LOURENÇO MUELLER*
Seguramente poucas pessoas leram Peter Hall em suas alentadas 1.169 páginas de Cities in civilization, publicado em 2001 e ainda não traduzido para o português. Neste livro o autor identifica períodos de prosperidade e glória urbana de algumas cidades do mundo ao longo da história de forma destacada e brilhante, como Paris do século 19, Viena da Belle Époque e Berlim da República de Weimar, antes da Guerra. Ele fala de “Idades de Ouro”.
Poderíamos dizer que a nossa Salvador também já teve a sua “idade de ouro” entre as distantes décadas dos séculos 17 e 18, quando esta cidade colonial portuguesa foi entreposto portuário da produção agrícola de açúcar do Recôncavo e do comércio de escravos e a principal cidade do império português de além-mar.
Bem mais recente foi uma onda cultural que pareceu animar a velha capital em meados do século 20, vibrada pela univers(al)idade magnificamente dirigida por Edgar Santos, que para cá trouxe alguns homens que ajudaram a produzir nosso caldo de cultura e arte, “culinária” tão notável quanto a própria cozinha feita com o óleo dourado do fruto de uma palmeira.
Lembro isto para provocar intelectuais, artistas, associações, quadros do governo, políticos… todos transmutáveis em militantes de um projeto comum, uma discussão generalizada sobre Salvador e sua região metropolitana, como já se falou, avaliada ao longo do ano de 2009 por A TARDE [jornal de Salvador, onde, no espaço de Opinião, este artigo foi originalmente publicado, em 24.1.2010].
A provocação procede por diversas razões, que em comum têm a ambivalência da possível salvação/perdição da cidade:
1-A conjuntura política em ano de eleição e a oportunidade para as cobranças do eleitorado.
2-Os recursos federais disponibilizados para a cidade que será uma das sedes da Copa.
3-Uma série de intenções governamentais de intervenção no espaço urbano e regional que ameaça transformar a cidade numa Babel urbanística onde “poucos” $e entendem.
4-E por último uma certa imanência não logística que nos faz supor que as pessoas, mesmo os atores deste processo, não pensam coerentemente na sua gestão.
Mas duais como costumam ser as coisas, essas três emergências de fato junto com a última subjetividade podem servir a Deus e ao diabo, sobretudo a este, que está “na rua, no meio do redemoinho”, premissa básica de Guimarães Rosa no seu rizomático romance, ícone da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas.
Variáveis de uma equação espacial inevitavelmente configuradas no solo regional da Cidade da Bahia, são tantas e tão confusas que prefiro falar metaforicamente, sobretudo porque outros, neste mesmo espaço, têm dado nome aos bois, ou quase…
Ações isoladas, não planejadas, sem percepção do todo, sem coordenação interativa e sem participação efetiva de cidadania pode levar a equívocos muito mais difíceis de corrigir depois de executados do que se tudo tivesse sido discutido antes, como provam as primeiras construções do metrô que deixaram inúteis e indeléveis colunas com nosso dinheiro nelas concretado.
Com bons olhos eu li, dias atrás, (neste blog, artigo de 07/01/10) a intenção do secretário estadual de Planejamento, Walter Pinheiro, de fazer a Conder [Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, empresa pública] retornar à sua função original de planejar a região metropolitana de Salvador.
Seria ao menos sensato que grandes projetos estruturantes, de infraestrutura, turísticos ou esportivos, pudessem ser mostrados e discutidos com o principal interessado que é, se ainda não me falha a memória, essa figura coincidente de eleitor, pagante e habitante.
Revelação das vontades políticas, transparência de programas, destinação de verbas, posicionamentos próprios daqueles que pensam a cidade-região e o desejo popular deverão encontrar formas de visibilidade midiática, interatividade face-a-face e interfaces em linguagem apropriada para a compreensão dos habitantes, sob pena de essas mesmas circunstâncias se transformarem no portal dantesco tão manjado, onde estará escrito:
“Deixai fora toda esperança, vós que entrais”.
*Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista
Seguramente poucas pessoas leram Peter Hall em suas alentadas 1.169 páginas de Cities in civilization, publicado em 2001 e ainda não traduzido para o português. Neste livro o autor identifica períodos de prosperidade e glória urbana de algumas cidades do mundo ao longo da história de forma destacada e brilhante, como Paris do século 19, Viena da Belle Époque e Berlim da República de Weimar, antes da Guerra. Ele fala de “Idades de Ouro”.
Poderíamos dizer que a nossa Salvador também já teve a sua “idade de ouro” entre as distantes décadas dos séculos 17 e 18, quando esta cidade colonial portuguesa foi entreposto portuário da produção agrícola de açúcar do Recôncavo e do comércio de escravos e a principal cidade do império português de além-mar.
Bem mais recente foi uma onda cultural que pareceu animar a velha capital em meados do século 20, vibrada pela univers(al)idade magnificamente dirigida por Edgar Santos, que para cá trouxe alguns homens que ajudaram a produzir nosso caldo de cultura e arte, “culinária” tão notável quanto a própria cozinha feita com o óleo dourado do fruto de uma palmeira.
Lembro isto para provocar intelectuais, artistas, associações, quadros do governo, políticos… todos transmutáveis em militantes de um projeto comum, uma discussão generalizada sobre Salvador e sua região metropolitana, como já se falou, avaliada ao longo do ano de 2009 por A TARDE [jornal de Salvador, onde, no espaço de Opinião, este artigo foi originalmente publicado, em 24.1.2010].
A provocação procede por diversas razões, que em comum têm a ambivalência da possível salvação/perdição da cidade:
1-A conjuntura política em ano de eleição e a oportunidade para as cobranças do eleitorado.
2-Os recursos federais disponibilizados para a cidade que será uma das sedes da Copa.
3-Uma série de intenções governamentais de intervenção no espaço urbano e regional que ameaça transformar a cidade numa Babel urbanística onde “poucos” $e entendem.
4-E por último uma certa imanência não logística que nos faz supor que as pessoas, mesmo os atores deste processo, não pensam coerentemente na sua gestão.
Mas duais como costumam ser as coisas, essas três emergências de fato junto com a última subjetividade podem servir a Deus e ao diabo, sobretudo a este, que está “na rua, no meio do redemoinho”, premissa básica de Guimarães Rosa no seu rizomático romance, ícone da literatura brasileira, Grande Sertão: Veredas.
Variáveis de uma equação espacial inevitavelmente configuradas no solo regional da Cidade da Bahia, são tantas e tão confusas que prefiro falar metaforicamente, sobretudo porque outros, neste mesmo espaço, têm dado nome aos bois, ou quase…
Ações isoladas, não planejadas, sem percepção do todo, sem coordenação interativa e sem participação efetiva de cidadania pode levar a equívocos muito mais difíceis de corrigir depois de executados do que se tudo tivesse sido discutido antes, como provam as primeiras construções do metrô que deixaram inúteis e indeléveis colunas com nosso dinheiro nelas concretado.
Com bons olhos eu li, dias atrás, (neste blog, artigo de 07/01/10) a intenção do secretário estadual de Planejamento, Walter Pinheiro, de fazer a Conder [Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia, empresa pública] retornar à sua função original de planejar a região metropolitana de Salvador.
Seria ao menos sensato que grandes projetos estruturantes, de infraestrutura, turísticos ou esportivos, pudessem ser mostrados e discutidos com o principal interessado que é, se ainda não me falha a memória, essa figura coincidente de eleitor, pagante e habitante.
Revelação das vontades políticas, transparência de programas, destinação de verbas, posicionamentos próprios daqueles que pensam a cidade-região e o desejo popular deverão encontrar formas de visibilidade midiática, interatividade face-a-face e interfaces em linguagem apropriada para a compreensão dos habitantes, sob pena de essas mesmas circunstâncias se transformarem no portal dantesco tão manjado, onde estará escrito:
“Deixai fora toda esperança, vós que entrais”.
*Lourenço Mueller é arquiteto e urbanista
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