domingo, 7 de dezembro de 2014

A morte do minhocão

Paulo Ormindo de Azevedo
O minhocão emerge das aguas do Velho Chico apavorando pescadores e ribeirinhos, como o monstro do lago Ness. Em 2003 o governo da Escócia determinou a morte do monstro que não passava de uma farsa. O minhocão-farsa de São Paulo, que apavora urbanistas e moradores, porque liga um congestionamento a outro e deteriora a vizinhança, acaba de ser condenado à morte pela Câmara de Vereadores (Estadão, 27pp,). Proposto ao prefeito Faria Lima em 1968, este preferiu investir no metrô. Mas Maluf para se exibir não só o realiza, como o alonga até Perdizes, em 1970. Por esta e outras maracutaias Maluf foi condenado a devolver um montão de dinheiro à prefeitura.
O minhocão de São Paulo não é o único. Recentemente foi implodido um trecho do Elevado Perimetral no centro do Rio para valorizar a área e viabilizar o Porto Maravilha. Outros não precisaram ser demolidos, simplesmente caíram ou estão interditados em Belo Horizonte e Cuiabá. Os americanos foram os primeiros a desativar esses monstrengos rodoviários e transformar seus espaços em parques. O primeiro deles, o Drive Harbor em Portland, é de 1974. Outro exemplo é o chamado Pier Freeway, em San Francisco, que foi transformado em parque em 1991, depois que o terremoto de 1989 o destruiu parcialmente e o transito melhorou. A iniciativa se repete em Nova York, Boston, Seattle, Toronto e Quebec. O mesmo está ocorrendo na Europa, em Madrid, Barcelona, Paris, Lyon e Nanterre. Mas o mais espetacular ocorreu em 2003 em Seul onde um minhocão foi demolido e desenterrado o rio Cheonggyencheon, (foto) criando-se um parque aquático.
Na Bahia, onde as inovações tardam até 40 anos, continuamos a fazer minhocões e recobrir rios, como o Complexo 2 de Julho, a Via Expressa, a nova Vasco da Gama e os dois elevados e canal do Imbuí. Os dois quilométricos minhocões poderiam ser reduzidos a uma simples tesourinha de Brasília. Estas obras superdimensionadas para hiperfaturar só servem para engordar as empreiteiras e criar a demanda induzida que promove o aumento do trafego. Quem duvidar vá a Lauro de Freitas no final de semana ou à Rótula do Abacaxi no final da tarde. Os viadutos e a rotula estão travados. A qualidade dessas obras não honra a engenharia baiana. Um erro de locação exigiu que fossem feitos quatro tuneis em vez de dois na Soledade. Catorze viadutos não resolveram o Abacaxi que alaga quando chove. A chegada da Via Expressa ao Cabula não foi resolvida. O viaduto Dona Canô, que deveria ter duas mãos, foi reduzido a mão única para não engarrafar.
Essas não são vias urbanas, senão obras rodoviárias de péssima qualidade. Não há passeios, paradas de ônibus, faixa para ciclistas, arborização nem sinalização. É praticamente impossível transpor a Via Expressa ou a Paralela. Rodovias urbanas e passarelas induzem os motoristas a trafegarem no limite de velocidade de 70 e 80 km/h. Em Nova York a velocidade máxima agora permitida é de 40 km/h pois acima dessa velocidade um atropelo ou esbarro em uma bicicleta ou moto é fatal. O que adianta correr se mais adiante o transito não passa de 15 km/h.? A solução é o planejamento público, competente e isento, que não seja os projetos carimbados das empreiteiras ficha-sujas.
SSA: A Tarde de 7/12/14

Voando sobre a Baía de Todos os Santos

Eduardo Atayde*
Se a ponte Salvador-Itaparica vai ser construída, ainda não sabemos, mas os debates estão na ordem do dia. Liderando as ações, o governo do estado acendeu o maçarico contratando a empresa internacional de consultoria McKinsey, referência no mundo, para fazer levantamentos sócio-econométricos a fim de lastrear o planejamento sobre a área de influência econômica da Baía de Todos os Santos (BTS), que vai muito além da área molhada.
A BTS é uma Área de Proteção Ambiental (APA) de uso sustentável, estabelecida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985). Na prática, as APAs parecem funcionar hoje como carros velhos em museus, serviram no passado mas não atendem mais a realidade corrente. A BTS, que começa a sofrer as dores do crescimento com a visibilidade internacional como berço da civilização de uma das maiores economias do mundo, precisa avançar com inteligência nova para garantir a sua preservação - uma imperiosa necessidade - transformando-a em PIB sustentável.
Pressionada por crescentes empreendimentos que esbarram nos emaranhados de legislações de três níveis (federal, estadual e municipal), e submetida a burocracias trinas, licenças múltiplas, preservações e impactos, direitos, deveres e judicializações - a bela baía está em crise. Especialistas em sobrepujar crises, os japoneses usam dois ideogramas para traduzir esta palavra: perigo e oportunidade. Desenvolver-se sustentavelmente é o único caminho para a baía ameaçada.
Vultosos investimentos como a ponte, o estaleiro do Paraguaçu, a ampliação da Refinaria Landulfo Alves, o terminal de desgaseificação da Petrobras, novos portos privados, ampliação dos velhos portos e o despertar para investimentos imobiliários e suas marinas, com dinheiros de fundos internacionais - precisam estar submetidos a um plano global de gestão da BTS guiados pelos princípios da sustentabilidade de resultados, com monitoramentos de última geração, como fazem baías ao redor do mundo, visando manter a qualidade do ambiente que serve a todos, especialmente à população.
A Agência de Gestão da BTS, proposta ao governo do estado pela Associação Comercial da Bahia e o Rotary BTS, volta à ordem do dia. Sem governança inovada e parceria público-privada, já experimentada em outras baías do mundo, o custo do desenvolvimento da BTS será cada vez maior. Princípios da sustentabilidade de resultados revelam que, dentre todos, o custo da ignorância é o mais pesado.
Apostando no incremento da qualidade dos transportes na baía e nos incentivos de R$ 7,3 bilhões do governo federal para aviação regional, o Rotary BTS abre uma nova proposta: aviões anfíbios partindo do Forte de São Marcelo ou da Ribeira (como antigamente), voando sobre a BTS e pousando em Pedra do Cavalo, Feira de Santana. Voos diários de 20 minutos de duração entre Feira e Salvador ficarão lotados, afirmam potenciais usuários consultados, indicando outras localidades como Itaparica, Paraguaçu, Morro de São Paulo e Boipeba, a serem servidas.
* Eduardo Athayde é diretor da ACB e do Rotary BTS

sábado, 6 de dezembro de 2014

A Casa do Rio Vermelho, abrigo da baianidade

Aninha Franco*
Um amigo, recentemente, descobriu um prazer que alguns de nós desfrutamos de nascença, quando participou da festa de aniversário da esposa de um pescador na Casa de Yá. Ele assistiu à baianidade legítima. Para desfrutá-la e, mesmo, para entendê-la, é preciso dispor de sentidos sensíveis, como os mencionados por Bilac em sua relação com as estrelas. “Amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvidos capaz de ouvir e de entender estrelas”. Nem todos merecem isso. 
Daí, então, há humanos nascidos na Bahia que negam ou renegam a baianidade. E nascer na Bahia não é condição essencial para entender ou criar baianidade. O argentino Carybé (1911-1997) só chegou aqui para tornar-se baiano de nascença em 1938, e se foi dentro do Axé Opô Afonjá, fulminado por um infarto, lamentando com baianidade: “Me fodi!”.
 Os primeiros registros da baianidade são de Gregório de Mattos (1636-1696), poeta padroeiro dos pensadores baianos que, advirto, só foi publicado na íntegra em 1968, levando o responsável, Luiz Henrique Dias Tavares, à prisão pela publicação dos inéditos, e causando a fuga de James Amado, seu organizador, para evitar a prisão. Abalaram a colônia!
 Porque a baianidade sempre foi combatida pela mentalidade colonial, pelo eurocentrismo, pelo socialismo arcaico, esse parasita que enramou nas pedras do Muro de Berlim, caído em 1989. Para combatê-los, a poesia de Luiz Gama (1830-1882), as obras de Manuel Querino (1851-1923) e Edson Carneiro (1912-1972). Querino, de uma importância que a Bahia e o Brasil ainda não dimensionaram. E, da década de 1910, poucos anos depois do golpe republicano, Jorge Amado (1912-2001), Dorival Caymmi (1914-2008) e Carybé, agentes da baianidade do século 20, predecessores de Maria Bethânia, Glauber Rocha, Roberto Mendes, Waly Salomão, Antônio Risério, Gerônimo e Ildázio Tavares, e alguns outros felizes, capazes de entender, amar e defender a baianidade.
 Até os anos 1970, essa baianidade que está nos textos, na música, nas artes visuais e no cinema era plena e visível nas festas de largo iniciadas em 4 de dezembro e finalizadas no Carnaval, no próprio Carnaval do Centro Histórico, nos Mercados e no cotidiano da cidade e do Recôncavo. Nos anos 1980, a Bahia soterrou quilos de baianidade com o péssimo gosto de seus habitantes, ocupantes de uma Miami soteropolitana, distantes dos patrimônios mais preciosos do território.
 A Baía de hoje está feia. Falta-lhe o charme sedutor de suas festas, de seu carnaval popular, de sua arquitetura, de suas criações artísticas, mas reações como A Casa de Jorge Amado, pensada e realizada por Gringo Cardia, chega neste momento estéril para mostrar a beleza da baianidade vista e escrita por Amado, e cantada por seus adoráveis companheiros de barco, Caymmi, Carybé e Calazans, reagindo àqueles que por não terem sentidos para amar e ouvir a baianidade, tentam boicotá-la com as ferramentas enferrujadas, às vezes com dinheiro público, da mentalidade colonial.  
*Escritora e dramaturga
** Artigo originalmente publicado no site Bahia Notícias

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A cidade e o porto

Osvaldo Campos Magalhães*
Quando os portugueses localizaram no dia primeiro de novembro de 1501 a enorme “Kirimurê”, ou grande mar, na língua tupinambá, com águas profundas e abrigadas, 1.233 km² de área e 300 km de contorno litorâneo, logo escolheram o local como porto natural e local adequado para a construção da primeira grande metrópole lusitana no novo continente.
O porto cresceu e antes do surgimento dos navios a vapor e da construção do canal de Suez chegou a ser o mais movimentado do hemisfério Sul. A cidade do Salvador, acompanhando o crescimento do seu porto, também cresceu e se desenvolveu como grande centro logístico, comercial e político, tornando-se a primeira capital do Brasil.
O porto natural se constituiu em porto organizado e através de uma concessão pública, datada do final do século XIX, foi ampliado com o aterro de extensa área que expandiu o bairro do Comércio e possibilitou a construção de armazéns e retro áreas para armazenagem de cargas.
A modernização das embarcações, a transferência da capital para o Rio de Janeiro e as construções dos canais do Suez e Panamá contribuíram para a perda de importância econômica e comercial do porto e da cidade, que passa a crescer em direção ao litoral norte e literalmente, dá as costas para seu porto.
Apesar de representar uma das principais atividades econômicas e geradoras de emprego numa cidade sem atividades industriais relevantes, o porto nunca recebeu a importância que merece por parte das administrações municipais e estaduais que se sucederam nos últimos 50 anos, chegando-se ao absurdo de se propor a desativação do porto para a movimentação de cargas, proposta apresentada pelo representante da prefeitura de Salvador durante o Seminário “Agenda Bahia”, realizada na Fieb esta semana, que tratou do Turismo Sustentável.
Esta proposta não leva em conta a enorme importância econômica do porto para a cidade e todo o estado da Bahia e que é perfeitamente conciliável a manutenção da atividade operacional no porto, com ênfase nas operações de contêineres e trigo, e a revitalização de áreas do porto para o turismo e lazer.
Desconhece também a existência de um contrato de concessão entre o porto e a empresa TECON, responsável pela operação de contêineres, que tem longo prazo de vigência e enorme relevância econômica.
Quem conhece algumas cidades portuárias e turísticas como Barcelona (foto), Buenos Aires e Hamburgo, sabe que a atividade portuária é vital para a economia destas cidades e que é perfeitamente conciliável a operação portuária e a atividade turística, em áreas do porto que podem ser revitalizadas e expandidas. ( na foto abaixo, área do porto de Salvador que poderia ser destinada ao turismo e lazer)
Lembremos que a atual legislação portuária brasileira permite ao município assumir a gestão do porto, como se verifica nos principais portos europeus e como já ocorre, com sucesso no Brasil, mais especificamente em Itajaí, Santa Catarina.
Um dos principais fatores da decadência do porto de Salvador está justamente no desconhecimento por parte do Governo da Bahia e da Prefeitura de Salvador do enorme potencial econômico representado pela atividade portuária. Enquanto a administração dos nossos portos está ainda vinculada à administração federal e subordinada ao loteamento político dos cargos de direção da Codeba, os estados de Pernambuco e Ceará colocaram a atividade portuária como estratégica para o desenvolvimento, constituíram enxutas e eficientes empresas estatais que construíram os complexos portuários de Suape e Pecém, fatores de atração de novos empreendimentos industriais para aqueles estados e importantes vetores do crescimento da economia nordestina.
Ao invés de propor a desativação do porto, a Prefeitura de Salvador deveria reivindicar e assumir a concessão do mesmo, colocando a atividade portuária como estratégica para o desenvolvimento econômico da cidade.

*Engenheiro e Mestre em Administração, é membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB e do Conselho de Administração da Codeba.

O futuro das cidades

George Humbert*
Oportuna e merecedora de elogios a temática eleita pelo CORREIO para nortear o seminário Agenda Bahia 2014, evento que já se tornou dos mais relevantes para o debate das políticas públicas e soluções para o desenvolvimento sustentável do nosso estado. Isto porque, sabe-se, desde a polis grega, que é nesses espaços em comunidade que o homem, um ser inexoravelmente social, vai obter aquilo que lhe é inato: a vida feliz.
Contudo, o que se assiste nos dias atuais nos grandes centros urbanos, onde se perfazem as cidades modernas e a densidade demográfica, é uma gestão aleatória, não planejada, com baixa densidade e qualidade da participação popular e, o que é mais grave, sem o devido cuidado ao meio ambiente em seus aspectos não só naturais, mas, sobretudo, os artificiais e culturais. A solução parece que está na ação do binômio poder público–cidadão. Cada um desses atores precisa fazer sua parte.
Não por outra razão, desde 2006, até os dias atuais, tenho pesquisado o tema. Inicialmente, desenvolvi o tema da Função Ambiental da Propriedade Imóvel Urbana, no âmbito da área de concentração política ambiental e urbana na Constituição, do mestrado em Direito do estado da PUC-SP, cuja conclusão é que todo ato jurídico inerente a propriedade, como  usar, gozar e dispor, a desapropriação e outros, pressupõe, por princípio, o devido cumprimento de deveres de preservação ambiental pelo proprietário e pelo poder público, no âmbito dos atos do legislativo, do executivo e do próprio judiciário.
Em seguida, já no curso do doutorado pela mesma instituição, deu continuidade à linha de pesquisa, defendendo O Conteúdo Jurídico da Função Social das Cidades, concluindo que as áreas urbanas, conforme preceito constitucional, a finalidade precípua de ofertar moradia, trabalho, lazer, saneamento, cultura, saúde, mobilidade, circulação e transporte, segurança, pelo que os atos dos gestores públicos devem, a priori, tender ao cumprimento desses direitos sociais do cidadão, a fim de manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Agora, coordeno dois projetos de pesquisa, um na Faculdade de Direito da Unifacs e outro na Unijorge, em que,  juntamente com alunos pesquisadores, visa-se apresentar soluções jurídicas para as cidades socialmente justas, economicamente potencializadas e ecologicamente correta, com primeiros resultados previstos para este final de ano.  
Já no poder público, diversos atos merecem destaque. Na esfera do legislativo, a partir de 2001, assistimos um círculo de produções em prol do futuro das cidades, como as leis federais do Estatuto das Cidades (10.257/01), do Saneamento, da mobilidade urbana, da política de resíduos sólidos. No âmbito do executivo, merece destaque a instalação dos conselhos das cidades. No judiciário, diversas são as decisões que determinam que as autoridades competentes cumpram as obrigações de gestão democrática, planejamento e concretização das funções sociais da propriedade e das cidades. 
Nesse contexto, cabe a cada cidadão, à sociedade civil organizada, à OAB, aos partidos políticos e ao Ministério Público fiscalizar e zelar para que  isso não fique apenas no papel, como ainda ocorre em grande medida, através do voto, das manifestações, da participação em colegiados e da propositura de ações garantias, como a ação popular, o mandado de segurança, o mandado de injunção,  a ação civil pública e as ações de controle concentrado de constitucionalidade. Por isso, o futuro das cidades é agora, é obrigação de cada um de nós, e o Correio*, com o Agenda Bahia, mais uma vez, salta na frente num processo que deve ser permanente, multifocado e transversal, para que se possa desfrutar do bem-estar e uma vida digna nas feliz cidades.
* Georges Humbert é advogado, doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, é professor adjunto da faculdade de Direito da UniJorge e da Unifacs. www.humbert.com.br

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Morador deveria fazer tudo o que precisa a pé

Thais Borges (thais.borges@redebahia.com.br




Imagine se tudo o que você precisasse em sua vida - o local de trabalho, a escola das crianças, o mercado, a farmácia, o banco... - ficasse tão perto de sua casa que você não precisasse ter carro. Parece muito distante da realidade?
Mas isso não é impossível. Na verdade, já acontece em outros lugares do mundo, como Freiburg, na Alemanha, apontada por estudiosos como a cidade mais sustentável do planeta. Foi esse o exemplo apresentado ontem pelo especialista alemão Steffen Ries, gerente da Academia de Inovação de Freiburg, no Fórum Agenda Bahia. 
“Se as pessoas vivem sem um carro, temos o conceito de ‘walkable city’ (em inglês, ‘cidade caminhável’). A ideia é que as pessoas possam andar curtas distâncias e que tudo que é necessário para sua rotina diária esteja perto delas”, explicou Ries.
Bairro caminhável
 Apesar de isso ser uma tendência em toda Freiburg, é no bairro de Vauban que o uso do carro é ainda mais raro. No local que já foi uma área militar na Segunda Guerra Mundial,  hoje moram cerca de cinco mil pessoas. Os carros podem trafegar em Vauban, no entanto, quem tiver seu próprio automóvel não pode estacionar em frente a sua casa, por exemplo. O morador só tem autorização para comprar o carro se pagar R$ 70 mil por uma vaga de estacionamento.  “Isso acaba desestimulando as pessoas, porque o preço da vaga é praticamente o preço de um carro”. O resultado é uma comunidade que ocupa as ruas da cidade. “Lá, as ruas não pertencem aos carros. Elas pertencem às crianças, que podem brincar em segurança, porque sabem que não vai passar um carro daqui a um minuto. O próximo carro só vai passar daqui a uma hora.  Por conta disso, as pessoas têm mais qualidade de vida, as ruas também são menos barulhentas e o ar é menos poluído”.

E se alguém quiser ir ao centro de Freiburg, é só pegar o trem: também dá para chegar a pé na estação, já que todo o bairro tem uma área aproximada de 2,5 km². 
Longo prazo 
Mas nada disso começou de uma hora para outra. Freiburg tem uma história de desenvolvimento sustentável que começou há cerca de 40 anos, quando sua população impediu a instalação de uma usina nuclear. “E ainda há muito a ser feito”, garantiu Ries.  
Hoje, a maior parte da população usa bicicleta ou transporte público. No ano passado, segundo Steffen Ries, foram cerca de 75 mil viagens no sistema de transporte público em Freiburg - que tem 240 mil habitantes. Em Salvador, com pouco mais de 2,8 milhões de habitantes, foram 45 mil viagens.  “É preciso tornar o transporte público em Salvador mais seguro, mais fácil e especialmente mais rápido, para que as pessoas cogitem usá-lo”.

Pontos caminháveis estimulam a competitividade
Seguir o caminho de casa para o trabalho – ou qualquer outro ponto de diversão ou desenvolvimento de atividade -  sem precisar usar carro ou qualquer outro veículo de transporte público. Esse conceito de urbanismo chamado “caminhável” foi apresentado ontem,  no Fórum Agenda Bahia,  pelo presidente da Green Mobility, consultoria de projetos internacionais de mobilidade urbana e de desenvolvimento sustentável, Lincon Paiva. 
Pesquisa realizada pela  George Washington University, apresentada por Paiva, revela que as melhores cidades para viver nos EUA são aquelas que têm maior índice de WalkUp. 
 Eles identificaram e estudaram 558 pontos caminháveis nos EUA – sendo 66 em Nova York. Estas áreas geralmente correspondem por 1% da área metropolitana, mas geram 48% da riqueza produzida. “Produzir áreas caminháveis e dentro das cidades significa desenvolvimento. O urbanismo caminhável trabalha em sinergia com o desenvolvimento”, ressalta.  
Para Paiva, municípios como Salvador podem seguir os exemplos de outras cidades ao instituir esse tipo de urbanismo. Ele apresentou  ainda o exemplo do município de Afuá , no noroeste da Ilha de Marajó, no estado do Pará, onde é proibido por lei ter carro e moto.  A cidade tem 34 mil habitantes, sendo que sete mil vivem na zona urbana. “Na cidade o aeroporto, além de aviões, é usado para o futebol dos moradores. Ou seja, é possível ter numa cidade menos carros e mais interação com as pessoas. Isso tem uma relação direta”, destacou Paiva que também é professor da Universidade Federal do Paraná.
 Por Jorge Gauthier.


terça-feira, 14 de outubro de 2014

Cinco anos de concessão - Hora de revisão

Osvaldo Campos Magalhães*
Com a definição das eleições na Bahia, um importante tema relacionado ao desenvolvimento econômico do estado volta à ordem do dia, a revisão do contrato de concessão das BR’s 324 e 116, ligando Salvador a Feira de Santana e desta a Candido Sales, na fronteira da Bahia com Minas Gerais.
Maior concessão rodoviária do país, integrou a chamada “2ª fase da desestatização”, composta por sete lotes de rodovias, conduzida pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O modelo adotado reduziu a taxa de rentabilidade das concessões e diminuiu o volume de investimentos previstos ao longo do prazo de vigência do contrato.
Com grande viés político, foram obtidos valores muito baixos para as tarifas de pedágio. Na campanha eleitoral de 2010, a comparação das tarifas das rodovias privatizadas por Dilma e das estaduais paulistas, mais caras e parecidas com as da primeira fase do governo federal, foram temas de destaque. 
As grandes empreiteiras brasileiras não se interessaram em participar dos leilões devido à baixa taxa de retorno nas novas concessões. No caso das BR’s 324/116, foi vencedor o consórcio liderado pela empresa espanhola ISOLUX e participação minoritária das empresas brasileiras Engevix e Encalso, que ofereceram deságio de 21% em relação à tarifa teto de R$2,80. Apesar da importância do trecho a ser concessionado, apenas mais um grupo empresarial entrou na disputa, o consórcio formado pelas empresas Heleno e Fonseca Engenharia, LBR e CRA
Sem qualquer experiência anterior em concessões rodoviárias, a Isolux, conhecida por vitórias em licitações de linhas de transmissão, marcou sua entrada no segmento brasileiro de concessões rodoviárias logo no maior trecho rodoviário privatizado, os 680 quilômetros que ligam a divisa de Minas Gerais a Feira de Santana na BR 116 e o trecho da BR 324 até Salvador, incluindo ainda a ligação à base naval de Aratu.
Talvez por desconhecimento do novo setor de atuação ou quem sabe em função dos baixos valores do pedágio, a gestão privada destas rodovias na Bahia vem sendo objeto de severas reclamações por parte dos usuários que convivem diariamente com atrasos nas obras, engarrafamentos e diversos acidentes principalmente no trecho da BR 324.
Estratégica para nossa economia, a ligação rodoviária entre Feira de Santana e Salvador deveria se converter num grande eixo de desenvolvimento, gerando oportunidades de implantação de diversos empreendimentos, com destaque para a transformação de Feira de Santana na grande plataforma logística do Norte Nordeste.
Transcorridos os cinco primeiros anos da concessão, constata-se a necessidade de revisão do contrato ou até mesmo a sua suspensão. Devido à importância estratégica deste corredor rodoviário para a economia baiana, necessário de faz uma nova repactuação dos investimentos a serem realizados, sendo urgente a imediata inclusão da construção da terceira faixa de rodagem entre Salvador e Feira de Santana. A melhoria na prestação dos serviços se faz necessária e o governo do Estado da Bahia não pode mais se omitir em relação a assunto tão estratégico para a economia regional.

*Engenheiro Civil e Mestre em Administração, é membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Urbanismo e arquitetura para o século XXI

José da Conceição Afonso*Sensivelmente a partir da década de 80 no séc. XX, a par do fenômeno mundial de concentração das populações em metrópoles e cidades, assistimos a um outro fenômeno chamado de Globalização ou Mundialização, a que os mais entusiastas já consideram caracterizar uma nova era da História da Humanidade. Não existe uma definição de globalização que seja aceite por todos, pois designa muitas coisas ao mesmo tempo. Há a interligação acelerada dos mercados, há a possibilidade de movimentar bilhões de dólares por computador em alguns segundos, como ocorre nas Bolsas de todo o mundo, há a chamada terceira revolução tecnológica (processamento, difusão e transmissão de informações). A globalização está em curso, entre outras coisas, por causa de duas revoluções: a tecnológica e a da informática. É dirigida pelo poder financeiro. Juntas, a tecnologia e a informática e com elas o capital financeiro diminuíram distâncias e romperam fronteiras. Hoje é possível ter informações sobre qualquer parte do mundo, a qualquer momento e de uma forma simultânea. Mas também o dinheiro tem agora o dom da ubiqüidade, move-se de maneira vertiginosa, como se estivesse em todo o lado ao mesmo tempo. E mais, o dinheiro dá uma nova forma ao mundo, a forma de um mercado, de um mega-mercado. A globalização em curso, com fundamento ultra neoliberal, modifica radicalmente o discurso urbanístico e arquitetônico, podendo-se-lhe já constatar, em síntese, as seguintes características relativamente às quais não podemos deixar de refletir e assumir uma posição:
1. Desterritorialização espacial e cultural / Abolição sistemática de fronteiras;
2. Afronta aos contextos e valores históricos, culturais, e patrimoniais pré-existentes / Desmemorialização das comunidades quanto aos referenciais constituintes da sua identidade;
3 Ataque sem limites ao pluralismo cultural e aos valores de identidade nacional, regional e local que não conhece, em favor de valores internacionais, sobretudo americanos, que conhece;
4. Desestruturação dos tecidos urbanos pré-existentes e imposição da estética do caos e dos não-lugares;
5. Promoção do conceito de cidade como um mega-mercado;
6. Promoção do conceito de cidade genérica, igualitarista nos aspectos formais, como resultado dum pensamento internacional, sobretudo americano;
7. Cenário provocatório de uma estética sem ética, como fundamento para o exercício da profissão do arquiteto. Quando o mundo é conquistado pelas multinacionais, as comunicações maximizam-se e as distâncias virtualizam-se, a cultura do não-lugar, do desapego e de uma identidade universal crescem. A arquitetura não respeita fronteiras, nem tradições, nem recursos naturais e surge como resultado de um pensamento internacional (3). Pelo desprezo que revela ter em relação às questões patrimoniais e de identidade cultural pré-existentes, a estética da arquitetura da globalização, uma Estética Sem Ética, pretende que nos tornemos apáticos, acríticos e insensíveis a tudo o que nos surja diante dos olhos. Pelas razões atrás invocadas, afigura-se antes de tudo ser uma questão vital de preservação da nossa identidade, uma identidade que queremos dinâmica e viva, uma identidade que não podemos deixar que morra às mãos do passadismo ou do ultravanguardismo neo-liberal, saber-se como lidar com essa nova corrente econômica e de pensamento, a da Globalização e Super-modernidade, este novo problema dos nossos dias como muito bem refere Mário Soares num artigo publicado recentemente no semanário Expresso.
Um outro tipo de globalização é possível e desejável!
Globalizar ou glocalizar?
A nossa principal crítica não é contra a globalização, mas sim contra este tipo de globalização, pois, negá-la ou querermos sair dela, seria inútil porque como diz Rosa Montero num artigo do diário el país .... se nos opusermos à onda em vez de a cavalgar, estaremos desaproveitando um momento crucial e facilitando que as multinacionais assumam o controle do novo mundo. Não há que rechaçar a globalização mas sim tomá-la (4). Mas, a nossa crítica relaciona-se não só com o fenômeno da globalização mas também, muitas vezes, com uma total falta de idéias quanto à concepção de muitos dos edifícios anônimos existentes. Refira-se que muitos dos edifícios e conjuntos urbanos que constituem a melhor arquitetura das nossas cidades encontram-se em deprimente e total abandono, quando não à espera da buldozer, sem que isso tenha alguma coisa a ver com o fenômeno da globalização. Porque não aproveitar a quantidade de informação e a velocidade a que circula para conhecer projetos, novas tecnologias, materiais, sua aplicação adequada; estudá-los e ver de que modo seriam úteis em cada lugar, em vez de tomar edifícios, copiá-los textualmente, ou demolir tantas e tantas vezes obras excepcionais que deveriam ser recuperadas e valorizadas?
Porque não aproveitar os recursos do lugar, porque não pensar um pouco, porque não estudar o movimento do sol, as chuvas e o vento no seu relacionamento com o urbanismo e a arquitetura? Porque não pensar numa arquitetura global dentro do local e local dentro do global. Uma arquitetura única para cada lugar dentro do pensamento universal. Uma arquitetura de idéias que tenha que ver com a sua implantação, que não contribua para o esgotamento dos recursos naturais, mas que ajude a conservá-los; isto sem deixar de ser parte deste mundo globalizado.
“Que o genius loci seja o sustentáculo desta arquitetura ecológica” (5).
No fundo, como contraponto à globalização, o que é possível ser feito em relação à arquitetura e urbanismo, julgo ser aquilo que os economistas já designam por globalização, uma síntese de Global com Local, articulando e integrando no mesmo processo valores locais e regionais com valores universais. Com o século XXI, o futuro surge incerto mas também com novas oportunidades a exigir novas atitudes; hoje temos que refletir e agir não só em relação ao adro da nossa igreja mas também à nossa casa de todos, o planeta Terra. O olhar global, em extensão, é tão necessário, fascinante e importante como o olhar local, em profundidade. Ambos estes olhares ajudam-nos a perceber melhor a condição do Homem neste planeta.
*José da Conceição Afonso é arquiteto e atua em Portugal

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Helsinque cria transporte público personalizado

Vitor Paolozzi * 
Em vez de adotar medidas repressivas como rodízio ou pedágio urbano, Helsinque decidiu esvaziar suas ruas com a criação de um sistema "personalizado" de transporte por ônibus que seja eficiente a ponto de convencer os moradores a abandonar espontaneamente seus carros. Nesse sistema não existem mais linhas com trajetos fixos: por meio de um computador ou celular, o passageiro informa o seu ponto de partida e o de chegada e em poucos minutos é apanhado por um micro-ônibus que adapta a rota de acordo com a demanda. 
Chamado de Kutsuplus, o serviço foi implantado na capital finlandesa de maneira experimental em 2012 com três vans e logo passou para dez. Atualmente, o programa ainda opera em pequena escala, com 15 veículos, mas o plano é ir ampliando-o gradualmente até atingir uma frota com entre 5.000 e 8.000 micro-ônibus em 2027, quando então, idealmente, boa parte da população da cidade - hoje ao redor de 600 mil - iria preferir deixar de lado o carro e adotar o transporte público. 
Para utilizar o sistema, o passageiro necessita de um computador ou celular - que não precisa nem mesmo ser um smartphone, a viagem pode ser marcada com o envio de um SMS. Após receber o pedido com hora e locais de partida e chegada, o sistema calcula o preço e estimativas da rota e do tempo que a viagem levará. Caso o passageiro aceite a proposta, o pagamento é debitado da sua conta e ele se dirige para o ponto de encontro determinado. Ao embarcar, ele passa ao motorista a senha recebida eletronicamente. Durante a viagem, se o sistema designar algum novo passageiro à van, o motorista é comunicado em seu GPS sobre a alteração no trajeto. 
De acordo com uma pesquisa feita em maio, em cerca de um terço das viagens o micro-ônibus pega o passageiro na hora combinada; em aproximadamente 95% dos casos a variação do horário definido não passa de cinco minutos. Segundo as estatísticas, somente em 1,1% das viagens o passageiro chega ao destino com atraso superior a 10 minutos. O preço da passagem é mais caro do que uma viagem de ônibus normal, mas custa cerca de um quarto da tarifa de um táxi - sendo que o tempo gasto é o mesmo e o passageiro ainda conta com conexão wi-fi gratuita. 
"Após ser expandido, o Kutsuplus oferecerá uma ferramenta poderosa e economicamente eficiente para a redução do número de deslocamentos privados de carros, graças à simples oferta de uma melhor alternativa para muitos dos atuais motoristas", afirma Kari Rissanen, diretor do programa, mantido pela Autoridade de Transporte Regional de Helsinque (HSL). Ele diz que um dos objetivos da HSL é fazer com o Kutsuplus deixe de ser deficitário. "Por que não, se o táxi tradicional é lucrativo? Por enquanto, o serviço ainda é parcialmente subsidiado, embora o subsídio esteja diminuindo a cada vez que aumentamos o número de veículos." 
Em 2012, pela primeira vez em mais de 40 anos, Helsinque registrou um aumento da parcela de utilização do transporte público, que atingiu 43% (com alta de 1 ponto percentual). Segundo Rissanen, a mudança se deve a várias medidas adotadas pela HSL, entre as quais a criação do Kutsuplus, cujo "efeito positivo [no resultado da pesquisa] foi pequeno, mas [...] continuará a crescer". 
Tanto Rissanen, como Teemu Sihvola, CEO da Ajelo, a empresa responsável pela tecnologia que permite a operação do serviço, afirmam que o sistema poderia ser implantado em metrópoles como São Paulo. Porém, ressalta Rissanen, "não para substituir outros transportes públicos, mas para complementá-los". Sihvola diz que está negociando com outras cidades para vender os seus softwares. "Infelizmente não posso revelar os nomes das cidades. Vou apenas dizer que o interesse em relação ao Kutsuplus é global." 
*Jornalista - Valor Econômico

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Salvador e a economia criativa

Osvaldo Campos Magalhaes*
O conceito de economia criativa surgiu em 1994, na Austrália, com o projeto “Creative Nation”. Ganhou destaque mundial durante o governo do primeiro-ministro britânico Tony Blair com uma série de incentivos a atividades que envolvem a criatividade como software gastronomia, moda, design e mídia.
Em São Paulo, no ano de 2004, a conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento, decidiu introduzir o tema da economia criativa na agenda política internacional de desenvolvimento econômico.
Desde então, mais de 50 países já realizaram mapeamentos dos seus setores criativos e adotaram estratégias que visam expandir sua indústria criativa, inserindo o tema estrategicamente  em suas agendas econômicas.
No Brasil, em 2012, foi criada no âmbito do Governo Federal a Secretaria da Economia Criativa – SEC, tendo como prioridades os setores de Artesanato, Arquitetura, Design e Moda. Um amplo mapeamento da economia criativa foi também realizado no Rio de janeiro, pela FIRJAN, e revelou que o peso da cadeia da indústria criativa no PIB brasileiro pode chegar a 18,2%, o que equivale a mais de R$ 680 bilhões.
Pesquisa da UNCTAD indica que o Brasil exporta atualmente mais de US$ 8.5 bilhões em serviços e produtos criativos. Considerando a nossa rica herança cultural e o vasto potencial de talentos criativos no país, o Brasil ainda tem participação tímida no mercado mundial. É preciso reforçar nossa capacidade criativa, diversificar e melhor promover nossos produtos no mercado mundial: música, cinema, moda, design, novas mídias, artesanato, etc..
O momento é propício para se por em prática, em Salvador, políticas institucionais que ajudem a promover a dimensão de desenvolvimento da economia criativa em sua totalidade. Cidades como São Paulo, Recife e Curitiba lançaram recentemente seus programas de economia criativa.
O conceito das “cidades criativas” tem sido amplamente usado não só para revitalizar cidades que buscam novos rumos valorizando a cultura, serviços diferenciados e entretenimento a fim de atrair a chamada classe de empreendedores criativos, valorizando assim tanto o patrimônio histórico e cultural como o lado contemporâneo das cidades. 
A indústria criativa apresenta grande potencial para as cidades que estejam procurando diversificar sua economia e participar de um dos mais dinâmicos setores da economia mundial. Entretanto, para que haja um clima que conduza ao bom desempenho da economia criativa é preciso que o setor público adote políticas de estímulo.
Dada suas características culturais únicas, Salvador tem todos os atributos para se tornar uma referência como a cidade da economia criativa. Tem uma identidade multicultural e é uma cidade musical e singular, vocacionada para o entretenimento e cultura, mas, políticas públicas adequadas são necessárias para promoverem o desenvolvimento inclusivo através da criatividade, cultura, conhecimento e inovação.
*Criador e eiditor deste blog. Engenheiro Civil e Mestre em Administração com foco em Tecnologia e Estratégia. Membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB.
** Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde, em 25/08/2014

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Rômulo Almeida, 100 anos

Eduardo Almeida*
Dentre tantos vultos do século XX empenhados na luta por um Brasil mais justo, Rômulo Barreto Almeida está talvez entre os menos conhecidos e reconhecidos. Há um notório abismo entre os poucos que conhecem sua trajetória, reconhecendo-o entre os maiores de sua época, e uma imensa maioria que não tem a mínima noção de quem foi ou o que fez.
Claro, há incontáveis anônimos, soldados da luta atroz contra o atraso e as imensas disparidades sociais e regionais. E Rômulo era do tipo que fazia sem se preocupar com glórias ou holofotes. Os grandes personagens da História certamente se medem menos por seus esforços e intenções do que por suas realizações e conquistas. O reconhecimento nem sempre é automático. Há controles e interesses nesses processos, ainda mais numa sociedade dividida e conflitada. Mao Tsé-Tung, o líder chinês que conseguiu pôr de pé um imenso país decadente, publicou, no curso de sua luta, três textos motivadores da militância: Servir ao povo, O velho tonto que removia montanhas e Em memória de Norman Bethune. Tratam de entrega às causas populares, abnegação, persistência e coerência na luta. O cotejo com a vida de Rômulo é inevitável. Rômulo Almeida, de fato, encarnava essa retidão, a monumental determinação de servir a seu povo.

Tudo isso somado à ponderação, à honestidade e disciplina típicas de um cientista. Isso nos remete a uma certa controvérsia. Muitas pessoas de esquerda, do antigo PCB ao novo PT, levantam senões sobre Rômulo Almeida, sobretudo por dois fatos aparentemente “sombrios”: a militância integralista nos anos 30 e o fato de não ter sido cassado e nem forçado ao exílio quando da ditadura militar. Não cabe aqui discutir estreitezas de análise. Rômulo Almeida se soma, em destaque, a um seleto contingente de brasileiros que mais afrontou, objetiva e incisivamente, os senhores do atraso, as oligarquias e classes dominantes reacionárias e excludentes deste país. Lutou por fora e por dentro do sistema, nas brechas, explorando contradições; teve momentos de estar praticamente no poder, outros de grandes conquistas e influência intelectual e técnica, mas também inúmeros de revés, frustração, desvirtuamento de suas criações e projetos.
O legado final, no entanto, é impressionante e visceralmente inserido naquilo que explica as grandes transformações que modernizaram o Brasil, o Nordeste, a Bahia, nas últimas seis décadas. Mais modernizaram do que transformaram, que era o que Rômulo compreendia necessário. Não foi por outra razão que sempre buscou a trincheira política, tentando exercitar liderança cidadã com ética e compromisso, o que, bem sabemos, é meio complicado no Brasil.Não é difícil, portanto, entender por que Rômulo ficou tão escanteado na memória brasileira, até mesmo na sua Bahia, onde esteve mais exposto. Sintomático que as forças conservadoras prefiram o ostracismo de nosso personagem. Compreensível que uma esquerda marcada por deficiências na leitura do real, com propensões a um sectarismo eurocêntrico e dificuldades autocríticas, subestime o papel transformador-libertador de Rômulo. 
Dezoito de agosto de 2014, 100 anos de nascimento do baiano Rômulo Barreto Almeida.
*Jornalista e indigenista
** Artigo publicado originalmente no jornal A Tarde

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Rede de Cidades Criativas

Paulo Peixoto*
Há muito que a Unesco se interessa pelas questões urbanas. Por isso, não é de estranhar que o tema das “cidades criativas”, que casa questões urbanas com questões culturais caras à organização, tenha levado a Unesco a constituir uma Rede de Cidades Criativas. 
Ao constituir esta rede, a Unesco reconhece o protagonismo crescente das cidades, mas também a importância que a cultura e as atividades culturais desempenham atualmente, e de forma crescente, na dinamização e transformação urbanas. Por outro lado, como a própria Unesco justifica ao explicar as razões que levaram à criação desta rede, não deixa de ser relevante o facto de a questão da criatividade animar crescentemente as agendas políticas locais e nacionais e de ser vista como um elemento central das estratégias de desenvolvimento econômico. Acresce que a Unesco tem estado, nas últimas décadas, particularmente ativa no domínio da criação e sustentação de redes, reconhecendo, neste caso, que uma rede de cidades criativas é importante na exata medida em que as indústrias criativas constituem hoje a base da estrutura social de muitas cidades, reforçando a diversidade cultural, estimulando a vida quotidiana e contribuindo para a consolidação da identidade local e da autoestima.  A Rede das Cidades Criativas resultou da iniciativa “Aliança global em prol da diversidade cultural”, lançada pela Unesco em 2004.
Em termos gerais, a Rede constitui‑se para promover a diversidade cultural e o desenvolvimento urbano sustentável. Aposta, especificamente, no desenvolvimento da cooperação internacional entre cidades, promovendo a constituição de parcerias para o desenvolvimento no contexto das prioridades globais estabelecidas pela Unesco: “cultura e desenvolvimento” e “desenvolvimento sustentável”. As noções de “economia criativa” e “turismo criativo” fundamentam e orientam a existência da Rede, procurando funcionar como eixos estruturantes das ações desenvolvidas no âmbito das parcerias. Estas, disseminando‑se por várias áreas da cultura, visam promover a partilha de experiências e contribuir para a emergência de novas oportunidades de cooperação numa base mundial. As cidades podem aderir à Rede, seja enquanto “centros criativos”, seja enquanto “agrupamentos socioculturais”. Os centros criativos orientam‑se para a promoção do desenvolvimento socioeconómico e cultural, quer nos países desenvolvidos, quer nos países em vias de desenvolvimento, através das indústrias criativas. Os agrupamentos socioculturais pretendem reforçar as relações entre comunidades diferenciadas, no domínio sociocultural, de modo a criar ambientes urbanos equilibrados. 
São 34 as cidades que integram atualmente a Rede das Cidades Criativas, repartindo‑se pelas 7 áreas das indústrias criativas fixadas pela Unesco: literatura, cinema, música, artesanato e artes populares, design, artes numéricas e gastronomia. Design, com 11 cidades aderentes, é a área que reúne maior número de membros. Artes numéricas, com um único membro, é a área menos participada. Entre os membros da Rede contam‑se grandes cidades, como Pequim (design), Kobe (design), Shangai (design), Seoul (design); cidades médias, como Lyon (artes numéricas), Sydney (cinema), Buenos Aires (design), Berlim (design); e cidades de menor dimensão, como Edimburgo (literatura), Dublin (literatura), Reykjavik (literatura), Sevilha (música), Bolonha (música). Não há, neste conjunto de cidades, nenhuma que seja originária do universo da lusofonia. Não obstante esta diversidade, a Rede tem um manifesto problema de densidade, havendo áreas, como, por exemplo, artes numéricas e cinema, em que o número de cidades aderentes nem sequer cauciona o princípio da parceria. 
O site da Rede disponibiliza formulário e informações de submissão de candidatura. Os procedimentos necessários não deixam de ser um fator de entrave à candidatura e adesão de novas cidades. Em primeiro lugar, a adesão à Rede depende de um filtro político, uma vez que é necessária a autorização do Presidente da Câmara local (ou equivalente). Existindo a missiva oficial de concordância, a cidade submete a candidatura à Unesco. Em seguida, a Unesco confere se a Comissão Nacional da Unesco correspondente reconhece e apoia a candidatura, condição que, na prática, é obrigatória, para o sucesso da candidatura. Segue‑se a avaliação por um grupo de peritos externo, constituído por especialistas de ONGs na área de candidatura. Finalmente, sob recomendação do grupo de peritos, o Diretor Geral da Unesco toma uma decisão final. Ainda que o processo pareça simples e linear, a verdade é que ele é bem mais complexo que aquilo que aparenta ser. O formulário de candidatura obriga, não apenas a uma apresentação detalhada da cidade, que mostre tratar‑se de um candidato ideal para integrar a área criativa a que se candidata, mas exige, igualmente, que a candidatura demonstre que a cidade tem algo de concreto para oferecer e que seja materializada e concretizada a disposição para cooperar com outras cidades. A Unesco exige, por outro lado, que o dossier de candidatura resulte do trabalho de um comité de gestão misto, composto por membros do setor privado, do setor público e da sociedade civil. Com anexos, e a obrigatoriedade de ser redigido em língua inglesa ou francesa, o dossier de candidatura deve incluir 50 a 80 páginas. 
Procurando estimular iniciativas no âmbito da Rede, o site divulga algumas oportunidades, tais como o “Fundo Internacional para a promoção da cultura” e as bolsas para artistas Unesco‑Aschberg. Todavia, estes recursos têm um alcance muito limitado em termos de atratividade para cidades que equacionem fazer parte da Rede. A Rede organiza e associa‑se ainda a alguns eventos e publicações, que podem ser consultados na página (se bem que algumas das publicações tenham um alcance comercial). Para uma rede que tem a ambição declarada de criar novas oportunidades de cooperação entre cidades, lançar produtos culturais diversos nos mercados, ou cultivar a inovação através de trocas de saberes‑fazeres, os resultados têm sido, na verdade, muito limitados.
*Paulo Peixoto - Doutorado em Sociologia pela Universidade de Coimbra, é investigador do Centro de Estudos Sociais (CES), integrando e coordenando o Núcleo Cidades, Cultura e Arquitetura. Integra e coordena também o Observatório das Políticas de Educação e Formação. É professor de Sociologia na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC),