terça-feira, 3 de novembro de 2015

Salvador 400


Paulo Ormindo de Azevedo*

Assisti, menino, ao IV Centenário de Salvador, em 1949, que hoje chamaríamos de Salvador/400. Foi a criação um novo paradigma urbano com as inaugurações da Av. Centenário, Escola Parque, Estádio da Fonte Nova, Fórum Rui Barbosa e Hotel da Bahia. Mas não eram apenas obras com foco no social. Estávamos vivendo o nascimento da UFBA, a realização do Salão de Artes da Bahia com a ala de arte moderna de Mario Cravo, Carlos Bastos, Genaro de Carvalho, Jener Augusto e Caribé, a assinatura do convenio Estado da Bahia/Columbia Universiry de estudos sociais, e a estruturação da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia. A prefeitura promoveu um monumental desfile histórico na Av, Sete de Setembro, a peça Alto de Graça e Gloria da Bahia, que correu o país, e encomendou dez livros fundamentais para entender a cidade. Vivíamos a queda do nazi/fascismo, a redemocratização de 1946 e a recuperação do cacau. Mas o que explica a valorização do social, da cultura e da razão foram quadros como Otávio Mangabeira, Anísio Teixeira, Nestor Duarte, Thales de Azevedo, Diógenes Rebouças e José Silveira e produtores culturais como Alexandrina Ramalho e Adroaldo R. Costa, que mudaram a cara de Salvador.
Se dirá que os tempos são outros. Sem dúvida, mas tivemos a queda do muro de Berlin, a redemocratização de 1985, a pílula, o ciclo do petróleo, o tropicalismo e o Axé Music e nada mudou na Bahia nos últimos 40 anos. Nossos heróis, artistas, empresas e bancos migraram para o sul ou fecharam. Restou apenas o entulho de concreto dos viadutos e vias expressas e a sucata de carros que não andam. São mínimos os avanços na distribuição da renda, na qualidade da educação, na inclusão social e na cultura. É mais cômodo pensar que este articulista é um saudosista, do que reconhecer a crise e querer superá-la.
Anuncia-se para março o plano estratégico Salvador/500. Os desafios e incertezas são enormes nos próximos 35 anos: mudanças climáticas, crise da representatividade, insurgência em rede, envelhecimento da população, desindustrialização, novos/antigos modais de mobilidade, a paleta, a bicicleta e o trem de ferro. Mas as possibilidades são também imensas: aumento da vida, ócio criativo, turismo cultural, comunicação em rede e urbanidade solidária. Conciliar estas duas coisas seria tarefa para os nossos melhores filósofos, antropólogos, sociólogos, demógrafos, planejadores e urbanistas, em suma, para a nossa academia antenada no social. Evidentemente não houve tempo para isto e os resultados apresentados, até agora, pelos economicistas da garoa contratados para nos diagnosticar deixam muito a desejar.
Mas houveram alguns avanços com relação aos projetos anteriores de PDDU: audiências públicas, mobilização da sociedade, atuação do Ministério Público e do Participa, vistos como oposição retrógrada e “política”, como nome feio, e não como contribuição crítica e democrática ao processo. No conceito de progresso reside o conflito das duas posições: se social-público ou econômico-privado. Estamos perdendo a oportunidade de deflagrar uma inovadora revolução sociocultural, como fizeram Otávio Mangabeira, Anísio Teixeira e Edgar Santos.
*Paulo Ormindo Azevedo é Professor Titular da UFBa

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