segunda-feira, 28 de abril de 2014

E o “guayacán” voltou a florir...


Paulo Ormindo de Azevedo*
Era uma vez uma cidade chamada Guayacán dominada por um barão perverso, sétimo homem mais rico do mundo e dono de 80 % do comercio mundial de sonhos e pesadelos. Grande parte de seus habitantes eram mulas, que transportavam sonhos pesados como chumbo. Sua lei era “plata o plomo” - dinheiro ou chumbo - e com isso ele controlava juízes, legisladores, governantes e cidadãos. Três candidatos a presidentes de seu país e milhares de mulas suspeitas e rivais foram mortos por ele. Em 1991 o número de homicídios por cem mil na cidade era de 381. Dois anos depois a cidade se revoltou e o matou, mas continuou dominada pelo barão de uma cidade vizinha. A partir de 2004 esta “Sin City” começou a mudar, quando o irmão do governador do estado, sequestrado e morto um ano antes, resolveu assumir a luta e mudar o estado e a cidade. O guayacán, o nosso ipê amarelo, voltou a colorir os tetos de zinco da grande favela. 
Esta não é mais uma fabula cruel com final feliz, é uma historia real. Guayacán é o símbolo de Medelín, na Colômbia, e o barão era Pablo Escobar. Em 2007 a taxa de homicídios despencou para 34 e o índice de alfabetização subiu para 96,65%. Medelín conseguiu isto rompendo a segregação sócio-espacial com um inovador sistema de metrô, BRT, teleféricos e escadas rolantes, que chega aos pontos mais isolados da cidade. Ali foram instaladas bibliotecas-parques, escolas e museus de primeiro mundo, e não meias-solas, onde se faz a inclusão social. 
Há três semanas, pessoas vindas de todos os cantos do mundo vieram conhecer o milagre de Medelín. O prefeito Aníbal Gaviria(48) e seu parceiro nesta luta, o governador da província de Antioquia Sergio Fajardo, se juntaram ao premio Nobel de economia Joseph Stiglitz, ao Dr. Joan Clós, diretor executivo do Habitat e ao ex-prefeito de Nova York, o bilionário Michael Blomberg para divulgarem para o mundo o que aconteceu na cidade, no VII Fórum Urbano Mundial, da ONU-Habitat. Uma dezena dos maiores profissionais e teóricos do urbanismo foi convidada a avaliar criticamente a experiência de Medelín. 
Prefeitos, entre os quais a nossa vice, empresários, diretores de fundações e ongs, lideres sociais e tribais e técnicos, como este escriba representando o CAU/BR, discutiram o futuro das cidades em mesas redondas e diálogos. O tema central era Equidade Urbana no Desenvolvimento de Cidades para a Vida. Dentro deste marco foram discutidos os efeitos das mudanças climáticas; o processo acelerado de urbanização que transformou nossas cidades em favelões; a crescente segregação sócio-espacial com barreiras físicas e sociais, a mobilidade urbana e a inclusão social para combate à violência. 
A escolha de Medellín não foi por acaso, a cidade acaba de ganhar o concurso City of the Year, organizado pelo The Wall Steet Journal, como a cidade mais criativa do mundo. Este milagre se deve a inclusão social realizada pelas empresas publicas Desarrollo Urbano e Transporte Masivo del Valle de Aburrá, da mais alta qualificação e eficiência voltadas para o social. O premio Nobel Stiglitz sintetizou a experiência: “O que me agrada em Medelín é que se está focando o conceito de dignidade, ao criar espaços atrativos e fazer as pessoas se sentirem bem. Não é apenas uma luta pela sobrevivência, é uma aposta no brilhantismo”.
O prefeito Gaviria é um administrador formado em Harvard. O governador Sergio Fajardo é professor universitário e ex-diretor do Centro de Ciência e Tecnologia de Antioquia. É uma pena que nossos secretários de planejamento estadual e municipal não estivessem presentes para se contaminar com Medelín como fizeram 20.000 administradores e técnicos de todo o mundo. 
Apesar de sermos a 13ª cidade mais violenta do mundo, a experiência de Medelín nos renova a esperança. Mas para isto temos que apostar na reconstrução do setor público, no planejamento com foco no social, na inteligência e criatividade de nossos cidadãos. Não podemos continuar a licitar projetos apócrifos pelo menor preço. Temos que respeitar a dignidade do nosso povo.


* Professor Titular de Arquitetura da UFBa
SSA: A Tarde, 27/04/14

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