Paulo Ormindo de Azevedo*
Ha alguns anos não vou a Europa, onde morei. Mas o recebimento de um vídeo de Montmartre, em Paris, me provocou uma catarse.
As calçadas estavam cheias de mesas e seus usuários conversavam com moradores, tocadores de realejos e músicos.
Poderia citar muitos exemplos europeus, mas prefiro os nacionais, como os calçadões de Copacabana, as vilas Madalena e Olímpia, em São Paulo, as orlas de Maceió e João Pessoa.
Os nossos passeios são mesquinhos, mas tínhamos ruas comerciais de muita interação social e política, como a Rua Chile, e vias simples, mas integradoras, como a Baixa dos Sapateiros, cantada por Ary Barroso.
Na Barra se fazia um animado footing e nos bairros as famílias colocavam cadeiras nos passeios para fofocarem e jogarem dominó. Tínhamos o ciclo das festas de largos e ruas, que começavam na Conceição e seguiam pela Boa Viagem, Lapinha, Ribeira, Rio Vermelho, Pituba e Itapuã.
Nelas se encontravam os amigos para conversarem, comer, beber, batucar e cantar. Ali nasciam namoros, casamentos e separações.
Havia também as feiras de bairros, onde se encontravam os vizinhos, consumidores e vendedores e se provava a farinha, o camarão seco, a cachaça de rolha e as frutas. Essas seguiam o roteiro dos pequenos portos de saveiros: Ribeira, Lenha, Agua de Meninos, Rampa do Mercado, Preguiça, Barra, Rio Vermelho e Itapuã.
Ainda recentemente grupos de músicos se reuniam aos domingos nas praças de Nazaré e da Madragoa para tocarem reunindo um grande número de vizinhos. Não cobravam nada, mas pelo que me informaram, a Prefeitura queria cobrar pela ocupação do espaço público.
Nos países desenvolvidos, as municipalidades pagam e esses músicos que animam estações de metrô e praças.
Quando defendo a humanização de nossa cidade, os cultores do concreto e dos viadutos me acusam de saudosista. Eles provavelmente não conhecem as feiras e mafuás de Nova York, Paris, Roma e Londres.
Em São Paulo e no Rio continuam existindo feiras rotativas diárias e agora de charangas locais com apoio da prefeitura que fecha ruas para a sua realização. Por que esses espaços acabaram em Salvador?
Pela falta de sensibilidade dos nossos edis, pela priorização do carro sobre o cidadão, pelo abandono das calçadas e shoppings excludentes.
Desses espaços de socialidade apenas as praias, objeto de estudo de Thales de Azevedo, persistem, mas desprovidas de banheiros, chuveiros, sombreiros e quiosques de venda de agua, refrigerantes e acarajés.
Em todo o mundo, faixas de rolamento estão sendo transformadas em ciclovias e calçadões arborizados, incrementando a vida social, o comercio e os serviços. Aqui a “desurbanização” se faz com superfaturados e inúteis viadutos e elevados excludentes de pedestres, bicicletas e do verde.
SSA: A Tarde, 12/01/2017
*Arquiteto e professor catedrático da UFBA
P.S. – Estou aniversariando neste mês e a Academia de Letras da Bahia, a UFBA, o Dep. Ba do IAB e o CAU/BA resolveram me fazer uma homenagem, quando lanço o livro “A Memória da Pedras”, de contos e crônicas sobre arquitetura e urbanismo. Terei o maior prazer em receber os meus leitores de Salvador. Dia 16/03, às 18 hs, na ALB, Palacete Góes Calmon, na Av. Joana Angélica, defronte do Ministério Público da Bahia.
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