domingo, 23 de outubro de 2016

Nobel sem paz, nem literatura


Paulo Ormindo Azevedo*
Tem razão Caetano quando diz que “alguma coisa está fora da ordem mundial”. O anuncio do prêmio Nobel de 2016 não passou de um monumental chabu. Há 50 anos se luta e se negocia a paz na Colômbia. São dezenas de milhares de homens e mulheres que não sabem fazer outra coisa senão guerrear e o governo não tem como dar ocupação ou aposentadoria a eles. As negociações realizadas em Havana, com o beneplácito de Obama, foi mais uma dessas tentativas. Quando a sociedade já tinha dito “não”, o comitê do Nobel disse “sim”. Não fará muita diferença, porque os dois prêmios dados a judeus e árabes, no passado, não conseguiram contribuir para a paz dos povos. Este, inclusive, é assimétrico, pois só contemplou uma das partes da negociação, contrariando a tradição do prêmio: Kissinger-Le Duc (1973), Al Sadan – Menhagen Beguin (1978), Mandela-De Klerk (1993), Arafat-Perez (1994). 
Não sou contra reconhecer a poesia embarcada em canções de protesto ou de amor. Mas com todo respeito a Bob Dylan, sua poesia não chega aos pés dos Beatles com Yesterday e Help ou a de um só de seus membros, Lenon, com sua memorável Imagine. E por que não o relacionar com os brasileiros? Não vou falar de Orestes Barbosa, Cartola e Vinicius, que não fizeram protesto.
Num congresso realizado no Texas, há alguns anos, um rapaz sabendo que eu era baiano me procurou para falar com entusiasmo da festa que era a Bahia nos anos 60 de Edgar Santos. Ele e colegas tinham participado de um intercâmbio estudantil em Salvador acompanhados do professor português Machado da Rosa e acabaram se envolvendo com protestos contra o golpe de 64 e tiveram que voltar para casa antes da hora. Ele considerava a música de protesto brasileira muito mais forte que a americana. Nenhum cantor americano foi censurado ou teve de se exilar por protestar cantando. E dizia que Vandré era muito superior a Bob Dylan.
Não se pode comparar a produção musical, teatral e literária de Chico Buarque de Holanda com as baladas country do norte americano. Chico teve que adotar pseudônimo, Julinho de Adelaide, para lançar no país sua produção no exilio. Escreveu e musicou as peças teatrais Roda viva, Gota d’água, Calabar e Opera do malandro. Compôs a trilha musical de Vida e morte Severina, de João Cabral, e de Os saltimbancos, dos irmãos Grimm. Mas ao par das músicas e peças teatrais de protesto, ele produziu canções de enorme lirismo, especialmente aquelas em que retrata a alma feminina, como: Com açúcar e com afeto, Olhos nos olhos, Teresinha, Atrás da porta e Folhetim. Chico é autor de cinco romances traduzidos para vários idiomas, dois dos quais receberam o maior prêmio literário brasileiro, o Jabuti. 
A indicação ao prêmio Nobel é precedida de uma verdadeira batalha diplomática. A América Hispânica, com população equivalente à do Brasil, tem 17 Prêmios Nobel e nós nenhum, porque o Itamaraty nunca se empenhou pelas candidaturas de cientistas e literatos brasileiros lançadas por intelectuais nacionais. A Argentina tem cinco prêmios Nobel, o México três e a Guatemala dois. Acabo de voltar desse pequeno país onde participei de seminário como membro da Comitê Cientifico da Rede Patrimônio Histórico Ibero-Americano e pude constatar quanto a Cooperação Espanhola investe nesse e em outros países da região para em seguida introduzir seus bancos, empresas de construção, distribuição de energia e agua, recolhimento de lixo e supermercados. No Brasil, a cooperação com países mais pobres é mal vista. 
No artigo “A força discreta do povão brasileiro”, publicado nesta coluna em 28/08 deste ano, eu dizia que quem faz o soft power do Brasil, e sem nenhum apoio oficial, é seu povão com a música popular, com a alegria do carnaval, com o futebol e com a capoeira. Nossos embaixadores parecem apenas interessado em recepções black-tie e opíparos banquetes.

*Professor Catedrático da Ufba
 A Tarde, 23/10/2016

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