quarta-feira, 18 de abril de 2012

OS BONDES DA MINHA TERRA


Almir Santos*
Andei muito de bonde. Era o meio de transportes de Salvador. Quando me entendi os bondes eram praticamente todos iguais. Amarelos com os números pretos. Bondes verdes restavam pouquíssimos, vistos por mim quando ia à casa de minha avó Isaura, que morava na então Rua Vasco da Gama, 440, próximo à Vila América. Todos abertos com 10 bancos transversais com capacidade de 50 passageiros sentados. a numeração era sempre na série de 100 ou 200.   Depois a concessionária que era a Companhia Linha Circular de Carris da Bahia, adquiriu 10 novas unidades fechadas, com capacidade de 46 passageiros sentados, que foram numeradas de 1 a 10 que o povo os chamava de Sossega Leão. Nunca cheguei a usar esses bondes pois só rodavam na Cidade Baixa, onde raríssimas vezes ia. Quando íamos ao Bonfim meu pai contratava um carro de praça. No fim da década de 40 houve uma renovação maciça nos transportes. 10 novos bondes fechados com capacidade de 48 passageiros sentados foram adquiridos e foram numerados de 501 a 510.  A essa altura foi mudada a pintura  para amarelo e creme com os caracteres e frisos vermelhos. Uma pintura mais alegre. Os Sossega Leões que rodavam na Cidade Baixa foram renumerados depois de 401 a 408 e passaram a operar na cidade alta. Dois foram sucateados. Os abertos foram divididos em duas categorias: os mais potentes, chamados carros de força, foram alocados na Cidade Alta, por causa das ladeiras e numerados na série 200 e os demais na Cidade Baixa numerados na série 100. Havia ainda os reboques numerados  na série 300 e os mistos, vazados no centro para cargas e capacidade de 35 passageiros sentados, pintados de verde com os  caracteres bancos numerados na série  de 30 e 40. Foi aí que aconteceu a grande revolução. Quatro bondes abertos com 14 bancos transversais, capacidade de 70 passageiros sentados com carrocerias totalmente construídas  na Oficinas da Graça entraram em operação.  Tinha dois estribos no lado direito. Esse modelo não deu muito certo porque quando os passageiros se amontoavam nos estribos soltava o arco da catenária. Levaram os números de 601 a 604. Só tinha um controler e o lado esquerdo era semi-fechado com tela. Por isso foram chamados de galinheiro.
Depois nas mesmas oficinas foram construídos mais nove bondes fechados  numerados de 651 a 659 com capacidade de 48 passageiros sentados. Por força contratual a concessionária tinha de colocar mais 25 bondes em operação. Foi um luxo. Bondes com portas automáticas, com bancos estufados em couro verde, potentes. Foram considerados os melhores bondes do Brasil. Rodavam para Barra, Barra Avenida, Graça, Campo Grande, Canela Nazaré e Tororó. Foi um sucesso. Todas essas novidades nos eram antecipadas por Menininho, pois seu pai trabalhava nas oficinas e ele era menor ajudante. Seu Anísio, que era funcionário da Companhia Circular também nos dava as noticias dos bondes.  Quando em 1955 a Companhia Circular foi encampada no governo de Prefeito Hélio Machado e  foi criado e SMTC - Serviço Municipal de Transportes Coletivos, os bondes foram pintados em vermelho com os caracteres brancos. Foi o crepúsculo dos bondes.                           Havia ainda os bondes de serviço, as pranchas, para manutenção da linha férrea, numerados na série 20. O 27 era destinado à linha aérea e o 51 oficinas.
Sabia os números das linhas:
1-
Nazareth
2-
Barra
3-
Canela
4-
Barra Avenida
5-
Barris
6-
Graça
7-
Federação
8-
Liberdade
9-
Santo Antônio
10-
Soledade
11-
Brotas
12-
Calçada
13-
Cabula
14-
Rio Vermelho
15-
Rio Vermelho de Baixo
16-
Amaralina
17-
Tororó
18-
Ribeira via L. Tarquínio
19-
Ribeira via Dendezeiros
20-
Ribeira via C .Areia
21-
Roma
22-
Bonfim
23-
Acupe
24-
Barbalho
25-
Lapinha
26-
Campo Grande
27-
Campo Santo
28-
Fonte Nova
29-
Vila América
30-
Pirangueiras
32-
Madragôa
33-
Quintas
34-
Farol
35-
Retiro
36-
Segundo Arco
44-
Estrada de Ferro
 Conhecia seus itinerários.
Linha 2-Barra, por exemplo, saía da Praça da Sé, Avenida Sete, Palácio da Aclamação, Vitória, Farol, Marques de Leão, Marquês de Caravelas, Alameda Antunes, Princesa Izabel, Princesa Leopoldina,  Rua da Graça, Vitória, Campo Grande, Forte de São Pedro,  Avenida Sete, Praça da Sé.
Linha 4-Barra Avenida era ao contrário: Saía da Praça da Sé, Av.Sete, Forte de São Pedro, Campo Grande, Vitória, Rua da Graça, Princesa Leopoldina, Princesa Izabel, Alameda Antunes, Marquês de Caravelas, Marques de Leão, Ladeira da Barra, Vitória, Palácio da Aclamação Avenida Sete, Sé.
Eram as únicas linhas circulares da Cidade Alta.
Um sábado à tarde tirei para conhecer as duas últimas linhas por onde nunca tinha andado : 5-Barris e 8-Liberdade, esta a famosa linha 8, tida como linha de gente valente.
Bonde, um transporte gostoso de uma cidade pacata e tranqüila.
Agora, só saudade que nos resta.
* Engenheiro e escritor - Fonte: Memória viva

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