzir um processo dessa magnitude, é necessária a conformação de uma coalizão política (não apenas partidária), que pense e aja, a curto, a médio e a longo prazos, de acordo com os interesses maiores da população.
Em segundo lugar, há um problema conjuntural que tem agravado a situação: a atual gestão municipal tem tido enormes dificuldades administrativas. Objetivamente, a prefeitura tem, de maneira sistemática, gastado mais do que arrecada. Por esse quadro, contudo, não se pode culpar apenas o prefeito João Henrique. Praticamente, todos os grupos políticos atuantes na cidade apoiaram, em algum momento, ou apóiam atualmente a sua gestão. E o fizeram ou o fazem em troca de dividendos ou cálculos eleitorais. Definitivamente, fazer uma gestão pública eficiente não tem sido critério para determinar alianças político-partidárias.
Os políticos profissionais, com honrosas exceções, não se preocupam suficientemente com a administração governamental, porque parece mais fácil conseguir votos por meio das velhas práticas do clientelismo: contratação de cabos eleitorais e pequenos empregos para suas bases, um pedaço de rua asfaltado, uma consulta médica, um campo de futebol, etc. Nesse contexto, a efetividade e a qualidade das políticas públicas contam pouco.
Enfim, no fundo, é o déficit democrático ou a democracia de baixo impacto que prevalece no Brasil – em que a participação social se reduz a votar de quatro em quatro anos – a causa das crises político-administrativas crônicas, que muitas vezes se tornam agudas, como a que se vive agora em Salvador.
Há esperança? Talvez o crescimento econômico com redistribuição de renda (ainda que incipiente) por que passa o país, tirando milhões de pessoas da pobreza material, possa levar ao amadurecimento da cidadania. Talvez, tendo satisfeitas suas necessidades básicas de sobrevivência, os eleitores se tornem mais exigentes e os cidadãos, mais participativos.
Salvador poderá, então, ver forjada uma coalizão política que não apenas gerencie a rotina da administração municipal, de forma responsável e eficiente, mas também coordene o processo de desenvolvimento sustentável – econômico, social e ambiental – da cidade.
*Luiz Eugênio Portela é médico sanitarista, doutor em Saúde Pública e professor da UFBA.

Bahia terra da mobilidade

Horácio Brasil*
Passei a conhecer melhor o ilustre baiano Anísio Teixeira, através do professor João Augusto Lima Rocha, da Escola Politécnica da Ufba. João Augusto coordenou e editou "Anísio em Movimento", uma coletânea de artigos de pessoas que com o homenageado conviveram, de outras tantas que o conheceram ou foram pinçados da grande obra desse baiano que via a educação pública como a única maneira de sermos uma nação desenvolvida.
Anísio não entendia muito de futebol - se não me engano não tinha nenhum time de sua predileção -, no entanto, quando podia, não perdia uma boa partida. Clássicos do tipo Fla-Flu, Ba-Vi e por aí vai eram motivos para que o grande empreendedor da educação pública se deslocasse até os estádios. Movido pela curiosidade de como o esporte bretão arrebatava tantas paixões nos nobres e nos pobres tupiniquins, pretendia Anísio drenar parte dessa energia emocional para um apaixonante projeto de educação pública de qualidade no país. Talvez não tenha descoberto a fórmula de fazê-lo, mas nos legou uma boa ideia.
Depois de um longo período sem maiores modificações na infraestrutura viária, e sem, basicamente, nenhum investimento que objetivasse prover uma logística urbana para o crescimento da população e da renda, Salvador se vê agraciada com a possibilidade de abrigar jogos da Copa do Mundo de 2014. Como se sabe, a Fifa, patrocinadora do megaevento, estabelece, dentre outras exigências, que a cidade tenha uma arena esportiva reconfigurada e um bom projeto de mobilidade com base no transporte público, e aí... bingo!
O futebol passa a ser o grande "catalisador" de um processo já bastante atrasado de requalificação de nossa cidade, especificamente. Projetos como uma nova Fonte Nova e uma rede integrada de corredores de transportes com base no sistema BRT, lideram outros projetos e ações que, necessariamente, precisam ser implementados desde já. Ao projeto de mobilidade devem estar associadas intervenções referentes à urbanização de áreas contíguas, limpeza urbana, segurança pública, hospitais e postos de saúde, gerenciamento competente do tráfego e - o que norteia tudo isso - um competente projeto de educação, começando pela requalificação da escola pública e estendida ao cidadão que ainda dirige automóvel e motocicleta de maneira temerária, suja as ruas, ouve som em alto volume, não respeita os idosos nem pessoas com necessidades especiais e polui o meio ambiente.
É muito importante relacionarmos o slogan "terra da felicidade", com terra da mobilidade, da acessibilidade, da urbanidade, da limpeza, da segurança e, sobretudo, da educação pública de qualidade. Vale lembrar que Anísio Teixeira já houvera pensado no futebol como o grande motor de tudo isso.
*Horácio Brasil é mestre em engenharia de transporte

quinta-feira, 28 de julho de 2011

João Falcão, uma presença

Jornalista João Falcão

Samuel Celestino
Morreu, às 21h desta quarta-feira (27), no Hospital Português, onde estava internado, o jornalista João Falcão, fundador do Jornal da Bahia, veículo fundado em 1958 e que revolucionou as técnicas de redação da imprensa baiana, ao introduzir nas suas matérias o conceito do lead e sub-lead, ou pirâmide invertida. O JBa. formou uma geração de jornalistas baianos que se iniciaram ainda estudantes, entre eles Florisvaldo Mattos, João Carlos Teixeira Gomes, Wilter Santiago, Flávio Costa, Glauber Rocha (cineasta que fundou o Cinema Novo), Hélio Mendes, Gilson Nascimento e na sua redação também me iniciei. João da Costa Falcão foi deputado pelo Partido Comunista, quando na legalidade após a Constituição de 1946. Era escritor e entre seus livros está “O Partido Comunista que eu Conheci”. Já com 92 anos de idade, mas absolutamente lúcido e atuante, preparava mais um livro, a biografia de Luis Carlos Prestes. Ingressou no final do ano passado na Academia de Letras da Bahia e foi fundador do Banco Baiano da Produção. O Jornal da Bahia sofreu uma asfixia financeira comandada por Antônio Carlos Magalhães, no seu primeiro governo, no início dos anos 70, em retaliação pelas críticas a ele feitas quando era prefeito de Salvador. Mesmo assim, com a campanha “Não deixe esta chama se apagar”, o jornal, perseguido ainda pela ditadura, conseguiu resistir ao cerco, mas acabou sucumbindo diante da ampliação da asfixia para atingir também os anunciantes do jornal. João Falcão sofreu uma embolia pulmonar e foi internado anteontem no Hospital Português. Seu estado de saúde passou a ser crítico nesta terça-feira (26). O JBa. foi um marco importante na história do jornalismo baiano.
Conheça a vida de João Falcão http://jornalistajoaofalcao.com.br/?page_id=6

terça-feira, 26 de julho de 2011

Happy end na Paralela

Paulo Ormindo Azevedo*

Mais que analisar a solução apontada para a ligação Acesso Norte - Lauro de Freitas, quero aqui analisar o processo. A primeira lição do episódio é que Salvador já não é a mesma de 2007, quando a Câmara de Vereadores aprovou na calada da noite o PDDU vigente. Apesar de não ter havido audiências públicas, foi intensa a mobilização da sociedade em torno da escolha do sistema de transporte na RMS, através de jornais, blogs, rádios e reuniões promovidas por instituições como Crea-BA ou convocadas por vereadores e deputados estaduais. Esta ação cidadã foi decisiva na definição do modal de mobilidade.
Aquilo que parecia impossível, vencer o poderoso consórcio do BRT, acabou acontecendo. Recorde-se que o projeto do Setps, iniciado em 2003, foi um dos vinte oferecidos por investidores privados e encapados pela prefeitura no pacote Salvador capital mundial. O Setps e a construtora consorciada realizaram o levantamento topográfico da rota e financiaram os estudos preliminares da TTC - Engenharia de Tráfego e Transportes na certeza de ganhar a concessão e impor o BRT como paradigma para a RMS. Para isso publicaram revistas, trouxeram jornalistas, promoveram viagens e investiram em um lobby milionário.
Não se pode ignorar o papel que tiveram movimentos populares como "Salvador sobre Trilhos", "Eu quero VLT em Salvador", "A cidade também é nossa", e "Associação de Ferroviários". Esta foi uma grande vitória desses movimentos, já que a elite manteve o tradicional silêncio obsequioso, mas haverá de gritar quando não puder mais sair da garagem. O povo não está interessado em eventuais jogos a que não poderá assistir. Ele quer é passar menos tempo dentro de um ônibus com chassi de caminhão superlotado, com curral e torniquete kafkiano. Sua paciência já se esgotou e os protestos, bloqueio de avenida e estações ameaçam repetir o "quebra bonde" de 1930.
Mas não se pode deixar de reconhecer o papel desempenhado por Zezéu Ribeiro. Político hábil, ele tem sabido utilizar estes movimentos para contrabalançar a pressão de poderosos lobbies, como já havia demonstrado ao mudar a localização do porto sul que ameaçava destruir uma das mais sensíveis APAs do Estado. No caso presente, além de fazer ecoar as manifestações contra o péssimo sistema de buzus, explorou as contradições do capitalismo ao abrir o PMI a outros grupos e exibir suas propostas no site da Seplan. Isto destruiria o mito do BRT com única solução possível.
Zezéu pegou o bonde andando e tenta dar tecnicidade a uma secretaria desaparelhada. Mas uma andorinha só não faz verão. É preciso se criar um processo institucional de gestão planejada e participativa. O atropelo desta escolha demonstra que não havia no governo nenhum pensamento sobre a RMS e transporte de massa. Não se sabe como descongestionar a capital, nem como infraestruturar a RMS. Precisamos restaurar a função do planejamento, reduzido pelos políticos a um instrumento, a posteriori, de legitimar decisões autoritárias. Este não é o caso em pauta. De que vale fazer audiências públicas e atualizar pesquisa de origem e destino a esta altura?
A decisão adotada foi acertada, distinguindo vias "troncais", de transporte de massa sobre trilhos, e vias transversais capilares, operadas por BRT e ônibus comuns. No meu entender, o monotrilho está descartado. Seu impacto visual e difícil acessibilidade a uma plataforma de 35m de altura o desqualifica. O metrô de superfície com pequenos mergulhos nos cruzamentos é perfeitamente viável no prazo estabelecido e atende à exigência da presidente de conclusão do metrô. Ele elimina desapropriações e os 27 viadutos da consorciada do BRT. Os carros do metrô já estão aqui. A grande questão é quem administrará este sistema misto, mas para isso temos tempo.
Em resumo, o episódio da escolha do modal da ligação Acesso Norte - Lauro de Freitas mostrou a força dos movimentos populares e que o planejamento da RMS e da Bahia não pode ficar a mercê da eventual titularidade da Seplan por um técnico competente e íntegro. Deve ser uma política de Estado com quadros idôneos dispostos a ouvir a comunidade, que deveria ser o principal objetivo da política.
*Arquiteto e professor titular da Ufba

Artigo publicado originalmente em Jornal A Tarde

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O surgimento do planejamento urbano

Renato Saboya*

O planejamento surgiu como uma resposta aos problemas enfrentados pelas cidades, tanto aqueles não resolvidos pelo urbanismo moderno quanto aqueles causados por ele. A expressão “planejamento urbano” vem da Inglaterra e dos Estados Unidos, e marca uma mudança na forma de encarar a cidade e seus problemas.
Uma modificação importante refere-se ao reconhecimento do fenômeno urbano como algo dinâmico, o que leva a encarar a cidade como resultado de sua própria história e como algo que está, de alguma maneira, evoluindo no tempo. Portanto, a cidade passa a ser vista como o produto de um determinado contexto histórico, e não mais como um modelo ideal a ser concebido pelos urbanistas (KOHLSDORF, 1985).
Isso leva à segunda mudança introduzida pelo planejamento: a ênfase passa da busca pelo modelo de cidade ideal e universal para a solução de problemas práticos, concretos, buscando estabelecer mecanismos de controle dos processos urbanos ao longo do tempo. A cidade real passa a ser o foco, ao invés da cidade ideal.
Outra mudança importante é a entrada em cena de profissionais de diversas áreas do conhecimento, cada um com a sua visão sobre os problemas da cidade. Dessa forma, houve uma redução no papel do arquiteto no desenvolvimento das cidades. A partir daí esse papel, que até então era preponderante, foi reduzido a apenas uma parte do processo como um todo. Kohlsdorf (1985, p. 35) argumenta que ao receber a colaboração de sociólogos, historiadores, economistas, juristas, geógrafos, psicólogos etc., a definição de cidade realizada pela arquitetura entrou, talvez, na maior crise de toda a história desta última.
Dentro dessa nova concepção, o planejamento pode ser definido como o processo de escolher um conjunto de ações consideradas as mais adequadas para conduzir a situação atual na direção dos objetivos desejados.
Essa visão contrasta com a concepção mais tradicional, segundo a qual o urbanista deveria “projetar” a cidade. Mas essa mudança somente se consolidou com o advento do planejamento sistêmico, que representou
(...) uma mudança da velha idéia de planejamento como a produção de projetos para cidade desejada do futuro para uma nova idéia de planejamento como uma série contínua de controles sobre o desenvolvimento de uma área, auxiliados por mecanismos que buscam simular o processo de desenvolvimento de forma que esse controle possa ser aplicado. (HALL, 2002, p. 6)
Brian McLoughlin, em seu clássico livro “Urban & regional planning: a systems approach” (MCLOUGHLIN, 1969), lança as bases do planejamento sistêmico. Segundo ele, a cidade é um sistema composto por partes (atividades humanas e os espaços que as suportam) intimamente conectadas (fluxos e canais de circulação). Por isso, para intervir nesse sistema não é mais suficiente o enfoque espacial dos arquitetos, dominante até então. Ao contrário, é necessário reconhecer o caráter dinâmico e sistêmico das cidades.
Partindo desse argumento, McLoughlin propõe uma seqüência de etapas que devem ser seguidas durante o processo de planejamento e que, ao contrário da tradição arquitetônica, não acaba com a seleção das ações a serem implementadas (ou, no caso dos arquitetos, com o projeto físico da área). O processo de planejamento, portanto, passa a ser visto como um processo cíclico, no qual os resultados alcançados pelas ações passam a servir de objeto de análise que gera retroalimentações para as outras fases do processo.
As etapas prescritas por McLoughlin são:
1.Avaliação preliminar
2.Formulação dos objetivos
3.Descrição e simulação do sistema
4.Definição de alternativas (cursos de ação)
5.Avaliação das alternativas
6.Seleção das alternativas
7.Implementação

*Arquiteto e Urbanista, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Urbanismo sustentável, uma visão sistêmica

Com o crescimento das cidades, a engenharia foi se especializando em áreas como transportes, água e esgoto, drenagem, energia. “Meio século depois, concluímos que esse nível de especificidade já não é suficiente para resolver os problemas urbanos. Um bom exemplo é a questão dos congestionamentos, que a engenheira de transportes é incapaz de resolver porque se trata de conseqüência de abordagens mais complexas, como a do uso do solo, plano diretor, adensamento”, ensina o professor Alex Abiko, da Escola Politécnica da USP. Segundo ele, é preciso recuperar a visão sistêmica e, nessa medida, abandonar a especialidade para compreender tecnicamente as cidades num contexto mais amplo. “Esse é o papel do engenheiro urbano, atividade pouco conhecida no Brasil, mas que na França, por exemplo, é a razão de ser de uma escola mantida pela prefeitura de Paris”, diz. Esse profissional, detentor de conhecimento técnico de gestão da cidade – incluindo infraestrutura, serviços urbanos, uso do solo e assim por diante -, se soma ao arquiteto urbanista para pensar e solucionar as demandas.
Demandas que nas grandes cidades brasileiras passaram a ser, até mesmo, dramáticas a partir do crescimento da economia. Para Abiko é preciso entender que crescimento e desenvolvimento são dois conceitos diversos. “Nós estamos vivenciando um momento de crescimento – de construções, da população, da renda per capita, de automóveis -, mas isso não significa que está havendo desenvolvimento. Aliás, o grande desafio é como crescer e, também, se desenvolver. Porque desenvolvimento implica melhoria da qualidade de vida”, explica, acrescentando que ainda é difícil avaliar se isto está acontecendo. Outro desafio é compatibilizar o atual crescimento acelerado com urbanismo sustentável. “Temos uma legislação urbana e urbanística construída através de um processo participativo. Todas as leis que regem o ordenamento territorial, como a do Zoneamento e do Plano Diretor, foram aprovadas, no caso de São Paulo, pela Câmara Municipal e pelo prefeito que elegemos. Portanto, essa é a cidade construída por nós. Acontece que o crescimento está sendo mais acelerado do que a capacidade que toda essa legislação tem de ordenar a realidade”, alerta.
Para Abiko, a questão é política na sua essência. As soluções urbanísticas só virão de consensos negociados entre todos os atores que participam das decisões nas cidades, desde o setor imobiliário e o financeiro, até os técnicos das empresas públicas e privadas, passando por sociedades amigos de bairro. No entanto, não há mobilização ou articulação desses setores que respondam à exigência. “Existem várias ONGs e OSCIPs que estão trabalhando de forma heróica, mas a população não percebe ainda a importância de sua participação. Reclama muito da enchente ou do congestionamento, porém numa escala individual. É preciso um pensar mais coletivo”, receita.
DIAGNÓSTICO E SOLUÇÕES
O crescimento da população urbana nos países em desenvolvimento – e, de novo, São Paulo é um ótimo exemplo – se fez muito rapidamente, sem que houvesse investimentos financeiros públicos e conhecimento técnico para preparar as cidades. “Estamos sempre correndo atrás do prejuízo. Ou seja, essa é uma questão estrutural”, identifica Alex Abiko, que acredita na possibilidade de os dirigentes se anteciparem aos problemas, oferecendo qualidade de vida à população. A referência positiva continua sendo Curitiba que, entre outras ações, equacionou o problema dos transportes com a implantação dos BRTs (Bus Rapid Transit). “Só é possível imaginar os BRTs como solução para alguns bairros de São Paulo, especialmente na periferia da cidade. Aqui, a melhor opção de transporte ainda é o metrô, o que requer investimentos elevados”, afirma.
Ação espontânea de parte das pessoas que vivem em São Paulo combinada à percepção da indústria imobiliária, tem aproximado moradia e trabalho, para evitar grandes deslocamentos. “Temos que caminhar para essa solução”, admite o professor, que continua: “Radicalizando um pouco esse discurso, lembro que nós, brasileiros, estamos muito arraigados ao conceito de casa própria. Por outro lado, o emprego é algo passageiro em nossas vidas. Por que a nossa casa não pode ser passageira? Aliás, já foi assim no passado, até o advento do BNH que trouxe para o país o conceito da casa própria. Esta idéia de morar de aluguel contribuiria para a proximidade da moradia com o trabalho”, recomenda. O ‘teletrabalho’ é outra alternativa que também se dissemina, porém, a banda larga no Brasil ainda tem preço elevado e sua velocidade é muito inferior à de qualquer outro país emergente.
“O que nos leva a concluir que o poder público não está sendo suficientemente ágil para incorporar essas tecnologias à rotina dos cidadãos e influenciar na vida das cidades”, diz o engenheiro urbanista.
Depois do breve ensaio feito há alguns anos, o mercado imobiliário retoma o conceito de empreendimentos de uso misto. “Idéia extremamente simpática, que se contrapõe ao movimento racionalista urbanístico – Brasília é um exemplo – que defende áreas da cidade dedicadas ao trabalho e outras à moradia. Hoje, se consegue o mix de funções num único condomínio, desde que sejam compatíveis”. Na contramão da sustentabilidade que prescreve o mínimo uso do automóvel, em bairros como o Morumbi, Alto de Pinheiros e Jardim Europa só se vai à padaria de carro. Alex Abiko mostra, no entanto, o outro lado, ao lembrar que esses bairros ainda garantem a permeabilidade do solo. E defende o tombamento, impedindo novas construções, para garantir que essas regiões continuem a preservar as raras áreas verdes da cidade. “Não tem uma solução única, a cidade é um ser complexo”, diz.
Para ele, continua válida a já bastante conhecida tese de o poder público incentivar a instalação de indústrias e serviços nos bairros mais afastados, evitando o trânsito de moradores pela cidade. “Mais do que isso, precisamos começar a pensar na gestão da metrópole. Um bom exemplo é o descarte de lixo que, hoje, o município de São Paulo já não tem onde fazer. Qual é a solução? Enviar para outra cidade? Eles vão querer o lixo que o paulistano produz? Claro que não. É preciso, portanto, que tenhamos uma instância de poder metropolitano, com a função de equacionar soluções de acordo com os interesses dos municípios”, comenta, lembrando que o governador Geraldo Alckmin criou uma Secretaria de Negócios Metropolitanos: “uma bela iniciativa, se vai funcionar ou não, só o tempo dirá”. Outra ação nesse sentido foi a legislação, aprovada pelo governo federal, de consórcios de municípios que se reúnem de forma voluntária para resolver questões pontuais, como um problema de drenagem de rio que atravessa os seus territórios.
Abiko conclui alertando que um edifício jamais será sustentável em si mesmo. Para ser ‘verde’, certificado ou não, precisa conversar com o entorno, estar implantado em região de fácil acesso, rodeado por serviços e equipamentos públicos. “Mesmo que seja um ‘green build’, de nada adianta se for construído num lugar que inunda”.
*Alex Abiko é engenheiro civil, professor Titular em Gestão Urbana e Habitacional da Escola Politécnica da USP

terça-feira, 19 de julho de 2011

Da crise da mobilidade ao apagão urbano

Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro* e Juciano Martins Rodrigues**
Dados recentes revelam que, na maioria das grandes metrópoles brasileiras, um maior número de pessoas leva mais tempo em seus deslocamentos cotidianos. Tem se tornado um martírio enfrentar longas distâncias, engarrafamentos e as constantes panes do sistema público de transporte. Uma verdadeira via-crúcis. Na região metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, o percentual de pessoas que levavam mais de uma hora no trajeto casa trabalho passou de 13,5%, em 2001, para 16,5%, em 2008. Em São Paulo, o recorde de congestionamento, que foi batido por duas vezes no mesmo dia em 2009, chegou a 294 km. Para aqueles que utilizam o transporte público, entre todas essas dificuldades, soma-se ainda o alto preço das tarifas, complicador maior no caso de mercados de trabalhos organizados na escala metropolitana e que exigem deslocamentos cada vez mais distantes, baldeações e trocas intermunicipais. A situação é tão grave que nos permite falar em uma crise da mobilidade. Crise resultante, sobretudo, da opção pelo modo de transporte individual em detrimento das formas coletivas de deslocamento.
Ao mesmo tempo, tem ocorrido no Brasil, nos últimos anos, um expressivo aumento no número de automóveis. O ritmo de crescimento dos carros supera o da população na maioria das 15 metrópoles brasileiras, onde a população cresceu por volta de 10,7% e o número de automóveis aumentou em 66% entre 2001 e 2010, resultado de um aumento em torno de 920 mil carros a cada ano.
Fonte: Elaborado pelo Observatório das Metrópoles com dados do DENATRAN/2010
Nas metrópoles temos hoje 3,3 habitantes para cada veículo de passeio, o que corresponde aproximadamente a um veículo para cada domicílio. Algumas delas, porém, apresentam o índice de habitantes/veículos ainda menor. Como são os casos de Curitiba, com 2,2 hab/veiculo, Campinas com 2,3 hab/veículo, Florianópolis e São Paulo, com 2,5 hab/veículo cada uma. Outras metrópoles, sentindo o reflexo do crescimento expressivo no número de automóveis, apresentam o índice bem próximo a essas já mencionadas. Como são os casos de Belo Horizonte, Brasília e Goiânia. Na metrópole mineira o índice de habitantes por veículo caiu de 5,2 para 3,1 entre 2001 e 2010, resultante de um aumento de 88,5% do número de automóveis. Em Brasília, considerando sua região de desenvolvimento integrado, no mesmo período esse aumento foi de 86,6%, enquanto sua população aumento em 20,4%, com isso seu índice de hab/veículo passa de 4,7 para 3,2. Em Goiânia, onde o aumento no número de veículos foi de 81,5%, o índice passou de 4,4 para 3,0 hab/veículo.
Sabemos que a periferia das grandes metrópoles tem crescido mais do que suas áreas centrais, tendência que aponta para a constituição de um espaço urbano cada vez mais espraiado, implicando em crescentes custos e problemas logísticos para a provisão de serviços públicos de infraestrutura essenciais à vida em cidade. Perde-se também as principais vantagens de uma cidade compacta, entre elas a baixa necessidade de viagens de carro, que, por sua vez, reduz a emissão de combustível. Reduz-se o apoio aos transportes públicos, as viagens à pé e de bicicleta e, ainda, favorece o aumento das distâncias percorridas entre as residências e os locais de trabalho. Por outro lado, torna-se difícil acreditar que agências reguladoras e empresas de transporte levem o tamanho e a estrutura da cidade em consideração quando se planeja o transporte.
Estamos repetindo nesta fase do crescimento econômico brasileiro os mesmos erros cometidos desde que iniciamos, na década de 1950, a industrialização como motor de desenvolvimento: a omissão da ação planejadora do Estado em seus vários níveis de governo. Subordinamos as grandes cidades às necessidades de produção e do consumo de um bem que desencadeia processos letais da vida urbana, como bem mostrou Jane Jacobs em seu famoso livro "Morte e Vida das Grandes Cidades". Quando há ações de governo, são intervenções que desconsideram a cidade em sua complexidade e seu tamanho, limitando-se a projetos e abrindo mão da função do sistema de mobilidade urbana como parte da estrutura da cidade. Nas modalidades de gestão por projeto do solo urbano, as cidades como máquinas de crescimento a serviço dos novos e antigos interesses econômicos e políticos alimentados pela acumulação urbana. No caso da mobilidade, a falta de planejamento se traduz na inexistência de bases de dados confiáveis e atualizadas sobre os fluxos de deslocamentos de pessoas e mercadorias – as chamadas pesquisas origem/destino, ferramenta fundamental de planejamento urbano.
O problema da mobilidade urbana coloca a sociedade diante de um dilema histórico. Para sustentar a trajetória virtuosa em que nos encontramos de crescimento econômico com expansão dos empregos formais, distribuição da renda com a incorporação de amplos segmentos da população historicamente marginalizados ao mercado de bens modernos – entre eles, o automóvel -, teremos que optar por realizar uma Reforma Urbana cuja realização eventualmente pode implicar na reorientação da direção e do ritmo desta trajetória de mudança. Não realizá-la, por outro lado, certamente significará que encontraremos em poucos anos o obstáculo do apagão urbano, cujas consequências serão maiores e mais graves que a diminuição do ritmo de crescimento: a consolidação exacerbada do modelo urbano brasileiro de mal-estar coletivo, em razão do aprofundamento da degradação social, urbanística e ambiental das metrópoles. Na verdade representa um limite efetivo a esse crescimento na medida em que surgem sinais da perda de eficiência econômica das cidades, a resposta tem sido a realização de projetos rodoviários que submetem ainda mais a mobilidade urbana da autolocomoção das pessoas e das coisas. Se os congestionamentos aumentam, é desencadeada a construção de “rodos-anéis” em torno das cidades, cujo resultado é consolidar o irracional modelo urbano brasileiro. As vultosas obras rodoviárias fazem a felicidade real das empresas de obras públicas e das montadoras de automóveis. Também da coalisão de interesses que comanda a política macroeconômica, pois é mais um veículo para tudo acelerar e sacrificar em nome da manutenção de elevadas taxas de crescimento. A não realização da imperiosa e ainda possível Reforma Urbana neste momento, justificada pela infundada crença que o crescimento econômico ira resolver automaticamente os gargalos do apagão urbano, poderá impor pesadas perdas estruturais da capacidade produtiva das cidades suportando este crescimento.
Mais do que a perda de eficiência econômica, o colapso da mobilidade no Brasil provoca também limites a festejada diminuição das desigualdades sociais. A acessibilidade urbana precária assegurada pelos meios de transportes coletivos e públicos ineficientes gera efeitos contrários aos ganhos de renda obtidos pelos trabalhadores pelo aquecimento da demanda pelo emprego: na metrópole do Rio de Janeiro, ao compararmos as rendas médias de trabalhadores semelhantes em termos de escolaridade, cor, sexo e tipo de ocupação, mas moradores em áreas com fortes diferenças de mobilidade urbana, a diferença pode chegar a 22,8%! A razão está no fato de que, nesta e nas outras metrópoles brasileiras, há uma forte concentração de oferta de trabalho nas áreas centrais, ao mesmo tempo em que observamos o crescimento da população moradora nas periferias. A disjunção entre espaços do emprego e da moradia é, sem dúvida nenhuma, incentivada e agravada pela autolocomoção. Outra faceta deste problema é o crescente tempo despendido pelos moradores das metrópoles em seus deslocamentos diários, fruto da desregulação e abandono do sistema de transportes coletivos e públicos. Ademais, a difusão dos assim chamados “transportes alternativos”, como vans e moto-táxis, nada mais é que a outra face da capitulação das autoridades públicas ao modelo urbano resultante da mobilidade fundada na autolocomoção.
Portanto, a manutenção da trajetória virtuosa de crescimento que entramos depende da capacidade da sociedade em optar pelos custos imediatos da mudança de modelo urbano brasileiro e, consequentemente, de construir um projeto de reforma das nossas cidades. A transformação do padrão de mobilidade urbana é, sem dúvida, um dos fronts mais importante da luta por este projeto. Teremos, por exemplo, capacidade e coragem de aceitar a instituição de pedágios nas áreas centrais das metrópoles? Estaremos dispostos a empreender ações contra a realização das vultosas e ineficientes obras de infraestrutura que incentivam a autolocomoção nas metrópoles?
*Coordenador do Observatório das Metrópoles – IPPUR/UFRJ
**Pesquisador do Observatório das Metrópoles - IPPUR/UFRJ

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Transporte e o meio ambiente

Carlos Gabaglia Penna* Uma grande parcela dos problemas ambientais decorre do uso crescente de veículos, notadamente os movidos por derivados de petróleo. Automóveis, caminhões, ônibus, motocicletas e toda sorte de embarcações e aviões foram responsáveis, por 13,1% das emissões de gases do efeito estufa, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). A atividade de transporte responde por cerca de 80% do óleo diesel consumido no Brasil, sendo 90% desse consumo para o transporte rodoviário de mercadorias e pessoas.
Em países de grandes extensões, com cidades superpovoadas, praticamente sem transporte ferroviário e com poucas centrais termoelétricas, como o Brasil, a contribuição dos sistemas de transporte para a poluição do ar é seguramente bem maior (desconsiderando o uso da terra). Poluição essa que não se limita aos compostos químicos que aquecem a atmosfera, mas que também inclui poluentes como material particulado em suspensão e variados gases, todos eles danosos à saúde humana e à saúde ambiental. Esse é um problema marcante em centros urbanos.
Nos países mais civilizados, ainda existem os desafios de engarrafamentos e da consequente poluição atmosférica (Los Angeles é um exemplo), mas de um modo geral essas questões foram minimizadas pela oferta de sistemas públicos de transporte inteligentes e eficientes e pelo rigor das leis, como a da concentração máxima tolerável de poluentes por veículo.
É fundamental uma revolução nos sistemas de transporte, principalmente nos centros urbanos. Um conjunto extenso de medidas precisa ser adotado. Abordarei apenas alguns deles. Para se diminuir o consumo de combustíveis e a poluição gerada, evitando que se inviabilize a mobilidade urbana, deve-se reduzir os seguintes itens:
A quantidade de deslocamentos realizados,
A extensão desses deslocamentos,
Os modos de transporte utilizados e
O consumo específico de energia dos diferentes modos
(Márcio D’Agosto – PET/COPPE, 2010)
A utilização intensa do automóvel conspira contra qualquer iniciativa de racionalização de sistemas de transporte. Para qualquer planejamento desse setor, é imprescindível o conhecimento da eficiência dos modos de transporte em termos de energia primária requerida (Megajoules/passag.km). O Prof. Márcio D’Agosto apresenta um estudo sobre diversos modos (em ordem decrescente de eficiência):
1º - bicicleta
2º - caminhada
3º - veiculo leve sobre trilhos (VLT)
4º - trem metropolitano elétrico (como o metrô)
5º - trem metropolitano a diesel
6º - microônibus
7º - ônibus convencional
8º - automóvel pequeno a gasolina
9º - automóvel grande a gasolina
O consumo energético por passageiro versus quilômetro do automóvel grande é quase dez vezes o do VLT e sete vezes o do trem elétrico. Mesmo o ônibus convencional tem uma eficiência insatisfatória se comparado com quaisquer dos trens ou com microônibus. Entre os modos de transporte estudados, a bicicleta é o que se revela mais eficiente, com um rendimento 15 vezes melhor do que o do automóvel pequeno.
No entanto, por maiores que sejam os avanços para reduzir a emissão de poluentes e reduzir o desperdício de petróleo em engarrafamentos cada vez mais frequentes e intensos, eles estão sendo superados por uma produção sem precedentes de carros no mundo. Em 2007 fabricou-se 70,9 milhões de unidades de automóveis e pequenos veículos de carga (até 1800 kg). Em função da crise econômica mundial, houve queda na produção global de veículos em 2008 (e possivelmente também em 2009), mas a tendência é de retomada no crescimento de vendas, principalmente se considerarmos o poder desse segmento industrial somado ao das companhias de petróleo e ao das empreiteiras.
"Somente em março foram vendidos 331 mil carros. Prevê-se, para este ano um aumento nas vendas de 8%. Se essa taxa de crescimento se mantiver constante, a frota total dobra em apenas nove anos!"
Entre 1960 e 2000, a fabricação mundial de carros subiu de 12,8 milhões para 41,3 milhões de unidades, um acréscimo de 223% (em comparação, a população humana aumentou 102% no mesmo intervalo de tempo). No Brasil, foram vendidos cerca de 800 mil carros no 1º semestre de 2010. Somente em março foram comercializadas 331 mil unidades. Prevê-se, para este ano um aumento nas vendas de 8%. Se essa taxa de crescimento se mantiver constante, a frota total dobra em apenas nove anos!
Mundialmente, entre 1952 e 1992, o total de passageiros X quilômetros rodados de veículos pulou de menos de 250 bilhões passag.km para quase 650 bilhões passag.km, um aumento de cerca de 160%, bem superior ao crescimento da população global, que, nesse mesmo período, foi de 108%.
Ora, como as ruas não aumentam nas cidades, nem em número nem em dimensões, é óbvio que esse comércio frenético de automóveis é o fermento do caos urbano. Novas vias podem ser abertas somente na periferia, o que obriga a maiores deslocamentos, agravando ainda mais os efeitos do tráfego intenso.
É inegável que a política míope de estimulo ao transporte individual motorizado é absolutamente insustentável, tanto no uso de recursos naturais, como pela geração de poluição e pela crescente inviabilização dos deslocamentos urbanos.
O poderoso lobby pró veículos a combustão impôs o modelo insensato de uso intenso de carros nas cidades e de caminhões e ônibus nas estradas. Essa situação é claramente evidente no Brasil, onde a indústria do petróleo, juntamente com as montadoras e as empreiteiras de estradas, enterraram um sistema incipiente de transporte ferroviário.
À tendência de baixa dos preços de veículos, soma-se a política equivocada do governo no estímulo a economia. Isto foi mais marcante na crise econômica mundial de 2008, quando o governo federal retirou impostos dos carros mais baratos (e agora de motos), incentivado a venda e, ao mesmo tempo, a saturação das vias públicas, principalmente nas cidades médias e grandes.
Não são necessárias muitas considerações para se constatar o óbvio: os engarrafamentos quase permanentes em cidades como Rio e São Paulo provocaram, nos últimos anos, uma queda vertiginosa na velocidade média de suas ruas. A lentidão irritante do tráfego urbano, a par da escassez de vagas, não apenas provoca desperdício de petróleo, um recurso natural não renovável, e aumento na quantidade de horas de trabalho perdidas no trânsito, como a poluição decorrente causa um número cada vez maior de casos de doenças respiratórias, sem falar nos problemas psíquicos. Os prejuízos são, ao mesmo tempo, sociais, ambientais e econômicos (bem, alguns setores lucram sempre com o caos...).
Com a moeda estável e financiamento em até absurdos 70 ou 72 meses, as classes ascendentes podem realizar suas aspirações de possuir um carro novo. Certo, eles também têm o direito a um carro e, “além disso, é um sinal de progresso social e econômico”, como cansei de ouvir. Essa forma superficial de encarar a questão esconde, na verdade, que não há progresso algum, nem para a sociedade como um todo nem para o feliz possuidor do carro novo.
A grande maioria dos que contraem tais financiamentos a perder de vista elegem o automóvel como prioridade número 1. Afinal, o carro ainda é um ícone de sucesso. No entanto, vítimas das armadilhas do consumismo, essas pessoas moram mal, não possuem assistência médica adequada e educam mal os filhos, entre tantas outras deficiências. Sem contar que, em geral, têm pouca prática de direção e a manutenção de seus automóveis deixa a desejar.
É indispensável que a sociedade tome consciência de que o transporte individual nas cidades é incompatível uma boa qualidade de vida. É importante que se renuncie à ideia falsa de conforto que o automóvel proporciona e ao seu uso como mero símbolo de status. Somente modos de transporte de massa, ou seja, os movidos a energia elétrica, como trens e metrô, podem resolver tais problemas (Suzana Kahn e Marcio D’Agosto). O uso do automóvel deverá ser dificultado ao máximo.
Planejamento urbano de qualidade é igualmente indispensável. Isto significa, entre outras medidas, concentrar serviços próximos ou entremeados com áreas residenciais, reduzindo a necessidade de deslocamentos, permitir escritórios de baixa movimentação de pessoas em áreas meramente residenciais, incentivar a implantação de escolas de qualidade em todos os bairros, descentralizar os pólos de negócio, de comércio e de finanças. Quanto mais tempo levarmos para a adoção dessas medidas, mais cara, demorada e dolorosa será a tentativa de reverter e tendência de colapso no sistema de transporte urbano.
*Falecido no dia 9 de junho, era Professor de Engenharia Ambiental da PUC-Rio

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Deslocamentos urbanos

Rafael Santos.
Quanto maior a cidade mais complexo fica se deslocar nela. O transito, o sistema de transportes, as ruas... E em plena época do desenvolvimento sustentável, em nossas grandes cidades ainda não aprendemos a otimizar o meios de deslocamento. Seja o transporte público, os veículos particulares, bicicleta, motocicleta (mais um fenômeno e problema urbano no nosso caótico trânsito).
Como organizar? Como viabilizar? Como dinamizar? Como ser mais eficiente? Como ser mais confortável? Como ser mais econômico? Como ser um sistema de transporte que satisfaça seus usuários? Como ser sustentável? São questões simples ou complexas?
Indicar as melhores respostas não é uma tarefa fácil, depende das características urbanas, da morfologia da cidade, do sistema viário, da cultura local... Seja de carro, moto, bicicleta, trem, metrô, ônibus, a pé mesmo ou de alguma outra forma precisamos nos deslocar nas cidades. Não dá para ficar queimando toneladas de combustíveis e milhões em dinheiro parado no engarrafamentos, em ônibus, trens e metrôs superlotados; ou andar em calçadas precárias, onde elas existem e/ou estão livres.
Não podemos deixar nossa força de trabalho parada em congestionamentos cada vez maiores, desperdiçando recursos, tempo, produtividade e riqueza; parados e atrasados ou espremidos em lugares insalubres. Precisamos, queremos e temos que nos deslocar bem, rápido, de forma segura e barata em nossas cidades. Afinal parece que a engenharia de tráfego na maioria de nossas cidades se tornou a “congestionamentologia” (a ciência de fazer-nos ficar parados, estressados, atrasados, insatisfeitos e improdutivos por termos nos deslocado insatisfatoriamente pelas ruas de nossas grandes cidades).
Será que tantos dormem a ponto de não perceberem que o tempo do descanso, do repouso, do ócio, do sono, dos filhos, das esposas, dos maridos, das famílias e de outras coisas mais que nos tornam felizes estão sendo perdidos em nossas ruas e avenidas congestionadas, até o tempo para ouvir música no rádio tornou-se consulta para saber onde “dá para passar ou está andando”?
Não é uma questão de contestar, criticar e tentar banir o uso do automóvel individual ou de qualquer outro meio ou sistema de transporte em nossas cidades, temos que potencializar e racionalizar, combinando e integrando formas de locomoção que satisfação nossa necessidade e condição de permanente deslocamento dentro de nossas cidades.

*Arquiteto

A independência da Bahia e a marcha das vadias

Zulu Araújo*
Aparentemente o título acima pode significar um contra senso. Se o leitor for um estudioso sisudo e compenetrado pode significar uma brincadeira de mau gosto. Mas não é nada disto. É simplesmente o registro de um dos momentos mais interessantes que vivi nos últimos tempos nas minhas caminhadas cívico/culturais pelo país afora. Para quem não sabe o dia 02 de julho é a data magna dos baianos. Data em que, no ano de 1823, com armas na mão e a liberdade no coração, pretos, mulatos, mestiços e índios colocaram literalmente para correr o que restava das tropas portuguesas no Brasil após a proclamação da independência, ocorrida um ano antes, em 1822. Poderíamos afirmar - bairrismos à parte - que é a verdadeira data da independência do Brasil.
Para celebrar este feito, o povo baiano desfila garbosamente por mais de 10 km, em dois turnos (manhã e tarde), do tradicional bairro da Lapinha até a praça mais importante de Salvador, que é a Praça Dois de Julho, popularmente conhecida como Campo Grande. Ano após ano, o Desfile do 2 de Julho, tem sido o grande momento cívico/político e cultural do Estado, com intensa participação popular.
Este ano, tive duas grandes surpresas no referido desfile. De um lado vi velhos companheiros da luta política na Bahia, autoridades ou não, desfilando quase que como uma obrigação. Sisudos, outros nem tanto, mas quase todos tomados por uma apatia que era visível aos olhos de todos. Esta apatia exibia-se nas faixas com as palavras de ordem de sempre, nas bandeiras com as cores de sempre e nas sacadas que não eram as de sempre, pois não estavam nem decoradas, nem animadas, como sempre. O Prefeito da cidade, que a meu ver deveria liderar o desfile honrando a tradição baiana de coragem e ousadia, esteve apenas no início do cortejo e de forma absolutamente truculenta, exibindo sua valentia acompanhado por quase uma centena de seguranças que distribuíam empurrões e safanões em quem ousasse aproximar-se. Aliás, a bem da verdade, este fato não me surpreendeu tanto, pois avivaram na minha memória os tempos da ditadura, mormente na Bahia. Mas, o que de fato me surpreendeu foi a apatia do povo em geral. Era visível um certo ar de "cansaço" e indiferença fosse com os políticos, fosse com o cortejo em si.
De outro lado, saí deste desfile revigorado. Vi e acompanhei centenas de jovens, na sua maioria do sexo feminino, dando o seu toque de rebeldia e cidadania. Era a Marcha das Vadias na Independência da Bahia. Já tinha lido e ouvido sobre este movimento que se iniciou no Canadá. Um delegado de Polícia sugeriu às jovens daquele país, vítimas de violência sexual, que não se trajassem como vadias para assim evitar tais ataques. Mas, não tinha visto nada de perto. Foi realmente um choque de realidade.
Eram jovens que não haviam sido articulados, liderados ou mobilizados por nenhum partido político, sindicato ou entidade estudantil, até porque estas instituições cada vez menos os representam, vide a UNE, que mais parece uma sucursal do governo. Jovens que por meio das chamadas redes sociais se uniram para a um só tempo protestar e chamar a atenção dos seus direitos mais comezinhos. As palavras de ordem eram bizarras, mas muito interessantes: Uma dizia "Queremos respeito. Mulher não é só bunda e peito". Outra mais contundente afirmava "Ei, você! Pare de gracinha. Eu dou pra quem quiser. A porra da buceta é minha". No primeiro momento, podem parecer frases grosseiras ou grotescas, mas em verdade são a contra parte das grotescas grosserias que a maioria das mulheres - e em particular as mulheres jovens - tem que aturar no seu dia a dia. Era um grito de basta com estas gracinhas sem graça. Um tapa na cara do machismo e do moralismo que protege barbaridades em nome da família. Era, quem sabe, um grito de alerta ao conservadorismo e caretice que tem assolado parte dos governos que nós ajudamos a eleger e construir.
Quiçá seja o prenúncio de novos dois de julhos nas terras da Bahia, cumprindo sua saga libertária, como o foi na origem: Quiçá esse grito rouco e ousado da meninada anime os governantes de plantão a cumprirem com os compromissos de civilidade e cidadania.
Axé
Toca a zabumba que a terra é nossa.

* Produtor Cultural

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Transporte individual e a imobilidade urbana

Flávia Villela*

A falta de políticas públicas para transporte de massas e mobilidade urbana, aliada a passagens cada vez mais caras, provocaram uma queda de cerca de 30% na utilização do transporte público no Brasil nos últimos dez anos. A constatação é do estudo A Mobilidade Urbana no Brasil, divulgado pelo Instituto de Política Econômica Aplicada (Ipea), no Rio de Janeiro.
O estudo mostra que o governo não apenas investiu muito pouco em mobilidade urbana nas últimas décadas, como também incentivou a utilização do transporte individual. Um dado da pesquisa mostra que 90% dos subsídios federais para transporte de passageiros são destinados à aquisição e operação de veículos individuais (carros e motocicletas). Como consequência, o uso de automóveis nas grandes cidades cresce 9% ao ano, enquanto o de motocicletas dá saltos de 19%.
Somente em 2008, foram vendidos 2,2 milhões de carros e 1,9 milhão de motos e a previsão é que, em 2015, esses números dobrem. De acordo com o coordenador da pesquisa, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, em alguns lugares, dependendo do trajeto que se faça, sai mais barato usar moto ou até mesmo o carro do que o ônibus, metrô ou trem.
“Obviamente, esse panorama tem causado sérios problemas para as cidades, como congestionamentos, acidentes e poluição, principalmente. A renda da população está aumentando e, se não houver políticas no sentido de melhorar e incrementar o transporte público, essa situação vai se deteriorar ao ponto em que teremos cidades inviáveis”.
O documento aponta ainda que, nos últimos 15 anos, as tarifas de ônibus aumentaram cerca de 60% acima da inflação. A política de combustíveis também contribuiu para o encarecimento do transporte público pois, segundo o estudo, os ônibus movidos a diesel estão em 85% dos municípios do país e são o principal meio de transporte de massas nas grandes cidades. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o preço do óleo diesel subiu 50% a mais que o da gasolina nos últimos 10 anos.
“Cerca de 8% do diesel consumido no Brasil vai para o transporte público. Acho que é possível subsidiar a compra de diesel para esse setor e, assim, baratear as passagens”, sugeriu o pesquisador.
A coordenadora do livro Infraestrutura Social e Urbana no Brasil, Maria da Piedade Morais, ressaltou que a solução do problema da mobilidade urbana não está apenas em investimentos no setor de transporte coletivo, mas num planejamento integrado da expansão das cidades. “As cidades estão crescendo, mas os locais de trabalho continuam nos centros. Programas [governamentais] como o Minha Casa Minha Vida têm se mostrado alheios a essa realidade, pois investem em moradias em locais distantes, muitas vezes sem equipamentos urbanos, em vez de recuperar áreas já servidas, como os próprios centros comerciais”
Congestionamentos fazem demanda por trem crescer 150%
Os engarrafamentos nas grandes cidades estão fazendo com que trens e metrôs sejam vistos como sistemas mais atraentes de deslocamento. A pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que a demanda por trens nos principais centros urbanos do país cresceu 150% nos últimos dez anos. No caso do metrô, crescimento de 54% na década.
O número de passageiros transportados pelos trens gerenciados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) aumentou mais de 63% desde 1999 em Belo Horizonte, Recife, Natal, João Pessoa e Maceió. O mesmo estudo mostra que os trabalhadores dessas cidades gastam, em média, 2 horas para fazer o trajeto casa-trabalho-casa de ônibus ou de carro.
O problema é que os sistemas de trem e metrô estão presentes em apenas 13 regiões metropolitanas e têm se expandido em ritmo lento. A malha viária foi expandida em 26,5% enquanto o metrô ampliou a extensão das linhas em apenas 8% nos últimos dez anos.
Com exceção de São Paulo e Rio de Janeiro, a participação desses dois meios de transporte nas cidades onde operam é muito pequena se comparada a dos ônibus, devido a menor capilaridade e à pouca quantidade de vagões em operação, abaixo da necessária. A falta de alternativas de transporte público, associada ao aumento da renda do brasileiro, fizeram a venda de carros crescer 9% ao ano na última década, aumentando os congestionamentos, a poluição e o número de acidentes de trânsito.
O coordenador da pesquisa, Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, explicou que, sem investimentos a fundo perdido e políticas públicas de mobilidade urbana por parte do governo federal, será muito difícil atender à demanda que não para de crescer. “Existem investimentos estruturantes, como linhas de metrô e corredores de transporte urbano, que só o governo pode fazer, pois, para a iniciativa privada, ficaria inviável. Além disso, é importante desenvolver planos de transporte urbano integrados para as grandes cidades, para garantir um sistema de transporte inclusivo”, disse o economista. Ele acrescentou que, se não houver investimento imediato para solucionar a questão da mobilidade urbana, o futuro das cidades brasileiras estará comprometido.
A pesquisa chama a atenção para a ausência de um modelo regulatório para o transporte público e de instrumentos jurídicos em alguns municípios para melhor controle do sistema por parte do Poder Público.
*Reportagem da Agência Brasil

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Sustentabilidade no transporte urbano

É necessário promover maior uso da bicicleta e do andar a pé para avançar no rumo de uma mobilidade eficiente, sustentável e equitativa em nossa cidade, uma vez que os que usam esses modos economizam espaço, não poluem e consomem menos recursos que qualquer outro modo de transporte. Assim, um número crescente de pessoas caminhando e usando a bicicleta para chegar a seus destinos ajuda milhões de cidadãos a se tornarem fisicamente mais ativos. Ao fazerem isso diariamente, estes modos se incorporam facilmente aos hábitos da população.
Além de contribuir para melhorar a saúde de milhões de pessoas, o uso da bicicleta e o caminhar ajudam a prevenir doenças crônicas graves como a diabete, a obesidade e outros males que, além de reduzir a qualidade de vida da população, aumentam os custos do sistema público de saúde. Tanto a caminhada como o andar de bicicleta melhoram a qualidade de vida nas cidades, ao melhorar a qualidade do ar, reduzir o ruído, os tempos de deslocamento e o congestionamento viário.
O aumento do uso da bicicleta e dos deslocamentos a pé, além disso, contribui para reduzir a emissão de gases de efeito estufa que são responsáveis pelas mudanças climáticas e que são produzidos fundamentalmente pelo transporte motorizado.
Ainda que, nos últimos anos, tenham sido feitos avanços neste tema em nossa cidade, ainda falta muito por fazer. Os principais obstáculos para usar a bicicleta e para andar a pé são o projeto inadequado das ruas, o espaço público que, durante décadas, privilegiou o automóvel, e o pouco respeito por parte dos motoristas de automóveis e do transporte público com os pedestres e ciclistas.
Considerando isso, uma medida concreta poderia ser tomada: os orçamentos governamentais das cidades e estados poderiam incluir , em seu orçamento para 2012, pelo menos 5% do total destinado ao transporte para fomentar o uso da bicicleta, a fim de alcançar os níveis de saúde, segurança viária e redução de emissões de gases de efeito estufa que a nossa cidade necessita.
Tais recursos devem ser destinados para estas cinco estratégias-chave:
1) Adaptar o espaço viário para abrigar uma rede de alta qualidade de pistas seguras, diretas, cômodas e atrativas aos ciclistas, que incluam a sinalização e a eficiente integração com os sistemas de transporte público. Além disso, deve-se criar a cultura do uso da bicicleta e outras formas de transporte não motorizado, através da disponibilização de faixas para uso de bicicletas aos domingos, bicicletas públicas e campanhas de promoção.
2) Prover as ruas de passarelas de pedestres largas, cruzamentos de pedestres, rampas e interseções seguras. As ruas devem servir a todos, especialmente aos usuários mais vulneráveis, como crianças, idosos e pessoas em cadeiras de rodas. A qualidade do espaço público convida os cidadãos a usá-lo de maneira constante e responsável e cria sentido de pertencimento.
3) Adequar o marco regulatório, incluindo as regras de trânsito, para que garantam e priorizem a proteção aos pedestres e ciclistas.
4) Restringir a velocidade e o uso do automóvel privado mediante a criação de zonas livres de automóveis, zonas de velocidade reduzidoa, zonas de pedestres, e limitar e tornar mais caro o estacionamento no espaço público.
5) Deter o crescimento da mancha urbana e promover maior densidade e uso misto do espaço urbano, para gerar distâncias curtas que podem ser realizadas por bicicleta ou a pé.
Nós nos encontramos em um momento de reflexão histórica sobre o futuro de nossa cidade. Por isso, cremos que é o momento de tomar decisões inovadoras e corajosas que mudem o paradigma da mobilidade em nossa cidade, realizando investimentos públicos pensando nas gerações futuras.


* Documento do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento, destinado a fomentar o uso da bicicleta através de 5 estratégias-chaves.

terça-feira, 5 de julho de 2011

A soma e a convergência

Osvaldo Campos Magalhães*
Um fato que vem chamando a atenção de todos e despertando certo tipo de ciúmes entre petistas é a postura da nossa presidenta Dilma Rousseff em relação ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Primeiro, foi o convite para a participação no jantar oferecido no Itamaraty ao presidente Barack Obama, e agora, a carta aberta por ocasião do octogésimo aniversário de FHC.
Lembremos que Lula e FHC eram bastante próximos durante a luta pela restabelecimento do regime democrático e que tanto o PT como o PSDB possuem uma origem geográfica e ideológica, muita próxima.
As divergências se iniciaram com o sucesso do plano Real, conduzido por FHC no governo Itamar Franco, que teve forte oposição do PT e, se acentuaram, com as disputas diretas entre Lula e FHC nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, ambas vencidas pelo FHC.
O afastamento em relação ao PT e aos demais partidos que compuseram uma aliança com Lula levou o PSDB a uma aproximação com o PFL, PMDB e outros partidos de centro-direita.
Esta divergência entre partidos que foram próximos no passado deu oportunidade de acesso e compartilhamento de poder a partidos fisiológicos, ávidos por cargos e outros interesses escusos, que vem provocando um grande mal à nação brasileira, vide os últimos escândalos envolvendo o Ministério dos Transportes, feudo do Partido da República- PR. Lembremos que o mesmo ministério, no governo FHC, foi entregue de porteira fechada ao PMDB, como prêmio pela aprovação da mudança constitucional que permitiu a reeleição presidencial, e foi chefiado por mais de seis anos pelo polêmico deputado Eliseu Padilha.
A eleição do presidente Lula em 2002 e a indicação para a presidência do Banco Central do deputado eleito pelo PSDB de Goiás, Henrique Meireles, mantendo-se praticamente a mesma política econômica do governo FHC, veio a confirmar as afinidades programáticas entre PT e PSDB.
Em recente artigo escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, numa reflexão sobre seus oitenta anos recém-completados, uma passagem desperta curiosidade, “... é difícil buscar caminhos que permitam em alguns temas uma marcha em comum, mas não é impossível. Tentemos.” E mais ”Guardarei as armas do interesse pessoal, partidário, sempre que vislumbrar uma estratégia de convergência que permita dias melhores no futuro.”
A postura decidida e enérgica que a presidenta Dilma Rousseff vem demonstrando na busca da preservação da ética e da moral no trato das questões públicas foi confirmada com o afastamento do ministro Palloci da chefia da Casa Civil e da alta cúpula do Ministério dos Transportes. Esta postura de combate ao fisiologismo que impregna a maioria dos partidos da base do governo e contra a corrupção, deveria servir como oportunidade de um grande entendimento nacional entre o PT e o PSDB.
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo, no domingo, 3 de julho, Fernando Henrique Cardoso corrobora com esta tese ao afirmar: “O que é bom no Brasil é não mantermos uma tensão permanente e desnecessária, que era o que estava acontecendo“ (entre PT e PSDB). “Temos (divergências) mais podemos conviver de uma maneira civilizada. Isso é importante para a democracia.”
Os recentes gestos da presidenta tanto em relação a FHC como em relação aos partidos fisiológicos da base aliada reforçam que é preciso convergência para avançar e que a visão dualista e antagônica entre PT e PSDB precisa acabar.
Pelo bem do Brasil.
*Editor do blog Pensando Salvador do Futuro