Edivaldo Boaventura*
Desde que fui funcionário da Sudene que sinto a dificuldade de a Bahia ser plenamente Nordeste. A intensa comunicabilidade entre os estados nordestinos não inclui a Bahia. Se os indicadores econômicos a aproximam da região, a antropologia a diferencia. Ao Recôncavo úmido e negro junta-se a região verde do cacau e do extremo sul. É um cenário bem distinto do nordestino.
A cultura negra, que tanto marca a Bahia, tem aqui a melhor expressão nacional. É a diferença que conta e sou bem mais pela diferença do que pela identidade. Temos bem mais consciência da nossa negritude do que da nordestinidade. O contingente afrodescendente, à semelhança do dendê, dá a cor da Bahia.
A bem da verdade, o soteropolitano não tem nenhum orgulho em ser nordestino. O slogan de um supermercado “orgulho de ser nordestino”, do ponto de vista do marketing, na Bahia, não funcionou.
Temos, sim, um tremendo orgulho místico de sermos baianos com o Dois de Julho, as nossas festas, a nossa culinária, o nosso passado, a nossa música. É preciso não esquecer que já fomos corte!
No meu tempo de aluno, a Bahia e Sergipe formavam o Leste. Anteriormente, até início do século XX, da Bahia para cima tudo era Norte. Gilberto Freyre e depois Celso Furtado formularam a criação social, política e econômica do Nordeste. Embora não participando inteiramente da região, as mais das vezes a usamos politicamente.
A Bahia pertencia à Sudene, mas era Nordeste? O governador ou seu representante frequentava o seu Conselho Deliberativo, uma espécie de pequeno parlamento nordestino. Houve até um superintendente da Sudene baiano, Paulo Souto. Do que eu sei, foi o único dentre muitos em toda a história desse organismo regional.
A participação da Bahia nos demais órgãos regionais tem sido muito reduzida. Quem se lembra de um baiano presidindo o Banco do Nordeste? Além de Oliveira Brito e Aleluia, qual o outro baiano que dirigiu a Chesf, no Recife? E o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas?
A Bahia não é sede de nenhum organismo regional importante. O Banco do Nordeste está suntuosamente instalado em Fortaleza. Aliás, quando da sua criação, no Congresso Nacional, poucos deputados baianos se pronunciaram a favor. Aliomar Baleeiro, por exemplo, foi contra, enquanto outros irmãos nordestinos, cearenses, pernambucanos e paraibanos lutaram pela sua institucionalização.
Em compensação, Recife funciona muito bem como capital regional. Assim procede e tira vantagens da sua liderança. A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), a Sudene e um Tribunal Federal da 5ª Região, dentre outras instituições, localizam-se na capital pernambucana. Além do serviço que prestam, agregam fluxos de emprego e renda. Não obstante as barragens e a hidrelétrica terem sido instaladas no lado baiano do Rio São Francisco, Pernambuco com agressividade empresarial soube carrear muito antes do que nós a força e a energia da hidrelétrica. Pioneiramente, no distrito do Cabo, o governo pernambucano criou um sistema de incentivos fiscais com a energia de Paulo Afonso.
Todavia, historicamente, a Bahia sempre foi Recôncavo e Sertão. A dualidade básica da nossa história. E os sertões de Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha nos aproximam da contingência nordestina. Os sertões nordestinos começam em Feira de Santana, que responde ao chamado de Rui Barbosa: “Princesa do Sertão”. Hoje é bem mais rainha do que princesa. À entrada dessa cidade encontra-se o “Portal do Sertão”.
Todo baiano nascido nas interioridades tem orgulho de ser sertanejo (Atenção: o vocábulo interior referente às pessoas é pejorativo, aconselho a não usá-lo). O sentimento de pertença aos sertões é forte. Com mais de 45% do extinto Polígono das Secas, a Bahia possui a maior porção do semiárido nordestino. A dinâmica das migrações sertanejas criou centros populacionais importantes como Vitória da Conquista e Juazeiro. O complexo agricultor Juazeiro-Petrolina foi o Nordeste que deu certo. A pouca consciência nordestina dos baianos é compensada pela força de recriar, interiormente, a Bahia.
*Edivaldo Boaventura – Educador, ex-secretário de Educação e Cultura do Estado da Bahia, escritor, diretor-geral do jornal A Tarde.
Desde que fui funcionário da Sudene que sinto a dificuldade de a Bahia ser plenamente Nordeste. A intensa comunicabilidade entre os estados nordestinos não inclui a Bahia. Se os indicadores econômicos a aproximam da região, a antropologia a diferencia. Ao Recôncavo úmido e negro junta-se a região verde do cacau e do extremo sul. É um cenário bem distinto do nordestino.
A cultura negra, que tanto marca a Bahia, tem aqui a melhor expressão nacional. É a diferença que conta e sou bem mais pela diferença do que pela identidade. Temos bem mais consciência da nossa negritude do que da nordestinidade. O contingente afrodescendente, à semelhança do dendê, dá a cor da Bahia.
A bem da verdade, o soteropolitano não tem nenhum orgulho em ser nordestino. O slogan de um supermercado “orgulho de ser nordestino”, do ponto de vista do marketing, na Bahia, não funcionou.
Temos, sim, um tremendo orgulho místico de sermos baianos com o Dois de Julho, as nossas festas, a nossa culinária, o nosso passado, a nossa música. É preciso não esquecer que já fomos corte!
No meu tempo de aluno, a Bahia e Sergipe formavam o Leste. Anteriormente, até início do século XX, da Bahia para cima tudo era Norte. Gilberto Freyre e depois Celso Furtado formularam a criação social, política e econômica do Nordeste. Embora não participando inteiramente da região, as mais das vezes a usamos politicamente.
A Bahia pertencia à Sudene, mas era Nordeste? O governador ou seu representante frequentava o seu Conselho Deliberativo, uma espécie de pequeno parlamento nordestino. Houve até um superintendente da Sudene baiano, Paulo Souto. Do que eu sei, foi o único dentre muitos em toda a história desse organismo regional.
A participação da Bahia nos demais órgãos regionais tem sido muito reduzida. Quem se lembra de um baiano presidindo o Banco do Nordeste? Além de Oliveira Brito e Aleluia, qual o outro baiano que dirigiu a Chesf, no Recife? E o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas?
A Bahia não é sede de nenhum organismo regional importante. O Banco do Nordeste está suntuosamente instalado em Fortaleza. Aliás, quando da sua criação, no Congresso Nacional, poucos deputados baianos se pronunciaram a favor. Aliomar Baleeiro, por exemplo, foi contra, enquanto outros irmãos nordestinos, cearenses, pernambucanos e paraibanos lutaram pela sua institucionalização.
Em compensação, Recife funciona muito bem como capital regional. Assim procede e tira vantagens da sua liderança. A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), a Sudene e um Tribunal Federal da 5ª Região, dentre outras instituições, localizam-se na capital pernambucana. Além do serviço que prestam, agregam fluxos de emprego e renda. Não obstante as barragens e a hidrelétrica terem sido instaladas no lado baiano do Rio São Francisco, Pernambuco com agressividade empresarial soube carrear muito antes do que nós a força e a energia da hidrelétrica. Pioneiramente, no distrito do Cabo, o governo pernambucano criou um sistema de incentivos fiscais com a energia de Paulo Afonso.
Todavia, historicamente, a Bahia sempre foi Recôncavo e Sertão. A dualidade básica da nossa história. E os sertões de Teodoro Sampaio e Euclides da Cunha nos aproximam da contingência nordestina. Os sertões nordestinos começam em Feira de Santana, que responde ao chamado de Rui Barbosa: “Princesa do Sertão”. Hoje é bem mais rainha do que princesa. À entrada dessa cidade encontra-se o “Portal do Sertão”.
Todo baiano nascido nas interioridades tem orgulho de ser sertanejo (Atenção: o vocábulo interior referente às pessoas é pejorativo, aconselho a não usá-lo). O sentimento de pertença aos sertões é forte. Com mais de 45% do extinto Polígono das Secas, a Bahia possui a maior porção do semiárido nordestino. A dinâmica das migrações sertanejas criou centros populacionais importantes como Vitória da Conquista e Juazeiro. O complexo agricultor Juazeiro-Petrolina foi o Nordeste que deu certo. A pouca consciência nordestina dos baianos é compensada pela força de recriar, interiormente, a Bahia.
*Edivaldo Boaventura – Educador, ex-secretário de Educação e Cultura do Estado da Bahia, escritor, diretor-geral do jornal A Tarde.
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