Acabei de voltar do enterro de Haydil Linhares. Aos poucos, uma geração de personalidades da cena baiana vai de despedindo dessa vida. Jurema Penna, Nilda Spencer, Wilson Mello, Álvaro Guimarães, Maria Manuela, e mais alguns que eu possa ter me esquecido; todos provenientes de um momento de euforia no teatro baiano, com o surgimento da Escola de Teatro da UFBA, a dissidência do Teatro dos Novos, inauguração do Vila Velha, as grandes montagens de Martim Gonçalves, década de 50, 60...
Haydil foi dramaturga e atriz. Conseguiu, ao menos, em vida, ter suas peças publicadas pela editora P55 em parceria com uma iniciativa do Teatro Vila Velha; que detém um bom acervo de fotos e peças de Haydil e da nossa história, mas que por questões que não sei e não vem ao caso, agora – estrutura, grana, organização, falta de tempo – não podem ainda ser disponibilizadas.
Foi atriz de grandes espetáculos, de momentos marcantes da nossa história, e veio dela a frase que deu título a um espetáculo dirigido por João Augusto, que, segundo Glauber Rocha – na altura – foi mais tropicalista, entusiasmante e marcante até que O rei da vela, de Zé Celso; marco do teatro nacional. Em determinado momento, ia haver alguma invasão, confusão, não lembro bem, e de improviso Haydil entrou gritando “stopem, stopem”, subvertendo o inglês, pluralizando antropofagicamente a palavra.
Durante o enterro, fui vendo meus mestres, minhas referências, todos juntos, cabeças grisalhas, conversando, e aquilo foi me dando uma emoção diferente. Venho me dando conta que um dos grandes problemas do nosso teatro é que, ao invés de se passear pelos terrenos férteis da nossa história e fazer nascer dali frutos novos provenientes de raízes saudáveis, seguidamente sepulta-se o passado.
Qual não é meu entusiasmo ao percorrer a história do teatro em Salvador (não a Selvador a que sempre me refiro) e ir descobrindo cada vez mais coisa, mais nomes, mais montagens, mais feitos históricos. É bom se saber parte de uma tradição, construída por muitos que ainda estão aí, lutando pra serem reconhecidos, tendo que escrever projeto pra editais e leis que privilegiam um discurso pseudo-novo, mas que no fundo é mais velho que eles mesmos. E vi, ali, muita gente que parou, que desistiu, que de tanto levar porrada jogou a toalha.
Em 2005, dirigi O despertar da primavera, de Wedekind. Seis anos depois de formado, trabalhei com gente mais nova que eu. Até aquele momento, eu fazia questão de ser uma rêmora comendo os restos dos tubarões que estavam à minha frente. Trabalhei com os grandes atores de Salvador pra aprender com eles e amadurecer como diretor. Teatro se aprende vendo e fazendo, e, principalmente, vendo e fazendo com gente mais velha. Era essa a proposta de Martim Gonçalves, expulso pela província por querer profissionalizar o amadorismo confortável dos que preferem ganhar seu pouco e fazer qualquer coisa, a ter que enfrentar o mercado e uma profissionalização que traz, consigo, apuro técnico, escolhas certeiras, dedicação e seriedade.
Não há maior burrice do que renegar o velho e se auto-intitular “o novo”. O imperador da língua portuguesa, Antonio Vieira, dizia; “o novo é o velho revisitado”. Haydil se foi sem ser reconhecida pelas novas gerações que, aos poucos, vão desconhecendo cada vez mais de perto seus pares. Profissionais recentes, atuantes, são ignorados pelos alunos de teatro, as referências são cada vez mais pobres e limitadas.
A despeito das discussões sobre antes e agora (e recomendo dar uma lida nos meus artigos; http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-i.html, http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-ii.html, http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-iii.html), pude aprender muito com esses todos que se foram e muitos que ficaram e estão num limbo por culpa própria, por culpa das circunstâncias, por culpa de gestões, de “grupos políticos”, seja lá porque culpa for.
Aos gestores, empresários, diretores, administradores, novos artistas, eu peço; stopem, stopem com o anulamento de pessoas que solidificaram nosso teatro. Precisamos aprender com nosso passado e é preciso viabilizar esse acesso, esse diálogo, estimular essa “velharada” a compartilhar seu conhecimento, seus erros e acertos, sua experiência.
Não posso dizer à “velharada”; stopem, stopem de morrer. Mas ao menos peço que não stopem, stopem de produzir, de dialogar. Eu, de minha parte, tenho muito, ainda, o que aprender com eles, com vocês. Como aprendi com Alvinho, Jurema, Nilda, Melão e Haydil; que devem estar fazendo um rebucetê em algum canto por aí, porque esse povo não valia nada.
Haydil foi dramaturga e atriz. Conseguiu, ao menos, em vida, ter suas peças publicadas pela editora P55 em parceria com uma iniciativa do Teatro Vila Velha; que detém um bom acervo de fotos e peças de Haydil e da nossa história, mas que por questões que não sei e não vem ao caso, agora – estrutura, grana, organização, falta de tempo – não podem ainda ser disponibilizadas.
Foi atriz de grandes espetáculos, de momentos marcantes da nossa história, e veio dela a frase que deu título a um espetáculo dirigido por João Augusto, que, segundo Glauber Rocha – na altura – foi mais tropicalista, entusiasmante e marcante até que O rei da vela, de Zé Celso; marco do teatro nacional. Em determinado momento, ia haver alguma invasão, confusão, não lembro bem, e de improviso Haydil entrou gritando “stopem, stopem”, subvertendo o inglês, pluralizando antropofagicamente a palavra.
Durante o enterro, fui vendo meus mestres, minhas referências, todos juntos, cabeças grisalhas, conversando, e aquilo foi me dando uma emoção diferente. Venho me dando conta que um dos grandes problemas do nosso teatro é que, ao invés de se passear pelos terrenos férteis da nossa história e fazer nascer dali frutos novos provenientes de raízes saudáveis, seguidamente sepulta-se o passado.
Qual não é meu entusiasmo ao percorrer a história do teatro em Salvador (não a Selvador a que sempre me refiro) e ir descobrindo cada vez mais coisa, mais nomes, mais montagens, mais feitos históricos. É bom se saber parte de uma tradição, construída por muitos que ainda estão aí, lutando pra serem reconhecidos, tendo que escrever projeto pra editais e leis que privilegiam um discurso pseudo-novo, mas que no fundo é mais velho que eles mesmos. E vi, ali, muita gente que parou, que desistiu, que de tanto levar porrada jogou a toalha.
Em 2005, dirigi O despertar da primavera, de Wedekind. Seis anos depois de formado, trabalhei com gente mais nova que eu. Até aquele momento, eu fazia questão de ser uma rêmora comendo os restos dos tubarões que estavam à minha frente. Trabalhei com os grandes atores de Salvador pra aprender com eles e amadurecer como diretor. Teatro se aprende vendo e fazendo, e, principalmente, vendo e fazendo com gente mais velha. Era essa a proposta de Martim Gonçalves, expulso pela província por querer profissionalizar o amadorismo confortável dos que preferem ganhar seu pouco e fazer qualquer coisa, a ter que enfrentar o mercado e uma profissionalização que traz, consigo, apuro técnico, escolhas certeiras, dedicação e seriedade.
Não há maior burrice do que renegar o velho e se auto-intitular “o novo”. O imperador da língua portuguesa, Antonio Vieira, dizia; “o novo é o velho revisitado”. Haydil se foi sem ser reconhecida pelas novas gerações que, aos poucos, vão desconhecendo cada vez mais de perto seus pares. Profissionais recentes, atuantes, são ignorados pelos alunos de teatro, as referências são cada vez mais pobres e limitadas.
A despeito das discussões sobre antes e agora (e recomendo dar uma lida nos meus artigos; http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-i.html, http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-ii.html, http://teatronu.blogspot.com/2010/07/memorias-de-um-teatro-desandado-iii.html), pude aprender muito com esses todos que se foram e muitos que ficaram e estão num limbo por culpa própria, por culpa das circunstâncias, por culpa de gestões, de “grupos políticos”, seja lá porque culpa for.
Aos gestores, empresários, diretores, administradores, novos artistas, eu peço; stopem, stopem com o anulamento de pessoas que solidificaram nosso teatro. Precisamos aprender com nosso passado e é preciso viabilizar esse acesso, esse diálogo, estimular essa “velharada” a compartilhar seu conhecimento, seus erros e acertos, sua experiência.
Não posso dizer à “velharada”; stopem, stopem de morrer. Mas ao menos peço que não stopem, stopem de produzir, de dialogar. Eu, de minha parte, tenho muito, ainda, o que aprender com eles, com vocês. Como aprendi com Alvinho, Jurema, Nilda, Melão e Haydil; que devem estar fazendo um rebucetê em algum canto por aí, porque esse povo não valia nada.
E viva o Teatro.
* Dramaturgo, ator e musico
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