sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Série "Ó Paí, Ó" une diversão e reflexão em doses certeiras

HUGO POSSOLO
Faço o mea-culpa! Achei que "Ó Pai, Ó" era cinema axé. Fui preconceituoso. Não danço axé, não ouço axé, mas transaria com qualquer uma das Sheilas. A Bahia é muito mais. Não vi o filme nem a peça. Muito menos li o livro. Agora o farei. Isso depois que assisti aos DVDs de "Ó Pai, Ó", com direção geral de Monique Gardenberg, lançados pela Som Livre. A série tem roteiro conciso e preciso, com diálogos inteligentes. Os roteiristas Guel Arraes e Jorge Furtado emprestam conhecimento da linguagem cinematográfica, coisa rara às séries brasileiras, aliando seus talentos à visão dos diretores de cada episódio, que marcam seus estilos sem ferir o eixo narrativo geral. Por ter sido criado em teatro pelo Bando de Teatro Olodum, adaptado para cinema e, depois, para série, pela mesma trupe, o projeto ganha em cada detalhe. Cada personagem está moldado aos atores. Facilitam a narrativa e jamais fogem da fábula original.
Periferia
É animador que a maior produtora de ficção do país, a Rede Globo, abra espaço para séries como "Antonia", "Cidade dos Homens" e "Ó Pai, Ó", que estabelecem um olhar sobre a periferia e contam, em diferentes cores, histórias riquíssimas sobre a vida dos brasileiros reais. Não importa que seja a favela carioca, os manos e as minas paulistanos ou que nos retirem o olhar turístico sobre o Pelourinho, em Salvador. As séries nos têm feito encontrar com uma brasilidade que a televisão escondeu por anos. Chega da favela de novela, maquiada para parecer melhor do que é.Nessas séries, os pobres são o que são. Desejam uma saída, mas nem por isso são raivosos e sem alegria. Vivem seus amores e humores, são personagens humanos, nada plastificados, conquistando o público. Em "Ó Pai, Ó" cada episódio, com sua trama bem tecida, despreocupada de quem a protagoniza, revela talentos. Contam-se boas histórias, de maneiras interessantes, não se restringindo a ser mero entretenimento. Jogam delicadas questões ao espectador, como a do mendigo Negócio Torto, que, ao tentar curtir um show junto a outros um pouco menos pobres que ele, acaba levando uma surra de um segurança. Até o excluído dos excluídos tem uma história a ser contada. Da aldeia baiana, desfrutamos histórias de como o Brasil é universal. Vai além da denúncia da violência, triste e necessária, e mostra que os pobres, cheios de contradições e alegria, têm voz e vez. Não é simples ter essa visibilidade na Globo. É uma conquista. E, melhor, é feito com apuro técnico e visão artística sensível, importantes para nossa cultura. Diversão que não se priva de provocar reflexão.Quando tanto se fala no papel da televisão pública, a maior emissora privada do país dá um excelente exemplo de obras de ficção que têm qualidade e audiência significativas.
HUGO POSSOLO, 46, é palhaço, dramaturgo e diretor do grupo Parlapatões e do Circo Roda Brasil
Artigo originalmente publicado no jornal Folha de São Paulo

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