Leitores habituados a ir a Portugal nos últimos tempos e a se encantar com a vida e a euforia de suas cidades parecem acreditar que sempre foi assim. Daí estranharem quando o classifiquei outro dia ("Desmemória coletiva") de ser, antes do dia 25 de abril de 1974, o país "mais triste e atrasado da Europa". "Como assim?", perguntaram. "Que milagre aconteceu nesses 50 anos?"
Aliás, era o país dos velhos. Eu tinha 26 anos e não via gente da minha idade ao meu redor. Os moços estavam na África, na guerra contra os movimentos de libertação de suas colônias, Angola, Moçambique e Guiné —os poucos nas ruas de Lisboa eram os mandados de volta, ainda de farda, sem um braço ou perna, perdido em combate. Era uma guerra impopular, que sangrava o país e que o governo mantinha com dinheiro tomado aos bancos. A imprensa, esmagada pela censura, mentia sobre o seu andamento —todos já a sabiam perdida. As moças, inexpugnáveis, viviam trancadas em casa. Os costumes eram do século 13.
Portugal era um belíssimo túmulo ao sol, mas nem o sol lhe servia para nada. Enquanto a Espanha, também uma ditadura, fervia de turistas, tudo conspirava contra eles em Portugal. Um visto de entrada era uma agonia. Até a Coca-Cola era proibida. Todos os dias tinham a modorra dos domingos.
Não é que Portugal seja hoje outro país. É outro planeta.
* Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras
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