Eleição é escolha - logo, comparação, confronto. O candidato não existe sozinho, nem a vácuo. Foi assim que Marcelo Freixo pôde se projetar como chama inovadora na paisagem eleitoral do Rio. Que Haddad afirmou sua total superioridade sobre Serra, um político que optou pelo caminho da autodeterioração, com uma impressionante capacidade para mentir. Que, em Salvador, o neto de Antônio Carlos Magalhães entrou em cena. E o termo de comparação foi o pior possível: o candidato do PT, Nelson Pelegrino, sujeito tosco, despreparado para tudo.
Pouco antes de votar, minha mulher, Sara Victoria, com sua história familiar comunista, me surpreendia: "Vou votar em Neto porque ele tem obrigação moral de fazer alguma coisa. Pelegrino não tem obrigação, nem sabe o que é moral". Por que "obrigação moral"? Para responder pela herança, pelo conjunto de realizações de Antônio Carlos na cidade, pelo compromisso (discutível, mas inegável) do velho com Salvador. Mas não há razões para se temer uma "volta do carlismo": não existe carlismo sem Antônio Carlos. O carlismo não é uma doutrina. Era um chefe e seu agrupamento, crias do nacionalismo autoritário da década de 1930, emergindo na ditadura militar, apelando, adiante, para o populismo de direita. Se fosse possível sem ACM, o carlismo já teria voltado com o PT baiano. O vice-governador da Bahia é o carlista Oto Alencar (que chegou a ser governador por seis meses nos tempos de ACM). Carlistas, como o ex-governador César Borges, apoiaram Pelegrino. Carlistas ocupam cargos de relevo no governo estadual. E se destacam no PT. Além disso, no dizer de Paulo Fábio, Wagner aprendeu e aplica a "gramática do carlismo", na afirmação de sua hegemonia baiana. Na verdade, falar de carlismo é fácil e conveniente para quem não quer pensar, a não ser com base no velho maniqueísmo local. É cômodo para as viúvas ressentidas de ACM, à direita. E à esquerda, onde elas aparecem como as neuróticas obsessivas de Freud, sem conseguir tirar o velho da cabeça.
Pouco antes de votar, minha mulher, Sara Victoria, com sua história familiar comunista, me surpreendia: "Vou votar em Neto porque ele tem obrigação moral de fazer alguma coisa. Pelegrino não tem obrigação, nem sabe o que é moral". Por que "obrigação moral"? Para responder pela herança, pelo conjunto de realizações de Antônio Carlos na cidade, pelo compromisso (discutível, mas inegável) do velho com Salvador. Mas não há razões para se temer uma "volta do carlismo": não existe carlismo sem Antônio Carlos. O carlismo não é uma doutrina. Era um chefe e seu agrupamento, crias do nacionalismo autoritário da década de 1930, emergindo na ditadura militar, apelando, adiante, para o populismo de direita. Se fosse possível sem ACM, o carlismo já teria voltado com o PT baiano. O vice-governador da Bahia é o carlista Oto Alencar (que chegou a ser governador por seis meses nos tempos de ACM). Carlistas, como o ex-governador César Borges, apoiaram Pelegrino. Carlistas ocupam cargos de relevo no governo estadual. E se destacam no PT. Além disso, no dizer de Paulo Fábio, Wagner aprendeu e aplica a "gramática do carlismo", na afirmação de sua hegemonia baiana. Na verdade, falar de carlismo é fácil e conveniente para quem não quer pensar, a não ser com base no velho maniqueísmo local. É cômodo para as viúvas ressentidas de ACM, à direita. E à esquerda, onde elas aparecem como as neuróticas obsessivas de Freud, sem conseguir tirar o velho da cabeça.
O próprio Neto diz outra coisa: "Sempre tive orgulho da minha história, do senador ACM, que continua sendo uma pessoa presente no coração dos baianos... Nós estamos em 2012. Nada de falar em retorno do carlismo. Eu não quero e não vou fazer um governo personalista, eu quero fazer um governo plural, um governo com todos. Pela primeira vez, eu vou ter a oportunidade, inclusive, de afastar desconfianças, quebrar paradigmas... Não vou fazer um governo que vá perseguir ninguém... Quero fazer um governo plural, pensando no futuro da cidade. E ponto final". Neto não tem de renegar o avô. E pode vislumbrar, entre ambos, a figura do tio Luís Eduardo Magalhães, avesso a práticas autoritárias do carlismo. Luís Eduardo era essencialmente político e um político essencialmente democrático. Sobre ele, Fernando Henrique escreveu: "Luís Eduardo, como presidente da Câmara dos Deputados e como líder do governo, demonstrou que o trato cavalheiresco e os modos amenos podem ser compatíveis com a firmeza de decisões, com a capacidade de convencer os demais, com a determinação para chegar a resultados.
Luís sempre apoiou as reformas: acreditava na necessidade delas para o País e não apenas as apoiava por conveniência política". É muito diferente, claro, do deputado noviço que prometeu uma improvável surra em Lula. Mas Luís Eduardo, nos seus tempos de Dudu, também foi destemperado e arrogante. Com os anos, aprendeu. Soube se reinventar, inclusive pessoalmente. Circulando com desenvoltura na frente partidária ligada ao governo de Fernando Henrique e em meio aos partidos de oposição, era tratado com respeito e admiração. Todos reconheciam que ele tinha luz própria e olhava para o futuro. "Luís representava uma perspectiva moderna no PFL", disse Fernando Gabeira. E Marta Suplicy: "Era um homem que tinha a capacidade de se abrir para o novo". Infelizmente, ele morreu em 1998, ainda jovem, aos 43 anos.
Que Neto não se mire menos no tio do que no avô, não perca tempo na canoa furada de "protagonista da CPI do mensalão", não pise na bola dos favores e se abra de fato para a conversa séria, é o que espero. Ele sabe o que interessa: pensar o futuro da cidade. Salvador está caindo aos pedaços. Tem de reconfigurar sua expansão, reativar sua memória, diminuir distâncias sociais, recuperar sua criatividade e reconquistar seu lugar na vida brasileira. E Neto, apesar das dificuldades, vai assumir a prefeitura em conjuntura propícia. Com obras programadas para a Copa, com a visão civilizada de Wagner (que, contrariando ameaças de Sérgio Gabrielli, não deve asfixiar a prefeitura, como o velho ACM fez com Lídice da Mata), com apoio nacional e uma câmara municipal menos desqualificada, etc. O desafio é avançar no caminho da transformação de um vilarejo com elefantíase numa cidade ao mesmo tempo histórica e de vanguarda. Em uma Salvador digna de si mesma.
ANTONIO RISÉRIO É ANTROPÓLOGO E AUTOR, ENTRE OUTROS, DE A CIDADE NO BRASILArtigo originalmente publicado no jornal O Estado de São Paulo - 21/12/2012
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