Ilustração de Aziz
Nelson Pretto*
Tenho saudade de uma Salvador dos espaços generosos. Não imagino que o tempo tenha que parar, que o chamado progresso e o avanço do cimento e do asfalto tenham que ser contidos na marra. Mesmo que nestes últimos tempos de chuvas fortes eles tenham dificultado o movimento da água para seu lugar natural, longe de mim pensar em simplesmente voltar para o passado.
Também não quero falar do tempo das praças sem grades, dos chafarizes, fontes de água, casas sem muros ou com eles ainda baixinhos, onde podíamos sentar para prosear e matar o tempo. Para estes temas, os arquitetos, urbanistas, engenheiros, todos os articulistas de várias áreas já vêm escrevendo em A Tarde desde muito.
Quero falar, no entanto, de um espaço que para mim é muito caro: o das escolas.
Nossas escolas encolheram. E muito. Acabaram-se os amplos campos para o futebol, babas, garrafão ou similares, acabaram as áreas para o tão esperado recreio, também esse espremido entre os poderosos 50 minutos da sequência de aulas. Aulas que normalmente acontecem em salas que, praticamente, mantêm a mesma configuração de muitos anos, quem sabe séculos, e, o que é pior, também elas encolhidas.
São os mesmos móveis, a distribuição das cadeiras, o quadro negro – depois verdes e, nas mais modernas, até digitais –, estes quase todos colocados na frente, para que uma “plateia” de estudantes possa acompanhar as “emissões” dos professores.
No campo de interseção da arquitetura com a educação pouca coisa mudou e Bahia é repleta de experiências nessa área.
De um lado, com a triste proposta de se construir grandes escolas, todas iguaizinhas, replicadas pelo interior do Estado, e ainda por cima com o mesmo nome, antecedido do terrível adjetivo “modelo”. Nada a ver com educação, que precisa mesmo é ir para além dos modelos e caminhar em busca da criação.
De outro lado, tivemos uma rica experiência que não deveria ser esquecida, como a Escola Parque, implantada no bairro da Caixa D’Água por educadores e arquitetos baianos. Idealizada pelo educador Anísio Teixeira em conjunto com o arquiteto Diógenes Rebouças e o engenheiro Hélio Duarte, ali podemos ver, de forma cristalina, uma clara compreensão da importante relação da educação com a arquitetura. Relação essa que nós, da Faculdade de Educação da UFBA, insistimos ser básica para pensarmos a educação no presente e para o futuro.
Tentamos – com sucesso muito pequeno, é bem verdade – uma maior aproximação com a nossa Escola de Arquitetura, para montar um grande projeto para se estudar a relação entre essas duas grandes áreas. Um programa que fosse buscar em Anísio, Diógenes e Hélio inspiração e resgate histórico. Mas que não ficasse só neles. Que fosse também estudar e aprender, por exemplo, com Charles Mackintosh, o arquiteto da Escola de Artes de Glasgow, idealizador de um projeto de escola básica denominado Scotland Street School, hoje belíssimo museu sobre a história da educação na Escócia, onde é possível ver como eram as salas de aula e o funcionamento da escola ao longo dos anos naquele país.
A Escola Parque, pensada por Anísio (ver Revista Muito de 25/04), era um conjunto generoso de espaços livres, que incluía, com uma incrível centralidade, um enorme campo de futebol, rodeado de um teatro a la Teatro Castro Alves, uma magnífica biblioteca a la Brasília, um pavilhão para oficinas, repletos de obras de arte de Jenner Augusto, Carybé, Mario Cravo (aliás, como estão esses painéis, alguém sabe?!) e uma ala administrativa com refeitório, padaria e espaço para professores e alunos. Tudo, absolutamente tudo, imerso numa área verde de frondosas mangueiras que, felizmente, ainda lá estão.
Nesse complexo educacional, dizia Anísio, os filhos dos pobres teriam acesso àquilo que os filhos dos ricos têm nas suas casas. Ali estaria sendo formada uma juventude para fazer diferença.
Aqui, num hoje espremido no tempo e no espaço, nossa juventude é deformada para caber, literalmente, nas grades, curriculares e das salas de aulas. Quebrar estas amarras, na busca de uma formação mais ampla, é algo que demanda ações mais corajosas. E isso, não pode mais ser protelado para amanhã.
*Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
(artigo publicado originalmente na editoria de Opinião do jornal A Tarde, de Salvador-BA, em 25.4.2010)
Tenho saudade de uma Salvador dos espaços generosos. Não imagino que o tempo tenha que parar, que o chamado progresso e o avanço do cimento e do asfalto tenham que ser contidos na marra. Mesmo que nestes últimos tempos de chuvas fortes eles tenham dificultado o movimento da água para seu lugar natural, longe de mim pensar em simplesmente voltar para o passado.
Também não quero falar do tempo das praças sem grades, dos chafarizes, fontes de água, casas sem muros ou com eles ainda baixinhos, onde podíamos sentar para prosear e matar o tempo. Para estes temas, os arquitetos, urbanistas, engenheiros, todos os articulistas de várias áreas já vêm escrevendo em A Tarde desde muito.
Quero falar, no entanto, de um espaço que para mim é muito caro: o das escolas.
Nossas escolas encolheram. E muito. Acabaram-se os amplos campos para o futebol, babas, garrafão ou similares, acabaram as áreas para o tão esperado recreio, também esse espremido entre os poderosos 50 minutos da sequência de aulas. Aulas que normalmente acontecem em salas que, praticamente, mantêm a mesma configuração de muitos anos, quem sabe séculos, e, o que é pior, também elas encolhidas.
São os mesmos móveis, a distribuição das cadeiras, o quadro negro – depois verdes e, nas mais modernas, até digitais –, estes quase todos colocados na frente, para que uma “plateia” de estudantes possa acompanhar as “emissões” dos professores.
No campo de interseção da arquitetura com a educação pouca coisa mudou e Bahia é repleta de experiências nessa área.
De um lado, com a triste proposta de se construir grandes escolas, todas iguaizinhas, replicadas pelo interior do Estado, e ainda por cima com o mesmo nome, antecedido do terrível adjetivo “modelo”. Nada a ver com educação, que precisa mesmo é ir para além dos modelos e caminhar em busca da criação.
De outro lado, tivemos uma rica experiência que não deveria ser esquecida, como a Escola Parque, implantada no bairro da Caixa D’Água por educadores e arquitetos baianos. Idealizada pelo educador Anísio Teixeira em conjunto com o arquiteto Diógenes Rebouças e o engenheiro Hélio Duarte, ali podemos ver, de forma cristalina, uma clara compreensão da importante relação da educação com a arquitetura. Relação essa que nós, da Faculdade de Educação da UFBA, insistimos ser básica para pensarmos a educação no presente e para o futuro.
Tentamos – com sucesso muito pequeno, é bem verdade – uma maior aproximação com a nossa Escola de Arquitetura, para montar um grande projeto para se estudar a relação entre essas duas grandes áreas. Um programa que fosse buscar em Anísio, Diógenes e Hélio inspiração e resgate histórico. Mas que não ficasse só neles. Que fosse também estudar e aprender, por exemplo, com Charles Mackintosh, o arquiteto da Escola de Artes de Glasgow, idealizador de um projeto de escola básica denominado Scotland Street School, hoje belíssimo museu sobre a história da educação na Escócia, onde é possível ver como eram as salas de aula e o funcionamento da escola ao longo dos anos naquele país.
A Escola Parque, pensada por Anísio (ver Revista Muito de 25/04), era um conjunto generoso de espaços livres, que incluía, com uma incrível centralidade, um enorme campo de futebol, rodeado de um teatro a la Teatro Castro Alves, uma magnífica biblioteca a la Brasília, um pavilhão para oficinas, repletos de obras de arte de Jenner Augusto, Carybé, Mario Cravo (aliás, como estão esses painéis, alguém sabe?!) e uma ala administrativa com refeitório, padaria e espaço para professores e alunos. Tudo, absolutamente tudo, imerso numa área verde de frondosas mangueiras que, felizmente, ainda lá estão.
Nesse complexo educacional, dizia Anísio, os filhos dos pobres teriam acesso àquilo que os filhos dos ricos têm nas suas casas. Ali estaria sendo formada uma juventude para fazer diferença.
Aqui, num hoje espremido no tempo e no espaço, nossa juventude é deformada para caber, literalmente, nas grades, curriculares e das salas de aulas. Quebrar estas amarras, na busca de uma formação mais ampla, é algo que demanda ações mais corajosas. E isso, não pode mais ser protelado para amanhã.
*Nelson Pretto – professor da Faculdade de Educação da UFBA – www.pretto.info
(artigo publicado originalmente na editoria de Opinião do jornal A Tarde, de Salvador-BA, em 25.4.2010)
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