Falar em boemia na Bahia, é lembrar ANÍSIO FELIX. Colunista do Jornal da Bahia nos anos 70, da Tribuna da Bahia, nas décadas seguintes, usava a ‘pena’ tão perigosamente como uma espada, no dizer do saudoso Carlos Coqueijo, dublê de ministro e compositor, também boêmio. Não quero repetir o que já foi dito sobre sua súbita partida, sua tarimba jornalística, seu compromisso com a liberdade, e sua ousadia ao abordar temas polêmicos. Não tenho nada a perder, dizia ele, muito seguro.Seu último e-mail, além de comentar suas atividades acadêmicas no Rio, falar do livro que terminava, mencionava aventuras, madrugadas a dentro, quando era possível sair pela noite, sem medo e sem hora para voltar. Sugeri que ele colocasse no papel estas histórias que, hoje, parecem mais distantes do que realmente são. Como, por exemplo, um dos episódios, sempre relembrados por ele. Já que não teve tempo para contá-lo por escrito, eu o trago do passado. Pois ilustra seu estilo, suas escolhas, a amplitude de seus relacionamentos, que nos abria portas para personagens, lugares enfeitiçados pela magia que caracterizava nossa cidade.No final de um dia como outro qualquer, Anísio chamou meu marido, eu e uma amiga, (com aparência de pessoas bem-comportadas), para sairmos ‘por aí’, de bar em bar, de botequim em botequim, de bairro em bairro, até que a noite fosse engolida pela manhã. Mesmo habituada aos programas desprogramados do amigo, que, volta e meia me raptava para um botequim depois que o jornal fechava, ou até mesmo para os inesquecíveis almoços de Nilda Spencer, eu não tinha a mais pálida idéia do que poderia ocorrer. Seguimos com ele a via sacra dos botecos. E depois, sem agüentar beber mais, rumamos, por sugestão do nosso cicerone, em direção ao Cabula. Entramos em uma pequena vila de casinhas gêmeas. Morfeu parecia ser o único habitante. Mas Anisio não se intimidou. Sem hesitar, bateu em uma das portas. Um rosto sonolento apareceu à janela. Ao reconhecer o amigo, amante da madrugada, o morador, — que era nada menos do que o compositor Walmir Lima — , pegou seu cavaquinho e juntou-se a nós. Chegamos às Sete Portas. Num bar, os últimos bêbados enxugavam os últimos tragos. Até então, em mesas separadas. Que, em poucos instantes foram se aproximando, e viraram uma mesa só. Todos cantaram, ao som do cavaquinho de Walmir, suas fossas e seus amores perdidos. Identificados nas letras das canções, os desconhecidos tornaram-se íntimos, trocando sorrisos, beijos, abraços, nomes e endereços. Só fomos expulsos pelo sol. Ao passarmos pela feira, já em plena atividade, colhemos nas barracas alfaces orvalhadas e buquês de coentros. No caminho de volta, Anísio sugeriu que entrássemos em uma ruela sem calçamento. Diante de um barraco, debaixo de uma chuvinha miúda, Walmir recomeçou a tocar. O velhinho que abriu a porta não se espantou. Recebeu-nos efusivamente. E como se fosse a coisa mais natural do mundo receber conhecidos e estranhos ao amanhecer, foi pegar seu cavaquinho. Ali, numa cama de lençóis amarrotados, nasceu um dueto. As goteiras deixavam passar os pingos d’água que pareciam acompanhar a música, num batuque cadenciado. A canção nasceu naquele momento e se perdeu no momento seguinte. Ninguém conseguiu relembrá-la depois. As notas escapuliram como se tivessem cumprido uma única missão e não precisassem mais se reencontrar. Nos despedimos sem também marcar outro encontro. Qualquer tentativa de repetição seria impossível...Não houve tempo para Anísio escrever sobre esta e as muitas outras lembranças que seus amigos retiram agora dos baús. Mas enquanto houver alguém para recordar e para contar, momentos e pessoas se transformam em lendas de uma geração...
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ResponderExcluirPois é. Essa história eu não conhecia. Embora só tenha acompanhado meu tio dos 18 até os 26 anos, quando ele veio a falecer. Mas muitas outras histórias ele me contou e vivenciamos juntos nesse período.
ResponderExcluirEstou escrevendo um BLOG com todo o material que ele deixou. Espero que os amigos dele gostem da homenagem.
Abraços
Boa tarde. Gostaria de ter acesso ao seu blog, para saber mais sobre o grande jornalista e suas história de Anísio Felix. Sou seu afilhado e tenho grande interesse em descobrir mais. Abraços, Breno Garschagen.
ResponderExcluirBoa noite. Fiquei muito triste ao saber do falecimento do grande amigo e companheiro de Faculdade de Direito na SUESC, Rio de Janeiro.
ResponderExcluirEmbora atrasado, fica aqui meus sinceros sentimentos a família.
Foi uma hora te-lo como amigo e companheiro de sala.
SINTO LA MANCAZZA DE MIU AMATO ZIO ANIZIO FELIX
ResponderExcluirMio zio amato
ResponderExcluirQuantas risadas quanto ele mi veio visitar na cidade eterna Roma Italia 15 dias de muinta alegria grande intelectual saudadis
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ResponderExcluirAnísio andou muito com meu saudoso pai, Adriano Azevedo, aqui no Opô Afonjá. Viviam muito no Pelourinho na tmb saudosa Alaíde do Feijão. Vivenciei muitos desses momentos, quando saiam da missa no Rosário dos Pretos e seguiam pra Alaíde. Ele, meu pai, Roberto Rodrigues e Cia. Tempo bom. Essa semana por acaso lembrei dele, pois estava procurando o livro dele Pelo Pelourinho. E quando os nossos são lembrados, eles jamais desaparecem.
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