Paulo Ormindo*
A primeira administração do arquiteto e urbanista Jaime Lerner como prefeito de Curitiba, entre 1971 e 1975, foi um estouro. Ele transformou uma das ruas mais movimentadas da cidade na primeira via exclusivamente de pedestre do país, a Rua das Flores. Mas a sua grande invenção, que lhe permitiu ser reeleito duas vezes e chegar ao governado do estado, foi a Rede Integrada de Transportes, RIT, com seus ônibus articulados conhecidos como “ligeirinhos”. Na verdade, era a aplicação dos estudos desenvolvidos pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, IPPUC, fundado em 1965, que ele foi um dos criadores e diretores. Curitiba se transformou em um laboratório de gestão urbana admirada não só no pais como em todo o mundo.
O segredo do ”ligeirinho” era criar estações elevadas, no mesmo nível do assoalho dos ônibus e a passagem ser cobrada antes da entrada no veículo, tornado as operações de embarque e desembarque muito rápidas, além dos ônibus rodarem em vias preferenciais. Para implantação do sistema foi preciso desenvolver um ônibus especial, articulado, com capacidade para 160 passageiros e com grandes portas altas, do lado esquerdo, para atracar em estações que ficavam no canteiro central. O projeto foi desenvolvido pelas duas maiores fabricantes de ônibus do país, a Volvo e a Marcopolo.
Inspirado na RIT de Curitiba foram criados, nas décadas seguintes, sistemas de ônibus expressos em Quito e em Bogotá, este com o nome de TransMilenio. É em Bogotá que o sistema ganha grandes aperfeiçoamentos na administração do prefeito Enrique Peñalosa. As vias troncos passaram a ser exclusivas e ter duas faixas em cada direção permitindo ultrapassagens e criação de sistemas expresso e local de mobilidade. A construção do sistema começou em 1998 e foi inaugurado no final de 2000. Universalizado com o nome de Bus Rapid Transit, BRT, o sistema foi imitado em muitas cidades subdesenvolvidas, como um pseudo-metrô dos pobres. Enquanto um ônibus articulado transporta 160 passageiros, um metrô transporta 1.000. Passados 15 anos, os moradores de Bogotá protestam contra seu congestionamento, as autoridades declaram que o sistema chegou a seu limite, Peñalosa perdeu a eleição e já se estuda a implantação de um metrô subterrâneo.
Nestes 50 anos de existência, o “ligeirinho” envelheceu. Naquela época, como ainda em Salvador, os ônibus eram montados sobre um chassi com seu assolho a 90 centímetros do solo, dificultando o acesso dos passageiros, especialmente crianças, velhos e deficientes. Em 1965, a cobrança da passagem era feira na entrada do ônibus com um curral e uma catraca retardando a parada nos pontos. Foi a remoção dessas barreiras que determinou o sucesso do “ligeirinho” curitibano.
Hoje os ônibus têm estrutura monobloco, o que permite ter o assoalho a 20 centímetros do solo, como os usados nos embarques remotos nos aeroportos. Os mais modernos, com suspensão de ar comprimido, se inclinam lateralmente para nivelar ao passeio. A cobrança da passagem é feita com cartões pré-pagos, que são validados à bordo do ônibus, eliminando os currais e catracas. Câmaras de monitoramento permitem ter vias exclusivas sem necessidade de criar barreiras. Nova York e muitas cidades norte-americanas estão criando sistemas de ônibus expressos em vias exclusivas, mas não bloqueadas, com paradas a cada quatro quadras, ao compasso da onda verde dos semáforos. Os europeus investem em VLTs amigáveis e não poluentes.
Neste meio século, a tecnologia evoluiu e o planejamento urbano involuiu no país. Arrepio-me quando ouço dizer que vão criar em Salvador um “ligeirinho” cinquentão entre a Lapa e o Iguatemi, competindo com o metrô, capeando rios, eliminando centenas de arvores e criando uma dezena de viadutos, um deles sobre o dique do Tororó, enquanto no Rio e em São Paulo estão eliminando viadutos e instalando VLTs para humanizar a cidade.
*Paulo Ormindo Azevedo é professor titular da Ufba
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