Nivaldo Andrade*
Construída na gestão do governador J.J. Seabra (1912-1916) para conectar dois dos espaços mais simbolicamente relevantes de Salvador – o Farol da Barra e a Praça Castro Alves –, a Avenida Sete de Setembro, com 4,5 km de extensão, é o maior símbolo da modernização de Salvador no início do século XX, seu projeto de futuro em ruptura com o passado. No trecho entre a Praça Castro Alves e o Campo Grande, o alargamento das ruas preexistentes para formar a nova avenida se fez através da demolição de quarteirões e de monumentos centenários, como a Igreja de São Pedro Velho e o Convento das Mercês.
Esse trecho da Avenida Sete – como é conhecida entre os baianos – se consolidou, nos anos 1960, como o principal eixo comercial da cidade, em contraposição aos demais trechos do mesmo logradouro, mais ao sul, que possuíam um caráter eminentemente residencial. O seu papel de destaque no comércio local, contudo, foi perdido ao longo das décadas seguintes, com o surgimento de uma nova centralidade urbana na região do Shopping Center Iguatemi e Avenida Tancredo Neves.
Por um lado, este trecho da Avenida Sete se constituiu, desde então, no principal corredor cultural da cidade, marcado, nas suas extremidades, por dois dos mais representativos teatros construídos no Brasil no século XX: o Teatro Castro Alves, inaugurado no Campo Grande em 1967, a partir de projeto de Bina Fonyat, e o Teatro Gregório de Mattos, na Praça Castro Alves, projeto dos anos 1980 da arquiteta Lina Bo Bardi.
Os dois quilômetros que separam estes teatros abrigam alguns dos principais equipamentos culturais da cidade, como o mítico Teatro Vila Velha, as salas do Espaço Itaú de Cinema (antigo cine Glauber Rocha) e o Espaço Cultural da Barroquinha, instalado em uma antiga igreja arruinada.
Para efeito de comparação, trata-se de uma distância menor que os 2,4 quilômetros que separam a JAPAN HOUSE São Paulo e o Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, em São Paulo, ao longo dos quais podemos encontrar outros espaços culturais, como a Casa das Rosas, o Itaú Cultural, o Museu de Arte de São Paulo e o Centro Cultural FIESP.
É, igualmente, uma distância menor que os 2,5 quilômetros que, no centro do Rio de Janeiro, separam o Museu de Arte Moderna, no Aterro do Flamengo, da Praça Mauá, onde se localizam o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã, em um percurso que passa ainda pela Biblioteca Nacional, pelo Museu Nacional de Belas Artes, pelo Teatro Municipal e pela CAIXA Cultural. Com curtos desvios, este roteiro poderia incluir ainda os Centros Culturais Banco do Brasil e dos Correios, a Casa França-Brasil e o Paço Imperial.
Voltando a Salvador, desviando poucos metros da Avenida Sete, no trecho entre o Campo Grande e a Praça Castro Alves, é possível encontrar outros equipamentos de igual importância, como o Teatro Gamboa, o Museu do Traje e do Têxtil, o Gabinete Português de Leitura, a Biblioteca Pública do Estado, o Museu de Arte Sacra e a CAIXA Cultural. Se não fosse o desnível de aproximadamente 60 metros, também seria possível, com um rápido desvio, chegar ao Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), no Solar do Unhão, outro projeto paradigmático realizado por Lina Bo Bardi em Salvador. Se ampliarmos um pouco o percurso de dois quilômetros em direção norte, chegamos ao Centro Histórico de Salvador, Patrimônio Mundial pela Unesco.
Apesar da sua importância comercial e cultural, caminhar pelo trecho Campo Grande-Castro Alves da Avenida Sete é, hoje, um tormento, pois a prioridade é do automóvel. Os passeios esburacados e ocupados por ambulantes, postes e telefones públicos não dão conta do fluxo intenso, e atravessar a avenida é uma tarefa inglória, devido ao disputado estacionamento contínuo ao longo da via, que cria um verdadeiro muro entre a calçada e a leito carroçável com três faixas de tráfego.
A Prefeitura de Salvador, através da Fundação Mario Leal Ferreira, executará um projeto de requalificação nos próximos meses que prevê o alargamento dos passeios do lado esquerdo da via, que passarão a ter 5 metros de largura, mantendo a histórica pavimentação em pedra portuguesa. Esse alargamento será possível graças à redução do estacionamento ao longo da via, o que também facilitará a sua travessia.
Apesar do acerto da proposta da Prefeitura em priorizar o pedestre em detrimento do automóvel, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador tem demonstrado preocupação com a redução significativa do número de vagas de estacionamento sem que sejam previstas soluções alternativas, como edifícios-garagem, para abrigar os automóveis que hoje estacionam ao longo da via. A intervenção recentemente realizada pela Prefeitura na Barra, eliminando o estacionamento ao longo da via e transformando-a em via compartilhada, sem que tenham sido buscadas soluções para suprir a demanda de estacionamento, teve grande impacto no comércio local, o que pode vir a se repetir no trecho entre o Campo Grande e a Praça Castro Alves.
O projeto de requalificação da Avenida Sete, no qual serão investidos quase 20 milhões de reais, só poderá produzir os efeitos esperados se vier acompanhada de outras intervenções estruturantes. Além dos edifícios-garagem citados, devem ser destacados a instalação de uma linha de VLT conectando a Praça Castro Alves ao Campo Grande, como proposto em 2015 no Plano de Reabilitação Participativo do Centro Antigo de Salvador do Governo do Estado da Bahia, e a construção de um teleférico ligando o MAM ao Mirante dos Aflitos, a 150 metros da Avenida Sete, como já previsto em diversos planos e projetos. Somente juntando investimentos do Governo Estadual e da Prefeitura, assim como da iniciativa privada, será possível consolidar este trecho da Avenida Sete como principal eixo cultural de Salvador, sem perder seu caráter comercial histórico e tendo o pedestre como protagonista.
*Nivaldo Andrade. Arquiteto e urbanista, mestre e doutor (2012) em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), realizou pós-doutorado na École d’Urbanisme de Paris / Université de Paris-Est. Professor da Faculdade de Arquitetura da UFBA. É um dos curadores do Congresso Mundial de Arquitetos, que ocorrerá no Rio de Janeiro em julho de 2020, organizado pela União Internacional dos Arquitetos e pelo IAB.
**Artigo publicado originalmente em Arq.Futuro - http://arqfuturo.com.br/
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