terça-feira, 30 de agosto de 2022

Uma Nova Arquitetura na Bahia


Nivaldo Andrade*

No final da década de 1920 e o início da década seguinte testemunham a chegada, no Brasil e na Bahia, de uma nova arquitetura, que busca romper com o ecletismo então dominante e com o movimento neocolonial surgido alguns anos antes. O final da década de 1920 e o início da década seguinte testemunham a chegada, no Brasil e na Bahia, de uma nova arquitetura, que busca romper com o ecletismo então dominante e com o movimento neocolonial surgido alguns anos antes. A reação ao ecletismo e ao neocolonial se deu por meio de um conjunto de expressões arquitetônicas que se tornou mundialmente conhecido como “arquitetura moderna”, que se apropria dos novos materiais de construção, como o aço, o concreto e o vidro, e da liberdade decorrente da adoção de uma estrutura independente dos elementos de vedação (paredes), abolindo a estrutura mural e promovendo integração visual entre interior e exterior e continuidade espacial no interior das edificações. Também chamada de funcionalista ou racionalista, a arquitetura moderna se caracteriza, ainda, pelas formas geométricas e pela abolição dos ornamentos.

A primeira fase da arquitetura moderna na Bahia se caracteriza pelas influências das vanguardas europeias, como a Bauhaus e o expressionismo alemão. Dentre as obras dessa primeira fase, podemos destacar, em Salvador, o Elevador Lacerda (1930); a sede do Instituto do Cacau da Bahia (1939), no Comércio; a Escola Normal da Bahia (1939), no Barbalho, atual Instituto Central de Educação Isaías Alves - ICEIA; a Estação de Hidroaviões (1939), na Ribeira; e o Sanatório de Tuberculosos Santa Terezinha (1942), na Caixa d’Água. No interior do estado, merecem menção o Instituto Municipal do Ensino (1939) e o estádio atualmente batizado de Mário Pessoa (1942), ambos em Ilhéus. Todas estas obras foram projetadas por profissionais sediados no Rio de Janeiro, muitos deles estrangeiros, como os alemães Alexander Büddeus e Alexander Altberg, o sueco-americano Fleming Thiesen e o húngaro Adalberto Szilard.

Figura 01 - Escola Normal da Bahia, no bairro do Barbalho, em Salvador, atual Instituto Central de Educação Isaías Alves (Fonte: Acervo da Construtora Carioca Christiani-Nielsen)

A partir do início dos anos 1940, a chamada escola carioca, liderada por Lucio Costa e Oscar Niemeyer e fortemente influenciada pelo arquiteto franco-suíço Le Corbusier, ganha reconhecimento internacional. Os ecos da escola carioca na Bahia se farão sentir seja através de obras projetadas por profissionais formados e sediados no Rio de Janeiro, como os arquitetos José Bina Fonyat Filho (Teatro Castro Alves, 1957), Paulo Antunes Ribeiro (edifício Caramuru, 1949; agência do Banco da Bahia em Ilhéus, 1951), Jorge Machado Moreira (Sanatório de Triagem do Parque Sanatorial Santa Terezinha, 1951) e Hélio Uchôa (Conjunto Residencial do IAPI, 1952) e o paisagista Roberto Burle Marx (reforma do Terreiro de Jesus, 1950), seja por meio de profissionais locais, como Diógenes Rebouças (Hotel da Bahia, com Paulo Antunes Ribeiro, 1952; Centro Educacional Carneiro Ribeiro, 1950-1964; Escola Politécnica da UFBA, 1960) e a dupla Antônio Rebouças e Lev Smarcevscki (diversas residências para a burguesia local, construídas no início dos anos 1950).

Figura 02 - Escola Politécnica da UFBA, no bairro da Federação, em Salvador (Fonte: Memorial Arlindo Coelho Fragoso / Escola Politécnica da UFBA)

Como consequência da criação da Universidade da Bahia, em 1946; da incorporação à universidade, dois anos depois, da Escola de Belas Artes (EBA); e da federalização da universidade, rebatizada como UFBA, em 1950, ocorre, nos primeiros anos da década de 1950, a reformulação do curso de arquitetura da EBA. Esse processo, que culminará com a criação da Faculdade de Arquitetura da UFBA, em 1959, transforma um curso incipiente e irregular em um centro de formação de gerações e gerações de arquitetos, tendo Diógenes Rebouças como um dos seus professores mais atuantes.

*Arquiteto e Professor, foi presidente do IAB- Bahia’s

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

“Nos tornamos naquilo que nos apegamos”.


Osvaldo Campos Magalhães*
Na língua Tupi-Guarani, existem dois significados para a palavra UBIRAJARA: “Senhor da Lança” e  “Grande Guerreiro”.
Encontrei pela primeira vez o publicitário Ubirajara da Silva Monteiro em 1976, quando fazia estágio numa grande construtora de Salvador e tínhamos frequentes reuniões com a empresa de propaganda contratada, definindo estratégias de lançamento de novos empreendimentos imobiliários.
Nesta época, como prefeito de Salvador, estava o jovem administrador Jorge Hage Sobrinho, e a empresa de Ubirajara, a Denilson Propaganda, era responsável pela publicidade institucional da Prefeitura.  
O ENCONTRO
Dois anos depois, na primeira Praia do Morro de São Paulo, uma família de velejadores, em cinco hobbie kats, escolhem como local de atracação as areias em frente à casa da minha família.
Por coincidência, meu irmão Marcelo, tinha adquirido um hobbie cat, que veio desmontado de Salvador, a bordo da escuna Novo Éolo,  do primo Mauricio Stern.
Os velejadores nos ajudaram a montar o barco e uma garota, Cláudia, da mesma idade de Marcelo, se prontificou a ajudar, nos dando as primeiras noções de como velejar um barco tão ágil e rápido.
Cláudia, era a filha caçula de Ubirajara.
Carioca, nascida no bairro de Santa Tereza, era bem diferente de todas as garotas que tinha conhecido. Alegre, extrovertida e extremamente espontânea, logo cativou minha atenção.
Nunca tinha velejado num barco tão ágil e rápido. O hobbie cat é um pequeno catamarã, muito leve e veloz, e, com qualquer descuido, o barco vira e o mastro fica todo mergulhado, perpendicularmente à lona onde os velejadores se apoiam. Uma das melhores lições que recebemos da jovem velejadora foi justamente a técnica de desvirar o catamarã, colocando o hobbie cat em condição de navegação.
Após 20 dias no Morro de São Paulo, a família Esteves e amigos retornaram a Salvador, deixando saudades, especialmente da jovem velejadora.
A MUDANÇA NA PREFEITURA
Sendo obrigado pelo General Golberry do Couto e Silva a exonerar o Prefeito Jorge Hage, o governador Roberto Santos encaminha alguns nomes à Casa Civil da Presidência da República, visando obter autorização para a nomeação do novo prefeito de Salvador. Vivíamos em plena ditadura militar e tanto o governador da Bahia como o prefeito de Salvador eram escolhidos pelo Presidente da República, na época, o general Ernesto Geisel.
O candidato preferido do governador era o Secretário da Educação, Carlos Santana mas, o escolhido foi o Deputado Federal Fernando Wilson.

Assumindo o cargo de Prefeito de Salvador, o Deputado Fernando Wilson reformulou todo o secretariado, mas, manteve a Denison Propaganda como empresa responsável  pela publicidade institucional da Prefeitura de Salvador.
UBIRAJARA
Nascido no Rio de Janeiro, começou a trabalhar muito cedo, na empresa de publicidade americana MacCann Eriksson.
Criada no ano de 1930 em plena Madison Avenue, Nova York, Estados Unidos, a McCann-Erickson nasceu como fruto da fusão entre duas pequenas agências: a Erickson Company, fundada em 1902, e a HK McAnn Company, de 19121. Chegou ao Brasil em 1935, em pleno Carnaval, no Rio de Janeiro, sob a condição de ser agência que cuidaria da conta da Esso, braço latino-americano do conglomerado Standard Oil, que tinha Nelson Rockfeller como um de seus sócios-proprietários.
Sob a direção de Armando de Moraes Sarmento, a filial brasileira chegou a ser dona de um invejável carteira de clientes, na qual figuravam, para além da Esso, nomes como Coca-Cola, Colgate-Palmolive (antiga American Home), Anderson Clayton, Goodyear, Nestlé, entre outros (RAMOS, 1985). A McCann-Erickson também marcou o desenvolvimento da propaganda no Brasil a partir da introdução de novos instrumentos de análise de audiência, pesquisas de opinião, programas e telejornais patrocinados para o rádio, incluindo o popular “Repórter Esso”, além de no uso de novos veículos de mídia, como o outdoor.
Ubirajara, já com grande conhecimento e experiência, ingressa na Denison Propaganda, fundada em 1957, no Rio, como house-agency da Ducal.
Seus fundadores, foram os  publicitários Jurandir Ulisses Arce e Sepp Baendereck, que estavam na Ás Propaganda, pequena agência fundada no início dos anos 50.
Como agência do Grupo Ducal, cujas empresas eram sempre batizadas com nomes iniciados por "D", a nova agência foi batizada em homenagem ao diretor da J.Walter Thompson no Rio Robert Dennison, que nunca teve nada a ter com ela. 
Chegou a ser uma das mais importantes agencias brasileiras. Teve depois como sócios Oriovaldo Vargas, Sérgio Ferreira, Hector Brenner e Celso Japiassú. Teve escritórios no Rio, São Paulo, Brasilia, Pernambuco e Bahia.
Ubirajara foi o diretor da Denison Propaganda no Nordeste por mais de 15 anos, inicialmente a partir de Recife e depois em Salvador. Nessa época, eram poucas as Agências de Publicidade locais e a Denison detinha uma grande carteira de clientes, entre eles a Prefeitura de Salvador.
MORRO DE SÃO PAULO
Minha família começou a frequentar a ilha de Tinharé, no município de Cairu, na primeira metade da década de cinquenta. Um grupo de moradores da cidade de Cruz das Almas foram os primeiros a construírem casas de veraneio na primeira praia. A irmã de meu pai, Lúcia, era casada com um alemão, Hebert Stern, que trabalhava na fábrica de charutos Suerdick e morava em Cruz das Almas. O tio Estrela, como o chamávamos, era responsável pela compra da matéria prima das fábricas, a folha de fumo, e meu avô Joaquim Santana, possuía um grande armazém de fumo na cidade de Castro Alves, onde nasci em 1955.
Durante nossa infância e adolescência, íamos veranear no Morro, nos meses de janeiro e fevereiro. Nessa época, o turismo de massa ainda não tinha chegado e a ilha, com suas extensas praias repletas de corais, ainda era um paraíso deslumbrante com uma rica diversidade de vida marinha. Nas noites de lua nova, as praias eram invadidas pelas “pata-chocas” (guaiamuns), e durante o dia, com a maré vazia, os pescadores capturavam moluscos para o sustento das famílias.
O REENCONTRO
Voltando das férias de dois meses no Morro de São Paulo, retomei o contato com a jovem velejadora e logo começamos a namorar. Ainda não sabia da relação empresarial de Ubirajara com a Prefeitura, situação que perdurou por vários meses, até que, num belo dia de sol, o prefeito foi à ilha de Maré inaugurar obras de saneamento e iluminação pública. Acompanhei meu pai  no evento. Fomos numa escuna alugada pela prefeitura.  Ubirajara foi um dos precursores da transformação dos grandes Saveiros em escuna e se dirigiu à ilha de Mare com toda família e alguns colaboradores da Denilson na sua escuna, cujo nome era Porreta.  Era grande, toda branca, com dois mastros e bastante veloz.
Nessa época, estaleiros em Valença e Cajaiba eram responsáveis pela construção da maioria das escunas na Bahia. Empresas de turismo como a LR possuíam grandes frotas de barcos que eram alugadas a turistas de outros estados e países.
Ao me encontrar com Cláudia na ilha de Maré, o que era secreto passou a ser do conhecimento das duas famílias, que apoiaram e incentivaram. Apesar de muito jovem, Cláudia era muito madura e confiante.  Passamos a frequentar as casas das duas famílias e ganhamos autorização para viajarmos juntos nos grandes feriados. Além do Morro de São Paulo, viajávamos à Fazenda da família em Castro Alves e ao vilarejo da Mombaça, local onde nasceu minha mãe.
SÃO FRANCISCO DA MOMBAÇA 
Localidade fundada pela família do meu bisavô João Coni, italiano nascido em Rofrano, que veio ao Brasil ainda adolescente com o tio Nicolau disposto a iniciar uma nova vida.
O vilarejo, hoje com cerca de 800 habitantes e pertencente ao município de Conceição do Almeida, conserva seu casario do começo do século passado (parte dele ainda pertencente aos Coni), sua capela, o campinho de futebol e nome da família espalhado nas placas de rua e praça. As casas em estilo colonial grudadas na frente se abrem para os fundos em amplos horizontes verdes, com páteos e jardins. Na frente um enorme quadrado verde que faz lembrar Trancoso pré-turismo predatório. Ali não tem praia por isto não tem pousadas. Mas tem meninos jogando futebol no fim de tarde, muitos canários da terra, sabiás e bem-te-vis.
Adorávamos viajar até a Mombaça, especialmente na Semana Santa e no São João, onde ocorriam festas populares e éramos recebidos pela saudosa avó Belita.
Após seis meses de namoro, e com a minha formatura em julho de 1979, os laços familiares se estreitaram e, com uma oferta de trabalho concretizada na Natron Engenharia e Projetos, já vislumbrava a possibilidade de ter meu próprio apartamento e maior independência da família. Coincidentemente, dois meses depois da minha formatura, Ubirajara me leva a conhecer um apartamento que havia adquirido da Construtora Lebram (um dos clientes da Denison), na avenida Cardeal da Silva, próximo ao Condomínio Pedra da Marca, um dos mais luxuosos e privativos de Salvador.

Dizem que o amor energiza e nos enche de vitalidade e felicidade. Foram meses bastantes especiais, que jamais iríamos esquecer.
A PARTIDA
Quarenta e dois anos depois, me encontro agora em São Pedro da Serra, com Cláudia e sua mãe Maria Luiza. Ubirajara faleceu em 2018, vítima de câncer. Depois de aposentado decidira se mudar do Rio de Janeiro para Nova Friburgo, no distrito de São Pedro da Serra, onde construiu uma bela e aconchegante pousada, a Galo da Serra.
Uma de suas grandes paixões era a literatura e a figura de Dom Quixote era uma presença constante. Colecionava diversas esculturas, em metal e madeira e se identificava muito com o personagem.

“Que a narrativa do engenhoso fidalgo de La Mancha é cativante, todos sabem. O que poucos conhecem, no entanto, são os recursos que a obra detém no sentido de realimentar em seus leitores, em diferentes épocas da história da humanidade, uma verdadeira “paixão” pela história e pelas personagens que empreendem uma longa andança pela Espanha, no limiar dos séculos XVI e XVII. Um cavaleiro e seu escudeiro que, em busca de aventuras, vão travando uma longa amizade pautada pela lealdade entre o louco ou o ingênuo sonhador e seu fiel, desastrado e também perspicaz escudeiro. Amizade esta, considerada como uma das mais bem representadas em toda a literatura.”

Ubirajara sempre foi fascinado pelos saveiros  da Bahia, as escunas e nosso litoral. Para atender o desejo da esposa, Maria Luísa, decidiu, depois de aposentado, viver na serra fluminense. Em São Pedro da Serra, Ubirajara se tornou apicultor, criador de patos (para a alegria dos netos), cafeicultor e fundou a ACISPS, Associação Comercial e Industrial de São Pedro da Serra. Lia diariamente “O Globo” e a “Folha de São Paulo”, que um amigo motorista de ônibus trazia para ele de Nova Friburgo. Gostava de um bom vinho e das deliciosas tilápias produzidas na região serrana. Viveu a vida intensamente, deixando saudades e muitos amigos.

*Osvaldo Campos Magalhães, casado com Cláudia, é pai de Pedro e Mariana, e avô de Letícia e Luca. Terceiro filho de Sônia e Fernando Wilson Magalhães 

** “Nos tornamos naquilo que nos apegamos” - Miguel de Cervantes

Festa da Boa Morte




Eduardo Araujo
*

Festa da Boa Morte, ou Festa de Nossa Senhora da Boa Morte, é uma tradicional comemoração religiosa afro-brasileira, que ocorre anualmente e é organizada pela Irmandade da Boa Morte, ocorre no município de Cachoeira, Bahia. De caráter secular, essa festividade popular se dá no dia 13 de Agosto, inclui missa, samba e serve-se comida. O dia 15 de Agosto é dedicado a Nossa Senhora. A festa se prolonga até o dia 17 de Agosto.

É um patrimônio cultural imaterial estadual, tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), sob o Decreto Estadual de nº 12.227/2010. É  um evento que envolve o sincretismo entre o catolicismo e o candomblé. É uma festividade de grande relevância para a cidade de Cachoeira e desperta interesse, nacional e internacional.

A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte, composta por mulheres negras, senhoras, devotas à Nossa Senhora e com ligação ao candomblé, organizam e realizam as festividades em homenagem a Nossa Senhora da Boa Morte e da Glória, desde 1820. O objetivo das integrantes era a compra da liberdade de pessoas escravizadas e organização de funerais dignos, além de ajudarem na fuga desses sujeitos para Quilombos da região.

*Tela do artista baiano Sérgio Amorim.

Aleixo Belov: Navegador dos sete mares


Beto Benjamim e Osvaldo Magalhaes*
Você acredita que esse engenheiro baiano, nascido na Ucrânia, construiu um barco com 11 m de comprimento – o Três Marias – , no quintal de sua casa em Salvador e se lançou ao mar, em 16 de março de 1980, numa aventura que durou quatorze meses, percorreu 26 mil milhas náuticas e visitou dezessete portos, sozinho? Pois bem, Aleixo Belov foi o primeiro velejador brasileiro a completar uma volta ao mundo em solitário, num barco à vela, numa época em que não existia o GPS (Sistema de Posicionamento Global) para navegação. Ele se valeu da navegação astronômica, usando o sextante, se orientando de dia pelo sol e à noite pelos astros. Como se vê não era uma aventura para qualquer um… Navegar é preciso!
Sua primeira volta ao mundo precisou de muito planejamento, organização, experiência mas, sobretudo coragem. Ele mesmo conta que a viagem foi cheia de emoções e muitos riscos. Ao regressar a Salvador 14 meses depois, Aleixo recebeu um Diploma da Marinha brasileira e escreveu A Volta ao Mundo em Solitário, seu primeiro livro, contando com detalhes essa aventura pelos mares do mundo. Tendo apreciado a viagem de barco por tantos portos e mares e, se saído muito bem dessa primeira expedição, Aleixo ainda deu mais duas voltas ao mundo em solitário: uma em 1986 e outra em 2000 que ele descreve nos seus livros. E não parou quieto. Em 2010 surpreendeu novamente, realizando um novo sonho: construiu outro barco, desta vez de aço – o veleiro-escola Fraternidade -, bem maior que o primeiro e, lá se foi para mais uma volta ao mundo, desta vez levando a bordo jovens brasileiros, selecionados num concurso nacional, para ensinar-lhes a arte da navegação e o gosto pelo mar. Aleixo partiu para sua primeira viagem como engenheiro e velejador. Voltou escritor. Foram ao todo seis livros, até agora, narrando suas aventuras, reflexões, encontros, visitas e sobretudo seu diálogo interior, na busca de entender o sentido da vida e seus limites. Em 2013, zarpou mais uma vez de sua amada Salvador para fazer uma viagem de cinco meses à Antártida – a bordo do Fraternidade – acompanhado por nove tripulantes. Uma aventura e tanto, com travessias perigosas e paisagens incríveis daquele mundo gelado, misterioso, belo e pouco conhecido.
 Neste momento, Aleixo Belov, mais uma vez a bordo do veleiro Fraternidade, empreende a mais audaciosa de suas excursões, atravessar o estreito de Bhering e completar o percurso da rota Noroeste, do Alaska, passando pela Groelandia, até a costa leste americana. A Passagem Noroeste consiste numa série de canais profundos entre as ilhas que compõem o Arquipélago Ártico Canadense. Tem cerca de 1450 km de comprimento. Tem-se falado muito na possibilidade da passagem se abrir por causa do efeito de aquecimento global, e consequente degelo, o que diminuiria consideravelmente o trajeto marítimo entre a Europa e a Ásia.
Até recentemente, essa rota só era praticável por navios com potência suficiente para quebrar gelos e durante os meses mais quentes do Verão ártico; no entanto, a ESA [1] (European Space Agency) divulgou recentemente que a passagem está aberta e limpa de gelo, tendo divulgado fotografias de satélite que mostram que o degelo levou à abertura da passagem. O gelo do Ártico derreteu dez vezes mais depressa do que no ano anterior, o que foi decisivo para esta inesperada abertura da Passagem do Noroeste (os cientistas previam que tal só acontecesse algures durante as próximas duas décadas).

Aleixo já percorreu metade do percurso planejado da rota Noroeste,  estando atualmente no Porto de Cambridge Bay, ao norte do Canadá, de onde seguirá até a Groenlândia.
*Engenheiros Civis, ex alunos de Aleixo Belov na Politécnica 

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Aquecimento global e as novas rotas no Ártico

Luisa Costa*
Projeções de cientistas indicam que o aumento da temperatura do oceano pode abrir caminho para navios acima da Rota Marítima do Norte ainda nesta decada.
O derretimento de gelo no Oceano Ártico pode transformar o comércio internacional já na próxima década, abrindo novas rotas marítimas na região. Esta foi a conclusão de um novo estudo que analisou quatro cenários possíveis sobre o futuro das mudanças climáticas. “A triste realidade é que o gelo já está recuando, essas rotas estão se abrindo e precisamos começar a pensar criticamente sobre as implicações legais, ambientais e geopolíticas [dessa situação]”, afirma Amanda Lynch, da Brown University (Estados Unidos), em comunicado. A cientista estuda mudanças climáticas no Ártico há quase 30 anos e é autora principal do estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Ela e seus colegas projetaram quatro cenários de navegação, definidos por taxas maiores ou menores de emissão de gases do efeito estufa.
 

Em outros cenários, o derretimento do gelo – causado pelo aumento da temperatura do oceano – abriria caminho para navios acima da Rota Marítima do Norte por pelo menos um mês ao ano. Isso poderia acontecer já em 2035 ou em 2065, dependendo do controle das emissões de carbono. O que isso significa Atualmente, a Rota Marítima do Norte é uma das únicas maneiras pelas quais os navios podem passar pelo Ártico. Ela liga o oceano Atlântico ao Pacífico, e atravessa a zona econômica exclusiva da Rússia – uma faixa de 300 quilômetros de água a partir da costa do país. Essa rota é controlada pela Rússia, que tem taxas e restrições, e só é navegável com a ajuda de quebra-gelos. Se as águas do Ártico aquecerem ao ponto de abrir caminho para os navios, a situação fica diferente. “A diversificação das rotas comerciais – especialmente considerando novas rotas que não podem ser bloqueadas, porque não são canais [como o Canal de Suez] – dá à infraestrutura de transporte global muito mais resiliência”, explica a cientista.
Segundo Lynch, as rotas do Ártico são 30% a 50% mais curtas do que as rotas do Canal de Suez e do Canal do Panamá – o que diminui o tempo de navegação em 14 ou 20 dias. Caso novas rotas se abram, mesmo que por apenas alguns meses, a Rússia perderia a soberania do tráfego pelo Ártico, pois os navios passariam a atravessar águas internacionais. As companhias de transporte economizariam tempo e dinheiro, e o cenário de rotas internacionais pode se tornar totalmente diferente. 
*Revista SuperInteressante - 21/07/2022

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Mudar Salvador

PAULO ORMINDO DE AZEVEDO* Nas últimas semanas foram realizados três seminários para discutir Salvador. O primeiro, sobre seu Centro Histórico, comentei no meu último artigo. O segundo, “Cidades criativas: o cenário urbano pede inovação” promovido pela Ademi, recomendou a compactação e verticalização da cidade. Segundo seu principal expositor, paulistano, para que Salvador se transforme em uma cidade criativa seria interessante que tivesse a densidade demográfica de S. Francisco, Londres e N. York (A Tarde,18/07/15). Compactar sem infraestrutura é produzir cidades como Mumbai, Bangladesh ou o Nordeste de Amaralina, o bairro mais denso de Salvador. Estamos todos de acordo que uma cidade esgarçada tem um custo muito alto. Mas este esgarçamento é produzido pelos condomínios fechados e Minha Casa Minha Vida, de moradia sem urbanismo, duas das piores formas de segregação sócio-espacial. O que torna uma cidade criativa não é a compactação, é ser um centro de pesquisa de ponta, ter programas sociais avançados e produzir cultura de vanguarda. Medellín é uma cidade criativa porque com a inclusão social transformou o maior bazar de cocaína do mundo numa cidade de qualidade de vida. Berlim também, porque reuniu duas cidades separadas durante 28 anos por um muro numa das mais criativas da Europa. Não importa o título. Nossa urbe foi uma cidade criativa na época de
Edgar Santos, como sede da vanguarda das artes nacionais. Salvador tem a mesma densidade demográfica de Berlim, 38,6 hab./ha, e esta não precisou ser uma Manhattan para ser criativa. O que devemos fazer se não temos baldios? Encher os nossos parques de torres? Pois bem, foi aquele assessor da Ademi que a Dircas/Conder contratou para salvar nossa Área Central. O terceiro evento foi o Fórum Internacional Plano Salvador/500, dentro do programa de produção de provas de participação cidadã no novo PDDU/LUOS. A Prefeitura trouxe urbanistas do Reino Unido, Medellín, Cidade do Cabo e Londres. Cada um teve 45 minutos para expor realidades muito complexas e diversas da nossa. Infelizmente a Prefeitura não tem nenhum órgão capaz de digerir e transformar essa informação em produtos palpáveis. Más serviu para algo? Sim, serviu para convencer uma plateia atenta que estamos há anos-luz do planejamento das cidades contemporâneas e que não se pode fazer um plano estratégico para 35 anos com uma infraestrutura de planejamento raquítica como a nossa. Em setembro deverá ser encaminhado à Câmara o novo PDDU/LOUS de Salvador, supostamente integrado a um plano para a RMS. Seria a oportunidade para que aqueles que estudam Salvador, como Heliodório Sampaio, Angela Gordilho, Inaiá Carvalho, Ana Fernandes, Ângelo Serpa, Juan Moreno e muitos outros redesenhassem Salvador, como fizeram Mario Leal Ferreira, Diógenes Rebouças e muitos baianos há 70 anos. A Prefeitura e a Conder preferiram contratar paulistas para traçarem o nosso futuro. Cidades criativas não se fazem sem o saber local. Este é o caso não só de Salvador como da maioria das capitais brasileiras. Como disse Antonio Risério na Flip “não há nenhuma catástrofe a caminho, a merda já aconteceu”. Pena que neste solo tão adubado não se vá plantar uma Salvador diferente. *ARQUITETO, PROFESSOR TITULAR DA UFBA SSA: A Tarde de 02/08/15