Paulo Fábio Dantas*
Como frisei no artigo anterior, nos anos 70 a autonomia municipal não havia chegado à agenda política de Salvador. Na década seguinte deu-se o oposto. Em 1982 o PMDB elegeu 26 dos 33 vereadores. E a uma Câmara renovada antepôs-se a indicação de Manoel Castro, técnico e político do grupo carlista, ao cargo de prefeito. A autonomia política tornou-se senha política crucial.
Poucos prefeitos poderiam alegar, com tanta propriedade quanto Castro, terem recebido uma herança maldita. Tanto pela descontinuidade administrativa (nos seis anos anteriores quatro prefeitos nomeados) como pela sangria de recursos, via subsídios da prefeitura às empresas de ônibus, adotados após o "quebra-quebra" de 1981. Contrariando expectativas, não houve colapso administrativo. A bancada do PMDB influía e ajudou a manter Salvador em equilíbrio instável. Por exemplo, uma concepção planificadora da gestão urbana uniu Legislativo e Executivo e a cidade ganhou legislação urbanística e de planejamento participativo. Já o problema tributário, politicamente congelado desde Jorge Hage, não teve fluência na agenda de Castro com a oposição, centrada basicamente no explosivo problema dos transportes coletivos. O horizonte da eleição direta do prefeito (marcada para 1985) não permitia cumplicidade da Câmara com o Executivo para melhorar a receita. O impasse tributário se agravava, mormente o do IPTU que, como hoje, não tinha sua base de cálculo atualizada há mais de dez anos.
A prefeitura preparou e apresentou à liderança legislativa uma revisão no Valor Unitário Padrão do IPTU. Perante sinais públicos da proposta, manifestaram-se forças sociais análogas às das épocas de ACM e Jorge Hage. A resistência não tinha cor partidária - mas sim força econômica e prestígio social -, daí ter imobilizado apoios na Câmara e no governo estadual. Faltava, ao Executivo, legitimidade para converter seus planos numa campanha. A proposta tinha opositores nas hostes que seriam sua própria base política. Castro teve de recuar e embora a bandeira da autonomia ocupasse lugar central na agenda política, não se buscou mais alterar o status quo tributário até os anos 90.
Com Lídice da Mata, então no PSDB, a esquerda não petista chegou, em 1992, à prefeitura, não só, mas, principalmente, pelo impacto eleitoral do impeachment de Collor. Em fins de 93, contrariando seu partido, a prefeita apoiou Lula, contra FHC. A dissidência tucana na Bahia foi a brecha pela qual ACM, governador aliado ao governo federal, moveu, com êxito, um cerco ao governo municipal.
A prefeita não contava com boa vontade e confiança de grupos econômicos e sociais conservadores. A maioria governista na Câmara, além de numericamente escassa, era circunstancial e parcialmente sensível a esses interesses. Contando, ainda, com a hostilidade do governo estadual, parecia inexistir condição política para mudanças no status quo tributário. Mas enquanto teve, até 1993, cobertura do governo federal, Lídice conseguiu encaminhar a questão a partir de onde Manoel Castro tivera que estancar. A Câmara aprovou - para vigorar desde 1994 - uma revisão gradativa do VUP, que diluiria, anualmente, os impactos da correção. Duas diferenças em relação à atual política do prefeito ACM Neto: impacto mais moderado e dependência de aprovação legislativa para os ajustes anuais posteriores. Esse ponto viabilizou a política no primeiro ano e a inviabilizou nos subsequentes. Como se sabe, a de 1994 foi a última revisão que a prefeitura pôde fazer na base de cálculo do IPTU.
A política tributária de Lídice teve solução de continuidade quando, após o alinhamento político para as eleições de 94, não mais teve o aval da Câmara para reajustes anuais, no que contribuíram a atuação do PT na comissão de finanças e o combate público do governador ACM. Mas antes de tudo passou a faltar à prefeita respaldo político externo para seguir compensando, no Legislativo, a influência ali exercida por atores empresariais de antiga militância contra tributos em Salvador.
*Cientista Político
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