domingo, 24 de dezembro de 2023

A MANSA MANADA ALGORITMICA


Paulo Ormindo de Azevedo*

Sorrateiramente estamos todos sendo controlados na escola, no trabalho, no consumo, nas artes, no lazer e nas relações afetivas pelo Senhores dos Algoritmos, os Big-Techs globais. Sou um analfadigital convencido, como o personagem do filme Eu, Daniel Blake, que revoltado com a burocracia do serviço de saúde inglês andava grafitando seu nome nos muros, pois não queria ser apenas um login e uma senha. Acabou morrendo numa agência do SUS inglês porque o coração não esperou que ele terminasse o curso de internet que foi obrigado a fazer para poder pedir a aposentadoria.

Quero conversar com pessoas, mas elas estão todas hipnotizadas por seus celulares, nos consultórios médicos, nas agências de banco e de serviços públicos, nos restaurantes. É até perigoso tentar conversar com essas pessoas, pois se for mulher posso ser acusado de assédio sexual e se for homem posso ser confundido com um assaltante.

Na internet não posso acreditar nem no que vejo, quanto mais no que leio e ouço. Não dialogo nas redes sociais, nem respondo mensagem da internet que já vem com as respostas prontas, e do zap, com imogis. Há casos hilários e dramáticos de pessoas que se apaixonaram por avatares e entraram em depressão quando foram abandonadas por eles. Como posso confiar na internet que em consultas me pergunta se eu sou um robô.

Não sou daquelas pessoas entusiastas do G5, que sonham ter um carro Tesla, que o conduz à revelia, passando por áreas perigosas, pois aquele é o caminho mais curto e econômico e Elon Musk é um gênio. Ou da Inteligência Artificial, IA, infalível, que vai aliviar o povo de pensar. Será que ninguém percebe que a IA é uma quimera, como diz o cientista Miguel Nicolelis, que não cria nada, é apenas a moda estatística dos lugares comuns e do plágio manipuladas pelas trilionárias Big-Techs, que prometem uma utopia para impor a distopia?

Quero voltar a receber cartões de Natal de amigos que há muito não tinha notícia. Quero me relacionar com pessoas inteligentes, jogar conversa fora, rir e contar piadas e não apenas ser linkado por algoritmos que devassam minha privacidade e querem me empurrar serviços e produtos que não preciso.

Estamos todos fadados a ser Forrest Gump, aquele jovem abilolado do filme homônimo de 1994, sentado num ponto de ônibus no Alabama querendo se relacionar com outras pessoas que nem lhe ligam. Alienado, ele sonha ter sido condecorado por Nixon e abraçado por Elvis Presley.

Prefiro ser humano, com todos meus defeitos e inseguranças, que ser um robô teleguiado para honra e glória da indústria consumista e do estado pseudodemocrático. Os que aceitam passivamente a manipulação dos algoritmos são alienados e não sabem, mas povo marcado é gado feliz, como diz Zé Ramalho. Abaixo a coisificação humana digital.

*Arquiteto e Urbanista, Professor Titular da UFBA . Publicado em A Tarde, 10/12/2023

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

O Resumo da Ópera


Paulo Ormino*
Pela enésima vez é anunciado o início da ponte Salvador-Itaparica. A nota diz apenas que vai começar a sondagem, orçada em R$160 milhões, para ver a profundidade das estacas numa trajetória já condenada pela Academia de Engenharia da Bahia. Só então se poderá saber o custo da ponte, cujo orçamento inicial quase dobrou antes de começar. Diz a mesma fonte que ainda vai ser preciso a dragagem do porto, orçada em R$120 milhões, e construção dos canteiros de obras de Salvador, Vera Cruz e São Roque, não orçados, obras que levarão pelo menos dez meses embolando com o calendário eleitoral.
A sangria do estado para essa ponte não vai parar com sua inauguração. A partir daquele momento vamos ter que pagar uma contrapartida à concessionária cujo cálculo vai depender da demanda de tráfego na ponte. Quanto mais baixa for a arrecadação do pedágio maior será a contrapartida do estado. Hoje sua demanda é muito baixa, a ponto de não estar prevista a duplicação da Ponte do Funil, que só tem duas faixas de rodagem. Como a ponte terá seis faixas, quatro ficarão ociosas e a concessionária tem direito a uma compensação pela perda de pedágio. O Tribunal de Contas do Estado deve ficar atento a essa conta.
Depois de dez anos de marchas e contramarchas, o panorama mudou. É muito importante discutir esta questão quando o estado resolve repor os trilhos no subúrbio e reestruturar sua malha ferroviária para levar trens de passageiros até Feira de Santana, podendo levá-lo também a Itaparica pela conta-costa, beneficiando o Recôncavo onde existem 19 terminais marítimos, o CIA, uma refinaria, um estaleiro e quatro cidades históricas. Esse ramal poderá ainda viabilizar a criação de um hub-porto em Salinas da Margarida com 22 metros de calado em águas abrigadas, que seria o terminal da ferrovia transcontinental sonhada por Vasco Neto, mas agora revista para chegar no Pacífico na divisa do Chile com o Peru, integrando as redes ferroviárias desses dois países, da Bolívia, do Paraguai e do Brasil e escoando a imensa produção mineral e graneleira desses países para o Atlântico, pela Bahia.

A ponte perdeu sentido e se realizada inviabilizaria o Pela enésima vez é anunciado o início da ponte Salvador-Itaparica. O último anúncio foi na semana passada. A nota diz apenas que vai começar a sondagem, orçada em R$160 milhões, para ver a profundidade das estacas numa trajetória já condenada pela Academia de Engenharia da Bahia. Só então se poderá saber o custo da ponte, cujo orçamento inicial quase dobrou antes de começar. Diz a mesma fonte que ainda vai ser preciso a dragagem do porto, orçada em R$120 milhões, e construção dos canteiros de obras de Salvador, Vera Cruz e São Roque, não orçados, obras que levarão pelo menos dez meses embolando com o calendário eleitoral.

A sangria do estado para essa ponte não vai parar com sua inauguração. A partir daquele momento vamos ter que pagar uma contrapartida à concessionária cujo cálculo vai depender da demanda de tráfego na ponte. Quanto mais baixa for a arrecadação do pedágio maior será a contrapartida do estado. Hoje sua demanda é muito baixa, a ponto de não estar prevista a duplicação da Ponte do Funil, que só tem duas faixas de rodagem. Como a ponte terá seis faixas, quatro ficarão ociosas e a concessionária tem direito a uma compensação pela perda de pedágio. O Tribunal de Contas do Estado deve ficar atento a essa conta.

Depois de dez anos de marchas e contramarchas, o panorama mudou. É muito importante discutir esta questão quando o estado resolve repor os trilhos no subúrbio e reestruturar sua malha ferroviária para levar trens de passageiros até Feira de Santana, podendo levá-lo também a Itaparica pela conta-costa, beneficiando o Recôncavo onde existem 19 terminais marítimos, o CIA, uma refinaria, um estaleiro e quatro cidades históricas. Esse ramal poderá ainda viabilizar a criação de um hub-porto em Salinas da Margarida com 22 metros de calado em águas abrigadas, que seria o terminal da ferrovia transcontinental sonhada por Vasco Neto, mas agora revista para chegar no Pacífico na divisa do Chile com o Peru, integrando as redes ferroviárias desses dois países, da Bolívia, do Paraguai e do Brasil e escoando a imensa produção mineral e graneleira desses países para o Atlântico, pela Bahia.
A ponte perdeu sentido e se realizada inviabilizaria o enorme potencial econômico e turístico da BTS e do Recôncavo e provocaria um impacto brutal em Salvador e na ilha de Itaparica, que se transformaria num grande terminal rodoviário para bitrens que não podem entrar em Salvador, transformando-a numa grande favela, como São Gonçalo na Baía da Guanabara. A ponte não entrou no debate sucessório, no PDDU de Salvador e agora no PAC. Diante de tantas incertezas, os chineses parecem estar botando as barbas de molho e apostando no plano ferroviário do estado, na via transcontinental como alternativa ao canal da Guatemala, e na construção de um hub-porto internacional na BTS. enorme potencial econômico e turístico da BTS e do Recôncavo e provocaria um impacto brutal em Salvador e na ilha de Itaparica, que se transformaria num grande terminal rodoviário para bitrens que não podem entrar em Salvador, transformando-a numa grande favela, como São Gonçalo na Baía da Guanabara. A ponte não entrou no debate sucessório, no PDDU de Salvador e agora no PAC. Diante de tantas incertezas, os chineses parecem estar botando as barbas de molho e apostando no plano ferroviário do estado, na via transcontinental como alternativa ao canal da Guatemala, e na construção de um hub-porto internacional na BTS.*Arquiteto e urbanista. Professor Titular da UFBA

domingo, 26 de novembro de 2023

O progresso é concreto


Paulo Ormindo de Azevedo
*

Este era o slogan de uma usina de concreto e se transformou no lema dos administradores públicos. Lobby mau só mete medo às criancinhas, mas seria melhor que não se escondesse para sabermos quanto pagamos e a quem, como nos States. Os lobos das construtoras de escondem no subsolo dos gabinetes governamentais e atacam durante a noite para que elas continuem petrificando nossa cidade. 

São elas as responsáveis por Salvador ser a cidade mais “viadutizada” do planeta. Temos viadutos que não passam um carro, como os da Fonte Nova; que alagam, como o da Federação; e o Viaduto do Aeroporto, que é saída de metrô e ponto de ônibus e táxis. Temos ainda o único subway, ou underground, aéreo do mundo, a Linha 1 do metrô. Viadutos são vias bloqueadas que não permitem escolhas. A Rótula do Abacaxi foi transformada em uma chicana de pilares. Enquanto o viaduto da Av. Barros Reis está vazio, se forma um engarrafamento no chão para que os motoristas possam retornar à Av. ACM, subir para o Cabula, ou descer para a Cidade Baixa. 

O concreto tem muitas utilidades, serve para impermeabilizar o solo e encostas e construir ponte, viadutos e espigões de 40 andares que engarrafam as ruas. O material poderia ser oficializado como uma moeda regional, como já foi o sal. O Estado e a Prefeitura ao invés de pagar “salários”, como em Roma, pagaria “concretários” a seus funcionários. Operários iriam à Usina Central da Fazenda pegar seu carrinho de mão de concreto para cimentar suas casas e empresários contratariam “n” caminhões betoneiras para construírem seus espigões. 

O verde público foi extinto pelo metrô e o BRT e o privado do Caminho das Árvores transformado no Caminho do Cinzento. Há alguns anos foi lançado o Loteamento Horto Florestal, com TAC de preservação das árvores e só se permitir casas em lotes florestados. Mas a Odebrecht reservou uma gleba vizinha ao loteamento e lançou duas torres que tinham como reclame a vista e o ar puro do horto. A prefeitura recentemente resolveu fazer o milagre da multiplicação dos peixes, ou melhor dos IPTUs, permitindo a construção de espigões onde hoje são casas e árvores. Fez o mesmo no Buração, para não se poder mais bronzear. Em Salvador as indústrias do concreto, dos viadutos, dos espigões e do IPTU são irmãs. 

Por que ao invés de concretar não se faz uma passarela verde ligando o Unhão à Vila Brandão ou um parque em Cajazeiras? 

São Paulo, que é mais arborizada que Salvador, tombou os Jardins Paulistanos, que são bairros de casas burguesas, mas servem como pulmão da cidade. No Cine Paseo vi vídeos de moradores do Horto Florestal e da Praia do Buracão apelando para a população se posicionar contra a destruição do verde e sombreamento das praias. O Movimento Salva Verde me pede para ajudá-lo nessa campanha, o que faço com a maior convicção e prazer. O verde é progresso, o atraso é concreto! 

*Arquiteto e Urbanista, Professor Emérito da Ufba

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Risério, 70 anos

Cachorros e gatos no quintal, a areia da praia ao lado, sandálias havaianas e a serenidade de Itaparica, a principal cidade da ilha do mesmo nome, virada de costas pra Salvador, a metrópole da Bahia. E um notebook por perto, pra escrever. Só sai dali pra cumprir copiosa agenda de palestras, debates e outros eventos culturais Brasil afora.

Ao lado da companheira Sara Victoria, designer e escritora, é assim que vive hoje, aquele que é o mais polêmico e brilhante , intelectual da Bahia, por conta de uma produção teórica invejável e de trabalhos práticos de grande efeito. Vive atualmente bem próximo de onde morava outro brilhante intelectual baiano, o escritor João Ubaldo Ribeiro. Atuando como escritor e colaborador de jornais, o antropólogo, ensaísta e historiador baiano Antônio Risério tem colecionado polêmicas, especialmente quando trata de questões raciais. Em janeiro do ano passado, foi alvo de ataques vindos de intelectuais e militantes de esquerda, quando escreveu um artigo para a Folha de S. Paulo intitulado Racismo de Negros Contra Brancos Ganha Força com Identitarismo.

Nascido em Salvador em 21 de novembro de 1953, é poeta, escritor, jornalista e antropólogo. Fez política estudantil, membro da Política Operária (Polop) foi preso pela ditadura militar em 1968, mergulhou na viagem da contracultura, editou revistas de poesia experimental na década de 70 e escreveu para a imprensa brasileira: Código, Muda, Bahia Invenção. Em dezembro de 1989, Risério criou o suplemento quinzenal do Jornal da Bahia, Fetiche, editando nove números.

Em 1995 defende dissertação de Mestrado em Sociologia com especialização na Antropologia pela Universidade Federal da Bahia. Participou das campanhas políticas dos políticos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Teve suas parcerias poético-musicais gravadas por diversas estrelas da Música Popular Brasileira, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jorge Alfredo, Diana Pequeno, Morais Moreira, J. Veloso, MPB 4, Arnaldo Antunes, Gereba, Lazzo Matumbi, Paulinho Boca de Cantor, Chico Evangelista,

Antonio Risério tem aproximadamente, trinta títulos publicados, dentre os seus livros, destacam-se: ‘Carnaval Ijexá’ – notas sobre os blocos e afoxés do novo carnaval afro-baiano, 1981; ‘O poético e o político’ (em parceria com Gilberto Gil), 1988; ‘Caymmi um utopia de lugar’, 1993; ‘Cores Vivas’; ‘Textos e Tribos – poéticas extraocidentais nos trópicos brasileiros’, 1993; ‘Avant-garde na Bahia’, 1996;  ‘Fetiche’, 1996; ‘Oriki Orixá’, 1996; ‘Ensaio sobre o texto poético em contexto digital’, 1998; ‘A via Vico e outros Escritos’, 2000; ‘Adorável Comunista’, 2002; ‘Uma história da cidade da Bahia’, 2004; ‘A Banda do Companheiro Mágico’, 2007; ‘Uma História do Povo de Sergipe’, 2010; ‘A Cidade no Brasil’, 2012; ‘Edgard Santos Reinvenção da Bahia’, 2013; ‘Mulher, Casa e Cidade’, 2015; ‘A Casa no Brasil’, 2019; ‘Bahia de Todos os Cantos’, 2020; ‘Uma cidade, uma rua, uma igreja’.
 
Em recente livro escrito por Antônio Risério, “Sobre o relativismo pós-moderno e a fantasia fascista da esquerda identitária" Riserio provocou grandes polêmicas. Rompendo a espiral de silêncio reinante nos ambientes intelectual e acadêmico, o antropólogo baiano Antonio Risério faz ataques severos a movimentos de minoria que, traindo sua origem, teriam se convertido em guetos fechados e avessos a qualquer forma de divergência, perseguindo de forma brutal e truculenta todos aqueles que ousam criticá-los. Segundo o autor, o que era para ser inclusivo tornou-se excludente. Risério identifica nesse processo a emergência de um verdadeiro fascismo identitário, incapaz de compreender a complexidade da sociedade brasileira além dos clichês do cercadinho ideológico de uma certa esquerda.
Por conta dessa posição, Riserio vem sofrendo perseguições e até ameaças de morte. Apesar de todos ataques segue escrevendo, debatendo e realizando projetos, agora, completando sete décadas de produtiva existência.

Ciclovia que brilha com obra de Van Gogh

Holanda, conhecida por ser o país das bicicletas, não para de surpreender quando o assunto é ciclovia e incentivos ao uso de bikes. Na cidade de Eindhoven, localizada ao sul de Amsterdã, existe uma ciclovia especial, inspirada no famoso quadro “A Noite Estrelada”, do pintor holandês Vincent Van Gogh. Feita com um material especial, a ciclovia brilha no escuro, criando um efeito que é de cair o queixo.

O projeto, que une arte e tecnologia à cultura do ciclismo, foi feito com peças de um material que traz pequenas luzes LED.

Dessa forma, quando está escuro, o chão brilha, criando o efeito surpreendente. “Eu queria criar um lugar em que as pessoas pudessem ter uma experiência especial. A parte técnica combinada com experiência, isso é o que a poesia tecnológica significa para mim“, explicou Daan Roosegaarde, artista responsável pelo projeto da ciclovia.

A rota escolhida para a intervenção, feita em apenas alguns metros da ciclovia, é conhecida por passar por locais que marcaram a vida de Van Gogh, como Zundert, cidade em que o pintor nasceu e foi criado. O ano de 2025 será marcado pelas comemorações do 135° aniversário da morte de Van Gogh e a ciclovia é apenas uma das novidades inspiradas na obra do artista que estão por vir.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Devolva-nos essa velha vida



Tasso Franco*
Houve uma  época nesta cidade da Bahia em que a vida noturna era pulsante, quer no centro histórico; quer nos bairros para dançar e farrear; vadiar e acasalar; flanar sem medo de ser feliz. Quem é antigo como eu lembra do Rumba Dancing, do Tabaris, do Varandá, do Maria da Vovó, no Anjo Azul, do Cacique, do XK, Braseiro da Ladeira da Praça, do Oceania, do chope La Fontana na Carlos Gomes. 
Havia até um pouso da madrugada no Largo de Amaralina que sequer tinha portas, o Gereré; e no Cosme de Farias, em Semirames, brincava-se com os copos e a prosa até as madrugadas; na Boa Viagem e na Ribeira, nos divertíamos no Caçuá e no Tainheiros. A Barra era um paraíso desde a Maria Fumaça aos clubes chiques e populares com seus bailes nos finais de semana, na Associação Atlética, no Palmeiras, no Democratas, no Amazonas e, de quebra, nas madrugadas descer a terceira escada rumo as areias da praia e ao amor. 
Pensar sobre o tempo e todo esse retrocesso imaginando que teríamos continuidade com outras formas de viver a cidade às noites é um passatempo desagradável já que, nesse alvorecer do século XXI, vivemos enjaulados. Há grades em nossas casas por todos os lados nas residências dos ricos, dos pobres, dos remediados, das autoridades, dos juízes, dos parlamentares, dos templos religiosos, nos colégios, universidades, ninguém escapa dessa vigilância permanente acrescida de cães e câmeras. 
Até imagens de santos vivem em nichos enjaulados e furta-se os dízimos na Irmandade do Senhor do Bonfim a ponto de Sua Eminência, o cardeal, intervir nomeando um monsenhor probo. Esse é o ambiente na Cidade da Bahia que já foi de paz e amor, do pombo Correio, do caminhar sem lenço nem documento nas dunas do Abaeté e nas areias das praias. 
Dorival Caymmi teria sido um profeta desse novo tempo? “Ai, ai que saudade eu tenho da Bahia/ Ai, se eu escutasse o que mamãe dizia/ "Bem, não vá deixar a sua mãe aflita/ A gente faz o que o coração dita/ Mas esse mundo é feito de maldade e ilusão.”
É isso, agora, proíbe-nos de sairmos às noites, de tomarmos um chopinho a beira orla, curtir o largo da Dinha, degustar o sorvete na balaustrada da Ribeira diante de tanta maldade e balas perdidas a voar Na década de 1970, Vinicius de Moraes e Toquinho cantavam: “É bom passar uma tarde em Itapuã/Ao sol que arde em Itapuã/ Ouvindo o mar de Itapuã/ Falar de amor em Itapuã/ Depois sentir o arrepio/ Do vento que a noite traz/ E o diz-que-diz-que macio/ Que brota dos coqueirais/ E nos espaços serenos/ Sem ontem nem amanhã/ Dormir nos braços morenos/ Da lua de Itapuã.” Devolva-nos essa velha vida senhores e senhoras autoridades das gravatas, togas e colarinhos engomados. Juro que tenho saudade desse tempo da cidade inteira e não pela metade, do meio turno. Viramos repartição pública. 
Hoje, é-nos proibido dormir nos braços morenos da lua de Itapuã, das dunas do Abaeté, do luar da praia de Tubarão, da colina do Monte Serrat e até do largo onde fica a Basílica do Senhor do Bonfim. Resta-nos, oh! que tristeza, o sol se pondo em Cacha Pregos vendo-se da encosta do Farol da Barra e, logo em segunda, o caminho de casa como cordeiros de Deus. 
A cidade perdeu o seu glamour dos luares, do seu encanto das noites, e olhar a beleza da lua cheia só é permitido das janelas das casas e apartamentos, das cornijas das igrejas ainda, arriscados, a seremos atingidos por alguma bala perdida que zunindo no espaço não tem endereço certo. 
Eu, o andarilho desta cidade, limito-me a flanar apenas no quadrilátero do centro histórico e quando vou a algum sitio na minha vizinhança, para algum serviço, no Calabar, na Sabina, no Alto das Pombas, fico atormentado.
Era cliente há decênios da borracharia da entrada do Calabar de longos anos e, hoje, evito-a; freguês da oficina do mestre Botafogo, na Sabina, que também evito. E o que dizer de andar pela Capelinha do São Caetano, pela Valéria, Saramandaia, São Bartolomeu, Avenida Peixe, Pedrinhas, Rua Direita do Uruguai, praça da Revolução, em Periperi, no Boca de Galinha da Plataforma que tanto gostava, nem pensar. 
Fui expulso (eu e todos os outros estranhos a esses sítios) desses bairros porque não nos enquadramos dentro do código estabelecido pela bandidagem, aquele que vale, uma vez que o código Hamurabi, dos togados, não serve para nada. 
Quando escrevia Dom Quixote em seu prólogo na dúvida do que colocaria no papel, Cervantes foi visitado por um amigo que lhe fez muitos questionamentos e acordou para o escrito dando um tapa na testa. Estamos assim, vivendo em pensamentos e precisando de um tapa desses a darmos nas autoridades, um tapa na consciência. 
Somos, pois, os baianos da capital, da Cidade da Bahia outrora de paz e amor, plena, inteira, cheia, noite e dia, agora, apenas pássaros que somos regulados pelo tempo e, ao escurecer, ao sol se por no horizonte, irmos para casa e dormir. Vivemos numa cidade pela metade do raiar ao por do sol. 
*Escritor e Jornalista

sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Os Tesouros da Baía

 Histórias submersas da Baía de Todos os Santos mostram o passado fora dos livros e atraem piratas.

Fernanda Santana*

Embaixo d’água, um dos conhecimentos básicos que mergulhadores, exploradores e arqueólogos subaquáticos compartilham é saber diferenciar sucata de história. No fundo do mar, qualquer rastro de ferrugem pode indicar uma arqueologia perdida, sobretudo na Baía de Todos-os-Santos (BTS), um dos principais sítios arqueológicos subaquáticos brasileiros. 

O tempo e a falta de manejo deterioram parte da história contada por esses sítios, caracterizados por abrigar vestígios materiais da ação humana. As embarcações que daqui saíram ou tentaram aportar, mas naufragaram, trazem informações sociais, históricas e comportamentais do seu tempo. Das 18 localizadas pelo projeto Observabaía, ligado à Universidade Federal da Bahia (Ufba), cinco estão em alto risco de vulnerabilidade. Em 1998, o historiador José Góes de Araújo calculou mais de 150 embarcações naufragadas na BTS. 

Como o patrimônio subaquático não é visto, raramente é lembrado. E, no esquecimento, a dilapidação fica mais fácil. “Essas histórias ficaram subalternas, não são as histórias dos livros. Quem eram os tripulantes? Para onde iam, o que representava chegar num porto de Salvador no século 19 e procurar seus amigos?”, questiona Rodrigo Torres, doutor em arqueologia pelo Nautical Archaeology Program da Universidade do Texas (EUA). 

A história dos documentos, segundo ele, é a dos burocratas. A dos sítios arqueológicos subaquáticos, “fonte primária insubstituível”. A BTS, como a costa do Recife e Rio de Janeiro, é um polo de naufrágios. Isso tem explicação. A Baía que margeia Salvador na sua porção oeste e o Recôncavo Baiano ao leste foi a maior rota de produtos do Brasil Colonial. 

Os colonizadores buscavam estar à margem de ambientes seguros e navegáveis como baías. Isso porque tinham um modelo agroexportador e queriam tempo para se proteger de ataques. A BTS “favoreceu uma ocupação mais estável”, explica Caio Adan, historiador, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e coordenador do Centro de Estudos do Recôncavo.

A falta de preservação desse patrimônio soterra um passado que acontecia por intermédio das águas e que pode não ter sido contado. Os mergulhos começam um dia antes de o barco sair da costa. É preciso preparar o barco, combustível, cilindro e comida.


O investimento de uma saída de mergulho custa, em média, R$ 400 por pessoa. “Eu só posso falar que eu procuro, não posso dizer que achei”, brinca Mário Cortizo Andion, rebatizado popularmente como Mário Mukeka, 67, mergulhador, sobre os tesouros submersos que movem o imaginário de outros mergulhadores que descem cotidianamente à Baía.Como ninguém está oficialmente procurando, ninguém encontra, também oficialmente, nada. Moqueca é filho de piloto de avião, mas preferiu o mar. Isso depois de, em 1990, encontrar uma idosa, na Ladeira de São Bento, em Salvador, que o indicou a existência de centenas de moedas de ouro no mar de Amaralina. A praia está fora da Baía, que depois Mário conheceria de ponta a ponta. “Já mergulhei na BTS mais de cinco mil vezes”, calcula o mergulhador, que sempre viveu do mar, mas em atividades de guia Desde a infância, quando veraneava em Itaparica, ou no dia a dia, no Porto da Barra, Moqueca mergulhava sem equipamento para encontrar tesouros. “A busca de coisas do mar nunca me rendeu dinheiro, mas eu sempre trabalhei do mar”, diz Moqueca, que nunca encontrou as moedinhas douradas prometidas pela senhora desconhecida. “Todo mergulhador tem um pouco de pirata, mas a gente fala que não. Você está andando por aí, tropeça num baú antigo de ouro e vai procurar o dono?”, pergunta um mergulhador, que pediu para não ser identificado. Há mergulhadores que acreditam num mundo de riquezas ainda por desbravar.

O movimento das marés, assim como soterra naturalmente naufrágios, pode revelar outros, e sabe lá o que pode surgir. “Se alguém achou, está de bico calado, porque quem vai falar?”, pergunta outro mergulhador. A Marinha do Brasil respondeu que não há registro de roubo de patrimônio na BTS na Ouvidoria da Capitania dos Portos da Bahia sobre, nem projeto em andamento para preservação em sítio ou pedidos de exploração em sítios. A Marinha é responsável por fiscalizar e autorizar atividades de pesquisa e exploração. Um dos canais de comunicação dos mergulhadores e caçadores com as riquezas do mar são os pescadores. Quando lançam a rede no mar e o retorno levanta suspeita - por exemplo, se vem uma louça no lugar de um peixe -, eles ligam para mergulhadores conhecidos. Quem hoje mergulha no mar da BTS logo é avisado que, o que for encontrado no mar, lá deve ficar. “Antigamente, era muito aquele negócio de achar tesouro. Hoje a gente fala que temos que deixar tudo ali”, conta Marcos de Paula, dono de uma empresa de mergulho localizada no Comércio. A arqueologia da BTS pode ser visitada por não mergulhadores. Para isso, há duas possibilidades: um curso de uma semana, em que você sai habilitado para mergulhar em qualquer parte do mundo; ou um batismo, em que o professor dá indicações básicas para mergulhos de até 12 metros de profundidade. “Os naufrágios mais visitados são esses mais rasos. Temos aqui na BTS de quatro a nove metros de profundidade”, diz Marcos. Fora d’água, em Salvador, o público pode conhecer materiais retirados do mar no Museu de Etnologia e Arqueologia e no Museu Náutico da Bahia, na Barra, onde estão expostas cinco vitrines de artigos retirados do Galeão Sacramento, um navio que bateu no Banco de Santo Antônio e naufragou. Em novembro de 2020, , um passo foi dado para criar novos pontos de mergulho em naufrágios e incentivar o turismo náutico. Depois de quatro anos sem fazer a travessia Salvador-Itaparica (maior ilha da BTS), o ferry-boat Agenor Gordilho foi afundado. A ideia de criar afundamentos divide opiniões, mas existe um consenso entre os pesquisadores que estudaram invasões na BTS. Estruturas artificiais podem servir como focos de proliferação para espécies exóticas, explica Francisco Barros, oceanógrafo, doutor em Ecologia Marinha pela Universidade de Sidney e professor da UfbaNa foz do Rio Paraguaçu, pode estar soterrado um dos grandes afundamentos que se têm registro histórico na BTS. Foi o historiador José Góes quem apontou nesta direção: o navio holandês teria sido parado pela lama e afundou. “Muitas histórias deixam de ser contadas, por falta de uma maneira organizada. Como se reconstruirá essa história apagada?”, pergunta Carlos Caroso, antropólogo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Um dos desafios é fazer com que a cultura e natureza não estejam em confronto. “A BTS é um museu aberto”, diz Caroso. Mas, essas riquezas históricas vão muito além dos naufrágios. As bordas da Baía eram habitadas por tupinambás que também usufruíam da BTS - para pescar e se locomover. “O que é contado dessas histórias indígenas? Porque ainda pode existir muita coisa lá embaixo”, acredita Caroso.   

SAMBAQUIS
Os tupinambás viviam nos entornos da Baía e técnicas ainda hoje utilizadas por pescadores foram herdadas desse povo que tinha estreita relação com o mar. Uma delas é a camboa, armadilha de palhas de piaçava que, transformadas em esteiras, aprisionam o pescado. A materialidade dessas vivências está gravada na Baía por meio dos sambaquis, sítios arqueológicos construídos por populações pesqueiras que ocuparam ambientes costeiros entre 600 e sete mil anos atrás. “Os sambaquis são acúmulos de restos alimentares como conchas, ossos de peixes, frutos e sementes'', explica Carlos Costa, doutor em Arqueologia pela Universidade de Coimbra e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB). O arqueólogo Valentin Calderón identificou pelo menos quatro sambaquis na região da BTS. Depois, pesquisadores de universidades públicas identificaram mais quatro. Dos oito, apenas três foram escavados. Faltam pesquisas dedicadas a investigar esse outro lado da história. Não por falta de interesse, mas de  sambaquis, como em Periperi, Ilha de Cajaíba, Ilha das Vacas, dos Frades, Santo Amaro, Santiago do Iguape etc”, completa Costa. Mais descobertas sobre esses sambaquis, opina ele, "poderiam permitem saber um pouco do modo de vida das populações antes da ocupação colonial na Bahia". No futuro, os vestígios das vidas de quem vive nos entornos se misturarão mais uma vez à Baía.

*Reporter do Correio da Bahia.


domingo, 3 de setembro de 2023

Um Metrotrem para a RMS e Reconcavo


Paulo Ormindo de Azevedo*

É louvável a decisão corajosa do governador de sepultar o natimorto monotrilho suburbano e restabelecer a ligação ferroviária de Salvador com a RMS, o estado e o país. Este é o momento de pensar a Bahia num projeto de estado, de longa duração. É preciso restaurar a CPE de Rômulo Almeida e utilizar o arsenal cognitivo da UFBA e da UNEB em benefício do estado, com o abandono do achismo bem intencionado e imediatista que vem travando a Bahia há meio século. A Bahia só voltará a crescer com planejamento.

Aquela decisão viária, que exige definições imediatas, deve começar por aderir ao novo padrão ferroviário brasileiro com bitola larga ou mista para trens modernos. Opção que implica na revisão dos raios de curvas e eletrificação da linha. A bitola de 1,435 m, ou standard, é a mais utilizada no mundo, nos metrôs e Veículos Leves sobre Trilhos. Isso permitirá a adoção de um novo conceito viário, o “metrotrem”, com a integração do VLT, do metrô e do trem de passageiros e carga num mesmo sistema. 

Com isso poderíamos levar o metrô até Feira de Santana e Itaparica pela contra costa. Nos trilhos do VLT do Subúrbio, que deverá terminar no Comércio, poderá rodar nas madrugadas trens de carga chegando até o Porto de Salvador, exigindo apenas um viaduto na Calçada. Projeto que deverá também eliminar o gargalo de Cachoeira. Essa ferro-rodovia se desviaria em S. Amaro para a península do Iguape cruzando o Paraguaçu com uma pequena ponte baixa à montante do Estaleiro da Enseada, em S. Roque, para seguir pelo leito da antiga E.F. de Nazaré e se articular com Ferrovia Centro Atlântica em Cruz das Almas. Isto reduziria de 290 km para 120 km, o acesso terrestre à ilha e ao sul. 

Qual a vantagem dessa ferro-rodovia envolvente da BTS? Integrar com um metrotrem Salvador a Feira de Santana e a Itaparica, atender com ferrovia os centros industriais do CIA, Mataripe e Enseada, o hub-porto de Salinas da Margarida e os 19 terminais marítimos da BTS e transformar a BTS numa espécie de Riviera Francesa com seu imenso potencial turístico, histórico, cultural e esportivo. 

O hub-porto de Salinas no Canal de Itaparica, no centro da costa do país, com 23 m de calado em águas abrigadas, poderá receber os gigantes porta-contêineres e graneleiros atuais, e ligado à FIOL se transformar no terminal da ferrovia transcontinental sonhada por Vasco Neto, agora com um novo traçado chegando ao Pacífico em Arica, no Chile, a 17º S, integrando as redes ferroviárias do Chile, Peru, Bolívia, Paraguai e do Planalto Central Brasileiro e trazendo a produção mineral e de grãos desses países e industrial do Oriente para a costa leste americana e a Europa através da BTS. 

Os chineses adorariam trocar a ponte de weekend por essa ferrovia transcontinental, que seria a redenção da Bahia. “Livre pensar é só pensar”, Millôr Fernandes. 

*Professor Titular da Escola de Arquitetura da UFBa

SSA: A Tarde, de 03/09/2023 

terça-feira, 22 de agosto de 2023

Transformer city


Paulo Ormindo de Azevedo
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Quando meus netos tinham três ou quatro anos, um deles ganhou de aniversário um inocente carrinho e começou a empurrá-lo no chão. De repente tomou um susto e começou a chorar, o carrinho virou um androide intergaláctico misto de homem e máquina. Não queria aquele robot desengonçado, queria o carrinho. Meu filho tentava fazer o transformer voltar a carrinho, mas não conseguia. Só um primo adolescente viciado em seriados noir conseguiu, mas o carrinho já não rodava, e a criança não parava de chorar, queria o brinquedo.

Uma amiga minha que conheceu Salvador nos anos 70, em visita recente à cidade, não mais a reconheceu. A bucólica Estrada da Rainha vivou um terrapleno com passarelas altíssimas com formiguinhas tentando escalá-la para chegar ao outro lado da rua. O canteiro central arborizado da Av. Paralela virou estrada de ferro com obscenas estações de metrô, que o colega Fernando Peixoto demonstrou com fotos de drone que são tatus em suruba. 

As avenidas em memória de Orlando Gomes e ACM, o original, viraram subsolos de viadutos sem passeios nem ciclovias, um deles com direito a pilar no meio da pista e outro em forma de tobogã que atropelou dolosamente árvores frondosas e o homenageado. Salvador havia virado uma transformer city e não consegue mais voltar a ser a cidade que era, humana e bela.

Carlos Alberto Ferreira Braga, o grande Braguinha, que estudou arquitetura e amava a paisagem carioca e a boa arquitetura, a ponto de assumir o pseudônimo de João de Barro, autor do monumental samba-canção Copacabana, de 1947, interpretado com bossa por Dick Farney, também lamentava a transfiguração da bela avenida carioca em uma floresta de espigões cinza, sem brilho. 

“Copacabana, princesinha do mar/ Pelas manhãs tu és a vida a cantar/ E à tardinha, ao sol poente/ Deixas sempre uma saudade na gente/ Copacabana, o mar eterno cantor/ Ao te beijar, ficou perdido de amor/ E hoje vive a murmurar/ Só a ti Copacabana eu hei de amar.” Podemos dizer o mesmo da Baía de Todos os Santos, que com suas belas praias ornamenta Salvador e o nosso Recôncavo. 

Braguinha, pouco antes de morrer em 2021, entrevistado por uma TV sobre como ele via Copacabana depois dos 74 anos do seu hino famoso, ele disse: “De um lado está tudo igual, o mar e a paisagem marinha, do outro é irreconhecível, uma merda”. 

Nem o consolo da bela paisagem da Bahia de Todos os Santos nós teremos, se for chocado o ovo da terrível sucuri, ou anaconda de concreto, que pode matar por garrote e engolir a indefesa Ilha de Itaparica, cantada por João Ubaldo Ribeiro e a poeta maior do Mar Grande, Myriam Fraga. 

Ainda bem que os chineses e Lula, do projeto PAC-Ba, sabem que esta ponte de week end é ociosa e impagável e não querem jogar dinheiro fora.

* Arquiteto e Professor Titular da Ufba.

** Artigo publicado no jornal ATarde de 20/08/2023

terça-feira, 8 de agosto de 2023

Sobre a Ponte, sobre a Bahia

Mateus Oliva*

A Baía de Todos os Santos, capital da Amazônia Azul, é o palco para um projeto audacioso - uma ponte para conectar a movimentada Salvador à ilha de Itaparica. Este empreendimento é um labirinto de considerações complexas que exigem uma avaliação cuidadosa.

As pontes são símbolos notáveis de conexão e progresso humano. Não apenas unem geograficamente dois pontos, mas também representam a união de economias e povos. Muito melhor a ideia da construção de uma ponte do que a construção de muros, proliferados dada a crise de segurança pública na Bahia. No entanto, obras monumentais trazem consigo desafios técnicos, financeiros e ambientais.

Na Itália persiste um plano caro e malsucedido de construção de uma ponte sobre o Estreito de Messina, na Sicília. Desde os romanos, até os dias atuais, apesar de inúmeros e custosos estudos e tentativas, o projeto nunca se materializou. Ambição milenar fracassada. Em contraste, a “Golden Gate Bridge” na Baía de São Francisco, região abastada da Califórnia, tornou-se símbolo do progresso e harmonia entre a engenharia e o meio ambiente. No Brasil, a ponte Rio-Niterói, orgulho nacional, fechou um circuito viário continental em torno da Baía de Guanabara. A ponte foi construída com o interesse inglês. A longeva Rainha Elizabeth II veio à inauguração. Por trás de toda pompa estavam a siderurgia e o capital ingleses. Ficou o Brasil com o orgulho e a dívida externa de uma obra que custou mais de 300% do que o orçado. O Rio não é uma metrópole desenvolvida.

A Bahia tem riquezas e polos de excelência, tem também extrema pobreza e carência de infraestruturas básicas. A necessidade de conexão intermodal entre polos produtivos e os mercados intra e internacionais é gritante. Setores econômicos, desde o tecnológico e produtivo agronegócio, a geração das energias renováveis éolica e solar, as cadeias industriais verticalizadas, até os vastos recursos minerais, entre outros, clamam por uma infraestrutura intermodal conectada.

A construção da ponte Salvador-Itaparica, embora seja uma ideia sedutora, tem um efeito de tunelamento. Concentra-se na conexão de apenas dois pontos através de modal único. É essencial que o Estado promova os investimentos nas conexões ferro-rodo-portuárias e assim equilibre, com sustentabilidade, o desenvolvimento das regiões.

É temível que a ponte intensifique o fluxo rodoviário para Salvador. A população ao sul buscará serviços de educação, hospitalidade e saúde oferecidos na capital. A península afunilada, de topografia irregular, congestionada e densamente povoada, terá os desafios de mobilidade urbana amplificados. É certo que não será um alívio de tensões. É incerto que a construção da ponte seja prioridade para elevar o Índice de Desenvolvimento Humano na Bahia.

*Matheus Oliva - Empreendedor

** Artigo publicado no jornal Correio da Bahia, edição do dia 8/08/2023

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Viva Kirimurê

Vicente Antonio*

Que cenário ideal de se falar e pensar a cidade da Bahia, a capital da Bahia, Salvador, envolta em uma massa de oceano e mar, ao lado DO TRÊS MARIAS ícone  deste museu e pedra  fundamental da epopeia  das navegações oceânicas do navegador moderno Aleixo Belov. Aqui, vindo de longe chegou primeiro Américo Vespúcio em 1501, como cartógrafo da expedição de Gaspar Lemos descobrindo Kirimurê, na linguagem Tupinambá e relatando ao Rei D Manuel I, o Venturoso,  que é aqui que deve começar  o Brasil, o novo Mundo e 48 anos depois chega Tomé de Souza para fundar esta encantadora cidade que hoje em pleno século 21,  teima em se modernizar, continuando  humana, atraindo navegadores de mar e das artes de todas as partes do mundo. O navegador florentino Vespúcio veio descobrir Kirimurê, Aleixo Belov, saindo de Kirimurê  fez viagens transatlânticas que deixariam Colombo, Vespúcio e Cabral abismados. A rota  da segunda viagem em solitário é impressionante. Sai de Salvador, rumo norte, atravessa o canal do Panamá,  cruza o pacífico,  chega à Austrália, passando por Galápagos, Tahiti, daí ruma para a Índia, sobe o mar Vermelho, atravessa o Canal de Suez, chega ao Mediterrâneo, faz uma estada em Chipre, para em Busca das Raízes, ir de avião à Moscou, depois a Karcov na Ucrania, matar a saudade de sua aldeia rural MEREFA, a 40 km  de trem de Karcov. Pisou no chão pela 1ª vez de sua terra natal, que havia saído com sete meses há 44 anos atrás(1987). Depois de 53 dias em terra pega de volta o TRES MARIAS  navegando pelo mediterrâneo, estreito de Gilbraltar e finalmente o destino ansioso do BRASIL, Rio de Janeiro e finalmente Salvador, KIRIMURÊ. 

O historiador, ensaista literário, biógrafo e urbanista utópico, Lourenço Mueller, narra em crônicas curtas e abrangentes tudo o que pôde falar de Kirimurê, da cidade da Bahia (Salvador), do Comandante Belov e de si mesmo. 

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“São 145 páginas divididas em duas partes. A primeira é composta por 26 capítulos que transportam o leitor para um universo repleto de peculiaridades, como o "baianês", a música, a culinária, a capoeira e a arquitetura colonial e barroca do Brasil. A segunda parte é um ensaio futurístico com reflexões filosóficas, proporcionando uma experiência literária rica e abrangente” - Lourenço Mueller.
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*Vicente Antonio - vindo do Cariri paraibano, onde o mar virou sertão,  aqui se fixou, neste promontório historico fortificado, banhando-se cotidianamente em Kirimurê.

terça-feira, 25 de julho de 2023

Kirimure, histórias da baía de todos os Santos.

 


Kirimure tem o nome cristão de todos os santos, mas esconde demônios verde-azulados e personagens insólitos nos lugares que margeiam seu Mar, com maiúscula, sempre... Descubra esses mistérios, neles se inspire para se entreter, aprender ou refletir, sonhar ou se indignar e, quem sabe, encontrar soluções para muitas doenças da alma da cidade da Bahia, mãe ou filha desse grande Mar Interior. Você já esteve diante de um tubarão-martelo? É amigo de um grande navegador? Já deu uma rasteira num paulista? Já leu Amado, Rosa ou Ubaldo? Já quase morreu onze vezes? Ou pensou que poderia morar numa cidade ideal, criada em função de você? Há um jeito... Já ouviu falar sobre ele e ela? Você precisa entender agora os moradores desta Terra e deste Mar…”


Lourenço Mueller lança no dia 1 de agosto, a partir das 16h, no Museu do Mar Aleixo Belov (Santo Antônio Além do Carmo), o seu terceiro livro,  
"Viva Kirimure: Histórias da Baía de Todos os Santos
.Lourenço Mueller atuou como escritor (teve três romances publicados), artista plástico (exposições em que mistura telas de temas urbanos com poesias, frases e espelhos) é mergulhador, capoeirista e nadador. Realizou mestrado em ciências sociais, doutorado em arquitetura e urbanismo pela UFBA e especializações na França e na Colômbia. Trabalhou no governo do estado da Bahia (IPAC, CIA, SIC, CONDER) e foi consultor em planejamento urbano, municipal e metropolitano. Fez conferências em encontros técnicos em Salvador e outras capitais. Ensinou na UFBA e na FACS, teve projetos arquitetônicos e urbanísticos construídos na capital e no interior e premiações nas áreas de arquitetura, jornalismo e marketing empresarial. O autor tem artigos técnicos publicados em anais de congressos, revistas e jornais e é articulista permanente do jornal A Tarde, onde escreve sobre diversos temas e promoveu ciclismo e ativismo na cidade e região. Após a criação da Fundação Aleixo Belov, foi convidado para presidi-la (2019). Em 2017, criou o 'Cibergrupo Kirimure', uma networking para discutir e apresentar propostas de economia criativa e desenvolvimento sustentável para a Baía de Todos os Santos.n