As obras de restauração do Palace Hotel, na Rua Chile, estão a todo vapor. O prédio, em estilo Art Déco, deverá ser inaugurado em maio do ano que vem. À frente do empreendimento, o empresário mineiro Antonio Mazzafera, 40, quer mais. Ao longo dos últimos três anos, adquiriu 123 imóveis na região, onde planeja erguer um megaprojeto de revitalização do Centro Histórico que inclui moradias, lojas modernas, bares, restaurantes, clube noturno, galerias de arte, farmácia, minimercados, dentre outros serviços necessários a quem se dispuser a viver lá. Formado em administração e pós-graduado em Harvard, Mazzafera diz ser um apaixonado por sítios históricos. Nos mais de 15 anos em que viveu entre a Europa e os Estados Unidos, atuou na área de hotelaria. No currículo, passagens pelas redes Claridge's e Savoy, ícones da hotelaria de alto luxo. De volta ao Brasil, radicou-se em São Paulo, onde abriu a Fera Investimentos, empresa focada na realização de negócios em sítios históricos. Encantado pela Bahia, comprou, de um grupo português, o hotel abandonado da Rua Chile e se jogou de cabeça na recuperação do empreendimento. Entregou o projeto de arquitetura ao baiano David Bastos e o de interiores ao dinamarquês Adam Kurdahl, referência mundial em restauração de prédios históricos. Empolgado com a reforma, ele recebeu Muito no seu escritório na Rua da Ajuda e nos convidou a visitar, em primeira mão, as obras do antigo hotel. "Vocês serão o primeiro veículo a conhecer a obra do Palace Hotel". E você, caro leitor, está convidado a nos acompanhar.
O Palace Hotel foi o que determinou a expansão do investimento da sua empresa para toda a Rua Chile?
Comecei a frequentar a Bahia em 2011, para visitar amigos. Fui apresentado ao Palace, que havia sido comprado por um grupo português, mas, por conta da crise na Europa, eles suspenderam os investimentos no Brasil. Foi quando as pessoas começaram a sugerir que nós o comprássemos. As primeiras impressões que tive do Centro Histórico não foram muito boas. Uma área suja, abandonada, insegurança nas ruas, mas eu já estava apaixonado pelo prédio e, mesmo com tantos fatores negativos, passei a frequentar mais a área, com outro olhar, e vi ali um grande potencial, embora 90% das pessoas com quem falava me diziam para eu não comprar. Esse foi o primeiro investimento, feito no início de 2012, e começamos a desenvolver o projeto.
Essa é a primeira empreitada do seu grupo na área de hotelaria?
Sim. Eu vivi muitos anos na Europa e nos Estados Unidos, atuando na área de hotelaria de luxo. Quando voltei ao Brasil, foi com a intenção de montar a Fera Investimentos, focada em projetos imobiliários em sítios históricos, áreas que tenham uma arquitetura singular. Nossa missão é agir como empreendedores sociais, podendo causar impactos positivos onde estivermos atuando. Nosso objetivo não é apenas ganhar dinheiro, mas contribuir para a história, para a cultura de onde a gente esteja atuando. Se olhássemos apenas a questão da rentabilidade, não iríamos nos aventurar a comprar o Palace, porque é um investimento de alto risco. Mas sou apaixonado por cultura, por história, e acredito que essas áreas podem ser recuperadas, a exemplo do que aconteceu em vários bairros degradados de Londres e Nova York e que renasceram a partir de iniciativas de empresários com essa visão.
O projeto já se chamou de Nova Rua Chile e agora está sendo chamado de Bahia Design District. Como se chama afinal?
Então, inicialmente pensamos em Nova Rua Chile, mas as pessoas começaram a questionar o nome, já que a nossa intenção é colocar Salvador no mapa do turismo mundial. As pessoas deixaram de vir a Salvador, elas até circulam por aqui, mas se hospedam no litoral norte, em Trancoso... Então, conversando com Nizan (Guanaes), ele sugeriu que tivesse um nome mais forte. Começamos a brincar com nomes, mas ainda não existe um definido, pensamos em Salvador Design, Bahia Design District. É importante dizer que o projeto é, primeiramente, para o baiano. Não estamos fazendo exclusivamente para turistas, mas para os soteropolitanos. Quando falamos no Palace, todo mundo tem uma história para contar, um carinho... então, ele será para os baianos.
Depois do Palace, você foi adquirindo imóveis na região, hoje já são mais de 100. Quando comprou o Palace já previa a aquisição de outros imóveis?
Não. Era exclusivamente o hotel. Claro que já pensávamos que, junto à iniciativa privada, essa área poderia ser revitalizada. Ao longo desses três anos, fomos adquirindo outros imóveis na região. As pessoas falam em 123 imóveis, mas na verdade foram 123 negociações imobiliárias que resultaram em 16 edifícios.
E qual a finalidade desses imóveis?
Diria que o Palace sozinho será uma grande âncora, mas se pudermos agregar outros projetos, ele poderá ter um sucesso muito maior. Eu acho que moradia no Centro Histórico é muito importante, porque quando as pessoas moram no lugar eles tomam contam daquilo que passa a ser seu. E para alguém morar num bairro, tem que ter uma infraestrutura, que inclui padaria, minimercado, farmácia, estacionamento, uma rede de serviços que permita que as pessoas possam viver confortavelmente. Além disso, aqui é um importante centro cultural, com cinemas de qualidade, teatros, museus. Hoje eu vejo que muitas pessoas deixam de vir para cá por falta de estacionamento. O projeto prevê um estacionamento com 220 vagas.
Revista Muito visita obras de restauração do Palace Hotel
Fernando Vivas | Ag. A TARDE
Empresário planeja erguer moradias, lojas, bares, clubes noturnos, mercados, galerias de artes e muito mais
Além de lojas, galerias de arte, restaurantes, boates... O que mais?
Vamos selecionar os investimentos, porque a nossa visão de recuperação da área é que tenhamos um mix de serviços de excelente qualidade.
Então os imóveis serão alugados?
Sim. No caso dos residenciais e escritórios, podemos vendê-los.
Você fala em parcerias com Iphan e prefeitura. Que tipo de parcerias foram firmadas com o setor público?
Quando falo em parcerias, falo em parcerias institucionais, no sentido de que o Iphan é quem administra o Centro Histórico e todos os nossos projetos seguem estritamente as regras do órgão. Quando começamos a elaborar o projeto, sentamos os nossos arquitetos com o corpo técnico do Iphan e discutimos os limites, o que pode e o que não pode ser feito, porque a nossa intenção é restaurar os imóveis. As pessoas me perguntam: 'Ah, mas você não vai poder mudar a fachada'. Eu digo: mas eu jamais ia querer mudar a fachada, o que, para as pessoas, é um impedimento, para mim é objeto de interesse. Se estou comprando um imóvel com uma fachada deslumbrante é porque eu quero aquela fachada deslumbrante, estou comprando por causa dela, então não faz sentido alterá-la. O fato de ser tombado, por exemplo, é o que nos atrai. No caso do Palace, trouxemos especialistas em restauro para cuidar dos mínimos detalhes para recuperar a arquitetura original.
O que o faz acreditar nessa área?
Eu ando muito por aqui, adoro o Centro Histórico. Eu almoço por aqui, saio para tomar café, conversar com as pessoas ...
E também para fazer compras?
(Risos). Eu digo que, de três anos para cá, o Centro Histórico mudou, e é uma pena que os soteropolitanos não estejam frequentando. Hoje as ruas estão limpas, a gente se sente mais seguro, vejo uma ordem pública maior...
Certo, mas voltando às parcerias ditas institucionais. Que garantias do poder público (prefeitura e estado) você tem de que estes farão a sua parte?
Como já disse, há três anos acompanho esse progresso. Eu caminho por aqui e vejo que igrejas, como a do Paço e a de São Domingos, estão sendo restauradas; o Palácio Episcopal, idem. De parte do governo municipal, estou vendo o progresso, do governo estadual também.
Nenhum acordo firmado com ambos?
Não, não. Mas sei que existe a intenção de se fazer a fiação subterrânea, o que seria ótimo, para liberar os monumentos e para que possamos contemplá-los na sua plenitude. Acredito que, para que esse projeto dê certo, precisamos de uma massa crítica, de parceiros da iniciativa privativa.
O processo de aquisição dos imóveis, com exceção do Palace, foi muito sigiloso. Isso foi para evitar a especulação?
Nem acho que foi tão sigiloso assim. Não tornamos público porque não tinha por que divulgar um projeto que não se sabia no que ia dar. Até porque as pessoas estão cansadas de ver projetos serem anunciados e não irem para a frente.
Você se refere ao projeto da LGR, de Luciana Rique, com proposta similar ao seu, no Santo Antônio, mas que não vingou?
Não, não, falo do geral.
Ela comprou 50 casarões na região que estão abandonados, causando insegurança aos moradores. O que o seu projeto tem diferente do da LGR?
Primeiro, acho que a Rua Chile, ao contrário do Santo Antônio, sempre foi uma área comercial. Lá, pelo que sei, era residencial. No nosso caso, a intenção não é só fazer comércio, mas trazer pessoas para morar também. Eu acho que nada acontece do dia para a noite. Temos visto o progresso nas três frentes, no nosso lado, da iniciativa privada, você viu lá a obra do Palace a todo vapor, gerando 200 empregos diretos. Pode ser que ainda exista quem não acredite, mas queremos trazer o soteropolitano para frequentar o hotel, o restaurante... Vai ser um hotel muito sofisticado, mas também muito casual, muito informal, um hotel para o baiano, para Salvador.
Qual o investimento total do projeto?
Nossa previsão é que nos próximos sete anos sejam investidos R$ 150 milhões. Investimentos que estão vindo na forma de recursos próprios e de investidores privados. As pessoas que estão associadas comigo têm essa mesma paixão pelo projeto e têm esse objetivo de longo prazo. Não querem o retorno imediato, mas, principalmente, eles querem ver essa mudança nessa área.
Tem recursos públicos também?
Não, não. Os financiamentos que vamos atrás são os que têm incentivo ao turismo. E é bom que se diga que o projeto como um todo vai gerar 1.500 a dois mil empregos diretos aqui no centro da cidade.
Já existem interessados no projeto?
Sim. Daqui e de fora. Queremos um mix de investidores locais e de fora.
Como tem sido o processo de restauro?
Muito trabalhoso e levando mais tempo do que prevíamos. Fazer uma obra de restauro é mais complexa do que erguer uma nova construção. O Palace tem uma arquitetura toda Art Déco e vamos manter isso. Desde o mobiliário até a fachada, tudo permanecerá como era na época. Tivemos que reforçar toda sua estrutura, dobrar o tamanho dos pilares, reforçar mais de 416 colunas. Estamos recuperando 436 janelas originais, dobramos a fundação do prédio...
Que bandeira vai administrar o hotel?
Nós mesmos vamos administrar. Vou aproveitar a experiência que trago da área de hotelaria.