Oliveiros Guanais*
Camafeu do Oxossi era muito conhecido na Bahia. Seu nome era Apio Patrocínio da Conceição, mas era por Camafeu do Oxossi que todos sabiam dele. Vi-o apenas uma vez, antes da história que vou contar. Foi no restaurante que ele tinha no primeiro andar do Mercado Modelo. De uma lado ficava ele, do outro Maria de São Pedro. Camafeu era negro, sorria fácil, vestia uma camisa havaiana, usava um chapéu de palha de grandes abas.
Camafeu do Oxossi era muito conhecido na Bahia. Seu nome era Apio Patrocínio da Conceição, mas era por Camafeu do Oxossi que todos sabiam dele. Vi-o apenas uma vez, antes da história que vou contar. Foi no restaurante que ele tinha no primeiro andar do Mercado Modelo. De uma lado ficava ele, do outro Maria de São Pedro. Camafeu era negro, sorria fácil, vestia uma camisa havaiana, usava um chapéu de palha de grandes abas.
Camafeu e Maria de São Pedro eram duas celebridades da Bahia, dois nomes de força da cultura negra e do folclore baiano. De Camafeu eu conhecia um LP, editado nos anos sessenta, e que tinha músicas muito do meu agrado. Um dia, lá pela década de 90, o Dr. Roberto Santos, cirurgião competente de cabeça e pescoço- incluindo a parte oncológica - disse-me que no Hospital Aristides Maltez, dedicado ao tratamento de câncer, foi procurado por um senhor chamado Apio, ou seja, Camafeu do Oxossi, e que este era portador de câncer de laringe. Ao ser informado de seu estado, e sabendo que precisava tirar a laringe para ter chances de continuar vivendo, Camafeu ficou triste e resmungou: mas assim eu não posso cantar mais. Mal acabara de falar isso, sua mulher pulou em frente e afirmou com energia: tu toca pandeiro, bem.(Brava mulher!).
Passaram-se uns 15 dias e eu me vi escalado para fazer anestesia para uma laringectomia, aos cuidados do Dr. Roberto Santos, no Hospital Português. O nome do paciente era Apio. Fui à sala de espera, encontrando lá um senhor triste que respondeu aos meus comprimentos com voz baixa e rouca; olhei o prontuário, os exames e aguardei a chegada do cirurgião. Quando este apareceu, disse-me logo: você se lembra do que eu falei de Camafeu do Oxossi? Pois é ele que vamos operar hoje.
Fomos para sala e o paciente foi colocado na mesa cirúrgica, lúcido, consciente. Eu fiz algum comentário , dei início às minhas arrumações e, de costas para ele, comecei a cantarolar: “Pernambuco deu um tiro, Maceió arrespondeu, Paraná (u)ê, Paraná , Paraná (u)ê, Paraná." Mal terminara o refrão, ouvi uma voz rouca prosseguir: “Bahia vitoriosa, do lugar nem se mexeu, Paraná”.
Aí eu me virei com rapidez e, olhando-o, perguntei: -Uai, o senhor conhece esta música? Ele deu uma risadinha e disse com voz abafada: “essa música é minha”.
-Sua, seu Apio, essa música é de Camafeu do Oxossi. -Eu sou Camafeu do Oxossi, respondeu ele. -Seu Apio, o senhor vem me gozar numa hora dessa. Dizer que é Camafeu do Oxossi!
E ele sorria parecendo feliz, mas acabara de cantar, pela última vez , dois versos de sua canção mais famosa.
*Oliveiros Guanais, nascido em Caetité, Bahia, falecido em Salvador a 21/11/2010.
*Oliveiros Guanais, nascido em Caetité, Bahia, falecido em Salvador a 21/11/2010.
Médico Anestesiologista, foi presidente da UNE - 1960/1961 e membro do Conselho Federal de Medicina.
Artigo escrito em agosto de 2007
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