domingo, 7 de dezembro de 2014

A morte do minhocão

Paulo Ormindo de Azevedo
O minhocão emerge das aguas do Velho Chico apavorando pescadores e ribeirinhos, como o monstro do lago Ness. Em 2003 o governo da Escócia determinou a morte do monstro que não passava de uma farsa. O minhocão-farsa de São Paulo, que apavora urbanistas e moradores, porque liga um congestionamento a outro e deteriora a vizinhança, acaba de ser condenado à morte pela Câmara de Vereadores (Estadão, 27pp,). Proposto ao prefeito Faria Lima em 1968, este preferiu investir no metrô. Mas Maluf para se exibir não só o realiza, como o alonga até Perdizes, em 1970. Por esta e outras maracutaias Maluf foi condenado a devolver um montão de dinheiro à prefeitura.
O minhocão de São Paulo não é o único. Recentemente foi implodido um trecho do Elevado Perimetral no centro do Rio para valorizar a área e viabilizar o Porto Maravilha. Outros não precisaram ser demolidos, simplesmente caíram ou estão interditados em Belo Horizonte e Cuiabá. Os americanos foram os primeiros a desativar esses monstrengos rodoviários e transformar seus espaços em parques. O primeiro deles, o Drive Harbor em Portland, é de 1974. Outro exemplo é o chamado Pier Freeway, em San Francisco, que foi transformado em parque em 1991, depois que o terremoto de 1989 o destruiu parcialmente e o transito melhorou. A iniciativa se repete em Nova York, Boston, Seattle, Toronto e Quebec. O mesmo está ocorrendo na Europa, em Madrid, Barcelona, Paris, Lyon e Nanterre. Mas o mais espetacular ocorreu em 2003 em Seul onde um minhocão foi demolido e desenterrado o rio Cheonggyencheon, (foto) criando-se um parque aquático.
Na Bahia, onde as inovações tardam até 40 anos, continuamos a fazer minhocões e recobrir rios, como o Complexo 2 de Julho, a Via Expressa, a nova Vasco da Gama e os dois elevados e canal do Imbuí. Os dois quilométricos minhocões poderiam ser reduzidos a uma simples tesourinha de Brasília. Estas obras superdimensionadas para hiperfaturar só servem para engordar as empreiteiras e criar a demanda induzida que promove o aumento do trafego. Quem duvidar vá a Lauro de Freitas no final de semana ou à Rótula do Abacaxi no final da tarde. Os viadutos e a rotula estão travados. A qualidade dessas obras não honra a engenharia baiana. Um erro de locação exigiu que fossem feitos quatro tuneis em vez de dois na Soledade. Catorze viadutos não resolveram o Abacaxi que alaga quando chove. A chegada da Via Expressa ao Cabula não foi resolvida. O viaduto Dona Canô, que deveria ter duas mãos, foi reduzido a mão única para não engarrafar.
Essas não são vias urbanas, senão obras rodoviárias de péssima qualidade. Não há passeios, paradas de ônibus, faixa para ciclistas, arborização nem sinalização. É praticamente impossível transpor a Via Expressa ou a Paralela. Rodovias urbanas e passarelas induzem os motoristas a trafegarem no limite de velocidade de 70 e 80 km/h. Em Nova York a velocidade máxima agora permitida é de 40 km/h pois acima dessa velocidade um atropelo ou esbarro em uma bicicleta ou moto é fatal. O que adianta correr se mais adiante o transito não passa de 15 km/h.? A solução é o planejamento público, competente e isento, que não seja os projetos carimbados das empreiteiras ficha-sujas.
SSA: A Tarde de 7/12/14

Voando sobre a Baía de Todos os Santos

Eduardo Atayde*
Se a ponte Salvador-Itaparica vai ser construída, ainda não sabemos, mas os debates estão na ordem do dia. Liderando as ações, o governo do estado acendeu o maçarico contratando a empresa internacional de consultoria McKinsey, referência no mundo, para fazer levantamentos sócio-econométricos a fim de lastrear o planejamento sobre a área de influência econômica da Baía de Todos os Santos (BTS), que vai muito além da área molhada.
A BTS é uma Área de Proteção Ambiental (APA) de uso sustentável, estabelecida pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985). Na prática, as APAs parecem funcionar hoje como carros velhos em museus, serviram no passado mas não atendem mais a realidade corrente. A BTS, que começa a sofrer as dores do crescimento com a visibilidade internacional como berço da civilização de uma das maiores economias do mundo, precisa avançar com inteligência nova para garantir a sua preservação - uma imperiosa necessidade - transformando-a em PIB sustentável.
Pressionada por crescentes empreendimentos que esbarram nos emaranhados de legislações de três níveis (federal, estadual e municipal), e submetida a burocracias trinas, licenças múltiplas, preservações e impactos, direitos, deveres e judicializações - a bela baía está em crise. Especialistas em sobrepujar crises, os japoneses usam dois ideogramas para traduzir esta palavra: perigo e oportunidade. Desenvolver-se sustentavelmente é o único caminho para a baía ameaçada.
Vultosos investimentos como a ponte, o estaleiro do Paraguaçu, a ampliação da Refinaria Landulfo Alves, o terminal de desgaseificação da Petrobras, novos portos privados, ampliação dos velhos portos e o despertar para investimentos imobiliários e suas marinas, com dinheiros de fundos internacionais - precisam estar submetidos a um plano global de gestão da BTS guiados pelos princípios da sustentabilidade de resultados, com monitoramentos de última geração, como fazem baías ao redor do mundo, visando manter a qualidade do ambiente que serve a todos, especialmente à população.
A Agência de Gestão da BTS, proposta ao governo do estado pela Associação Comercial da Bahia e o Rotary BTS, volta à ordem do dia. Sem governança inovada e parceria público-privada, já experimentada em outras baías do mundo, o custo do desenvolvimento da BTS será cada vez maior. Princípios da sustentabilidade de resultados revelam que, dentre todos, o custo da ignorância é o mais pesado.
Apostando no incremento da qualidade dos transportes na baía e nos incentivos de R$ 7,3 bilhões do governo federal para aviação regional, o Rotary BTS abre uma nova proposta: aviões anfíbios partindo do Forte de São Marcelo ou da Ribeira (como antigamente), voando sobre a BTS e pousando em Pedra do Cavalo, Feira de Santana. Voos diários de 20 minutos de duração entre Feira e Salvador ficarão lotados, afirmam potenciais usuários consultados, indicando outras localidades como Itaparica, Paraguaçu, Morro de São Paulo e Boipeba, a serem servidas.
* Eduardo Athayde é diretor da ACB e do Rotary BTS

sábado, 6 de dezembro de 2014

A Casa do Rio Vermelho, abrigo da baianidade

Aninha Franco*
Um amigo, recentemente, descobriu um prazer que alguns de nós desfrutamos de nascença, quando participou da festa de aniversário da esposa de um pescador na Casa de Yá. Ele assistiu à baianidade legítima. Para desfrutá-la e, mesmo, para entendê-la, é preciso dispor de sentidos sensíveis, como os mencionados por Bilac em sua relação com as estrelas. “Amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvidos capaz de ouvir e de entender estrelas”. Nem todos merecem isso. 
Daí, então, há humanos nascidos na Bahia que negam ou renegam a baianidade. E nascer na Bahia não é condição essencial para entender ou criar baianidade. O argentino Carybé (1911-1997) só chegou aqui para tornar-se baiano de nascença em 1938, e se foi dentro do Axé Opô Afonjá, fulminado por um infarto, lamentando com baianidade: “Me fodi!”.
 Os primeiros registros da baianidade são de Gregório de Mattos (1636-1696), poeta padroeiro dos pensadores baianos que, advirto, só foi publicado na íntegra em 1968, levando o responsável, Luiz Henrique Dias Tavares, à prisão pela publicação dos inéditos, e causando a fuga de James Amado, seu organizador, para evitar a prisão. Abalaram a colônia!
 Porque a baianidade sempre foi combatida pela mentalidade colonial, pelo eurocentrismo, pelo socialismo arcaico, esse parasita que enramou nas pedras do Muro de Berlim, caído em 1989. Para combatê-los, a poesia de Luiz Gama (1830-1882), as obras de Manuel Querino (1851-1923) e Edson Carneiro (1912-1972). Querino, de uma importância que a Bahia e o Brasil ainda não dimensionaram. E, da década de 1910, poucos anos depois do golpe republicano, Jorge Amado (1912-2001), Dorival Caymmi (1914-2008) e Carybé, agentes da baianidade do século 20, predecessores de Maria Bethânia, Glauber Rocha, Roberto Mendes, Waly Salomão, Antônio Risério, Gerônimo e Ildázio Tavares, e alguns outros felizes, capazes de entender, amar e defender a baianidade.
 Até os anos 1970, essa baianidade que está nos textos, na música, nas artes visuais e no cinema era plena e visível nas festas de largo iniciadas em 4 de dezembro e finalizadas no Carnaval, no próprio Carnaval do Centro Histórico, nos Mercados e no cotidiano da cidade e do Recôncavo. Nos anos 1980, a Bahia soterrou quilos de baianidade com o péssimo gosto de seus habitantes, ocupantes de uma Miami soteropolitana, distantes dos patrimônios mais preciosos do território.
 A Baía de hoje está feia. Falta-lhe o charme sedutor de suas festas, de seu carnaval popular, de sua arquitetura, de suas criações artísticas, mas reações como A Casa de Jorge Amado, pensada e realizada por Gringo Cardia, chega neste momento estéril para mostrar a beleza da baianidade vista e escrita por Amado, e cantada por seus adoráveis companheiros de barco, Caymmi, Carybé e Calazans, reagindo àqueles que por não terem sentidos para amar e ouvir a baianidade, tentam boicotá-la com as ferramentas enferrujadas, às vezes com dinheiro público, da mentalidade colonial.  
*Escritora e dramaturga
** Artigo originalmente publicado no site Bahia Notícias

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

A cidade e o porto

Osvaldo Campos Magalhães*
Quando os portugueses localizaram no dia primeiro de novembro de 1501 a enorme “Kirimurê”, ou grande mar, na língua tupinambá, com águas profundas e abrigadas, 1.233 km² de área e 300 km de contorno litorâneo, logo escolheram o local como porto natural e local adequado para a construção da primeira grande metrópole lusitana no novo continente.
O porto cresceu e antes do surgimento dos navios a vapor e da construção do canal de Suez chegou a ser o mais movimentado do hemisfério Sul. A cidade do Salvador, acompanhando o crescimento do seu porto, também cresceu e se desenvolveu como grande centro logístico, comercial e político, tornando-se a primeira capital do Brasil.
O porto natural se constituiu em porto organizado e através de uma concessão pública, datada do final do século XIX, foi ampliado com o aterro de extensa área que expandiu o bairro do Comércio e possibilitou a construção de armazéns e retro áreas para armazenagem de cargas.
A modernização das embarcações, a transferência da capital para o Rio de Janeiro e as construções dos canais do Suez e Panamá contribuíram para a perda de importância econômica e comercial do porto e da cidade, que passa a crescer em direção ao litoral norte e literalmente, dá as costas para seu porto.
Apesar de representar uma das principais atividades econômicas e geradoras de emprego numa cidade sem atividades industriais relevantes, o porto nunca recebeu a importância que merece por parte das administrações municipais e estaduais que se sucederam nos últimos 50 anos, chegando-se ao absurdo de se propor a desativação do porto para a movimentação de cargas, proposta apresentada pelo representante da prefeitura de Salvador durante o Seminário “Agenda Bahia”, realizada na Fieb esta semana, que tratou do Turismo Sustentável.
Esta proposta não leva em conta a enorme importância econômica do porto para a cidade e todo o estado da Bahia e que é perfeitamente conciliável a manutenção da atividade operacional no porto, com ênfase nas operações de contêineres e trigo, e a revitalização de áreas do porto para o turismo e lazer.
Desconhece também a existência de um contrato de concessão entre o porto e a empresa TECON, responsável pela operação de contêineres, que tem longo prazo de vigência e enorme relevância econômica.
Quem conhece algumas cidades portuárias e turísticas como Barcelona (foto), Buenos Aires e Hamburgo, sabe que a atividade portuária é vital para a economia destas cidades e que é perfeitamente conciliável a operação portuária e a atividade turística, em áreas do porto que podem ser revitalizadas e expandidas. ( na foto abaixo, área do porto de Salvador que poderia ser destinada ao turismo e lazer)
Lembremos que a atual legislação portuária brasileira permite ao município assumir a gestão do porto, como se verifica nos principais portos europeus e como já ocorre, com sucesso no Brasil, mais especificamente em Itajaí, Santa Catarina.
Um dos principais fatores da decadência do porto de Salvador está justamente no desconhecimento por parte do Governo da Bahia e da Prefeitura de Salvador do enorme potencial econômico representado pela atividade portuária. Enquanto a administração dos nossos portos está ainda vinculada à administração federal e subordinada ao loteamento político dos cargos de direção da Codeba, os estados de Pernambuco e Ceará colocaram a atividade portuária como estratégica para o desenvolvimento, constituíram enxutas e eficientes empresas estatais que construíram os complexos portuários de Suape e Pecém, fatores de atração de novos empreendimentos industriais para aqueles estados e importantes vetores do crescimento da economia nordestina.
Ao invés de propor a desativação do porto, a Prefeitura de Salvador deveria reivindicar e assumir a concessão do mesmo, colocando a atividade portuária como estratégica para o desenvolvimento econômico da cidade.

*Engenheiro e Mestre em Administração, é membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB e do Conselho de Administração da Codeba.

O futuro das cidades

George Humbert*
Oportuna e merecedora de elogios a temática eleita pelo CORREIO para nortear o seminário Agenda Bahia 2014, evento que já se tornou dos mais relevantes para o debate das políticas públicas e soluções para o desenvolvimento sustentável do nosso estado. Isto porque, sabe-se, desde a polis grega, que é nesses espaços em comunidade que o homem, um ser inexoravelmente social, vai obter aquilo que lhe é inato: a vida feliz.
Contudo, o que se assiste nos dias atuais nos grandes centros urbanos, onde se perfazem as cidades modernas e a densidade demográfica, é uma gestão aleatória, não planejada, com baixa densidade e qualidade da participação popular e, o que é mais grave, sem o devido cuidado ao meio ambiente em seus aspectos não só naturais, mas, sobretudo, os artificiais e culturais. A solução parece que está na ação do binômio poder público–cidadão. Cada um desses atores precisa fazer sua parte.
Não por outra razão, desde 2006, até os dias atuais, tenho pesquisado o tema. Inicialmente, desenvolvi o tema da Função Ambiental da Propriedade Imóvel Urbana, no âmbito da área de concentração política ambiental e urbana na Constituição, do mestrado em Direito do estado da PUC-SP, cuja conclusão é que todo ato jurídico inerente a propriedade, como  usar, gozar e dispor, a desapropriação e outros, pressupõe, por princípio, o devido cumprimento de deveres de preservação ambiental pelo proprietário e pelo poder público, no âmbito dos atos do legislativo, do executivo e do próprio judiciário.
Em seguida, já no curso do doutorado pela mesma instituição, deu continuidade à linha de pesquisa, defendendo O Conteúdo Jurídico da Função Social das Cidades, concluindo que as áreas urbanas, conforme preceito constitucional, a finalidade precípua de ofertar moradia, trabalho, lazer, saneamento, cultura, saúde, mobilidade, circulação e transporte, segurança, pelo que os atos dos gestores públicos devem, a priori, tender ao cumprimento desses direitos sociais do cidadão, a fim de manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Agora, coordeno dois projetos de pesquisa, um na Faculdade de Direito da Unifacs e outro na Unijorge, em que,  juntamente com alunos pesquisadores, visa-se apresentar soluções jurídicas para as cidades socialmente justas, economicamente potencializadas e ecologicamente correta, com primeiros resultados previstos para este final de ano.  
Já no poder público, diversos atos merecem destaque. Na esfera do legislativo, a partir de 2001, assistimos um círculo de produções em prol do futuro das cidades, como as leis federais do Estatuto das Cidades (10.257/01), do Saneamento, da mobilidade urbana, da política de resíduos sólidos. No âmbito do executivo, merece destaque a instalação dos conselhos das cidades. No judiciário, diversas são as decisões que determinam que as autoridades competentes cumpram as obrigações de gestão democrática, planejamento e concretização das funções sociais da propriedade e das cidades. 
Nesse contexto, cabe a cada cidadão, à sociedade civil organizada, à OAB, aos partidos políticos e ao Ministério Público fiscalizar e zelar para que  isso não fique apenas no papel, como ainda ocorre em grande medida, através do voto, das manifestações, da participação em colegiados e da propositura de ações garantias, como a ação popular, o mandado de segurança, o mandado de injunção,  a ação civil pública e as ações de controle concentrado de constitucionalidade. Por isso, o futuro das cidades é agora, é obrigação de cada um de nós, e o Correio*, com o Agenda Bahia, mais uma vez, salta na frente num processo que deve ser permanente, multifocado e transversal, para que se possa desfrutar do bem-estar e uma vida digna nas feliz cidades.
* Georges Humbert é advogado, doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, é professor adjunto da faculdade de Direito da UniJorge e da Unifacs. www.humbert.com.br