Sérgio Fraga Faria*
O Porto de Salvador comemora o seu primeiro centenário enfrentando a discussão acerca da revitalização de parte expressiva do seu espaço. O que isso significa? Quais as razões que justificam o processo de revitalização? Seria este um fenômeno isolado?
Preliminarmente, cabe ressalvar que, em verdade, o que se celebra é a passagem dos cem anos de inauguração das obras que deram ao "Porto da Bahia" sua configuração atual, pois desde o primeiro momento, as facilidades de natureza geográfica foram oportunamente exploradas e a atividade portuária local foi sempre marcante.
O elemento porto exerceu papel determinante para o desenvolvimento do processo de internacionalização do Estado, e Salvador, primeiro porto brasileiro, chegou a ser o principal do império ultramarino português no final do século XVIII.
Entretanto, observa-se, em todo o mundo, uma curiosa tendência para a redefinição da ocupação e uso do solo nas cidades de tradição portuária. Tal processo decorre de um conflito generalizado entre o crescimento significativo da população urbana e a forma como se deu a evolução histórica das técnicas de operação nos portos.
Estudos científicos sugerem que o homem primitivo tenha enfrentado dificuldades para transpor a barreira das águas, mas não se há de negar que, vencidos esses obstáculos, o mar passou a ser o mais importante agente de contato entre os povos, tornando-se a base para o intercâmbio comercial em todo o mundo.
No primeiro momento, a localização dos portos buscou a identificação de regiões naturalmente protegidas (baías, estuários etc.), consolidando os critérios clássicos da engenharia portuária que primam pelo aproveitamento dos acidentes geográficos na busca de condicionantes favoráveis: abrigo, profundidade, amplidão e acesso fácil.
Em consequência, as concentrações urbanas se desenvolveram nas proximidades do espaço portuário, dando origem a um processo de troca, em que a cidade cresceu pela presença do porto e este cresceu pela existência da população que se fixou no seu entorno.
A violenta aceleração do movimento de urbanização, no entanto, sentenciou o confinamento dos portos a áreas restritas, dificultando a necessária adaptação às exigências decorrentes da evolução histórica das técnicas de manuseio de carga. Tal conflito se evidenciou ainda mais a partir da Segunda Grande Guerra Mundial, quando se intensificou a especialização do transporte marítimo e se verificou o surgimento do processo de conteinerização de cargas.
O estrangulamento da área portuária pelo crescimento das cidades, o aumento do porte das embarcações - cujo acesso se faz difícil nas regiões naturalmente protegidas - e, por sua vez, o surgimento de novas e revolucionárias técnicas de operação, impondo a disponibilização de espaço amplo - seja para armazenagem de novos tipos de cargas, seja para abrigar a utilização de equipamentos de tecnologia avançada que atuam na faixa de movimentação -, transformaram-se em reais obstáculos para a continuidade da função operacional nos limites dos centros urbanos.
Os projetos de revitalização de áreas portuárias, portanto, devem ser compreendidos como consequência de um fenômeno de natureza histórica que se processou em todo o mundo e, desta forma, podem ser considerados também para as cidades brasileiras, na tentativa de se garantir um mecanismo alternativo de exploração comercial de espaços declaradamente ociosos, constituindo-se importante fonte de atração para novos investimentos, com resultados econômicos representativos, a exemplo do que já se verifica em cidades como Buenos Aires, Barcelona, Toronto, Cidade do Cabo, Miami, Nova York, Baltimore, Osaka, Kobe e Yokohama, onde as antigas paisagens portuárias estão cedendo lugar para a edificação de modernos complexos de apoio ao turismo, ao lazer e aos negócios.
Evidentemente, Salvador não fugiu à regra geral e, em boa hora, a Codeba (Companhia das Docas do Estado da Bahia) toma a iniciativa de repensar, de forma ampla e participativa, a utilização de boa parte do chamado "Cais Comercial" do agora centenário Porto de Salvador.
* Professor de Portos e Vias Navegáveis da Escola Politécnica da Ufba, sergio.faria@grupotpc.com
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