Anilton Santos*
No início do século XX, um visionário inglês, Ebenezer Howard, declarou que cidades mal planejadas e ineficientes talvez não deveriam ter lugar num futuro mais humano. Le Corbusier, arquiteto francês, também repudiou tais cidades afirmando que elas gastam nossos corpos e frustram nossas almas. O 3º milênio se instaura com intensificação da exclusão social urbana, fome generalizada nos países pobres, comprometimento ambiental, escassez de recursos naturais etc., que tornam nebuloso o futuro da humanidade. No cenário atual, a maioria das cidades tem características que frustram nossos desejos de habitá-las confortavelmente e se desenvolve num sentido sombrio para as gerações do futuro.
Salvador já ultrapassa os 3 milhões de habitantes e recentemente decola num "boom" imobiliário, notadamente na Paralela, que tem tudo para nos inquietar quanto a um futuro sombrio, tal como o previsto pelos pensadores do início do século XX, embora nem sempre os pensadores acertem suas previsões, ou como disse Karl Marx: quando o bonde da vida faz uma curva, os pensadores caem para o lado. Todavia, temos de reconhecer que os pensadores são luzes piscando quando o túnel da vida obscurece.
A propósito desta inquietação quanto à perspectiva de um futuro sombrio de Salvador, o professor Pedrão, em seu artigo - a urbanização voraz da cidade -, e o arquiteto L. Muller em opinião neste jornal alertam sobre essa preocupação, instigando o debate sobre o futuro face os desafios mais preocupantes dessa nova ordem urbana.
O amplo projeto de mobilidade urbana que prevê a implantação de 135km de corredores exclusivos de ônibus. Um projeto dessa natureza modifica radicalmente a face de Salvador, tornando primordial o debate público de uma intervenção que muda a vida da cidade.
Os projetos de requalificação da orla e da Cidade Baixa que também alterarão o padrão de ocupação nesses espaços sem que haja uma definição quanto às consequências sociais da valorização de tais setores urbanos.
A reconstrução da Fonte Nova que mudará o uso e a ocupação do solo no seu entorno.
Trata-se de um conjunto de ações planejadas, que reestrutura toda a ocupação do solo, evidenciando a constituição de uma nova geopolítica dos conflitos socioespaciais urbanos, e no seu rastro, o capital imobiliário a tirar as vantagens locacionais da valorização do espaço público. O momento é propício para se recorrer ao Estatuto das Cidades e exigir a elaboração de um novo Plano Diretor que leve em conta esses eventos.
O fenômeno em gestação tende a reproduzir uma nova Salvador com os pobres cada vez mais longe. Isso já repercute em Lauro de Freitas, com 160 mil habitantes em apenas 60km², a mais alta densidade municipal em todo o Estado, dos quais algo em torno de 100 mil só no bairro de Itinga, que abriga o transbordamento da pobreza de Salvador.
Assistimos à formação desse cenário, que transforma o futuro de Salvador diante da ausência de planejamento regional e de uma manifestação vigorosa dos conselhos de classes, sindicatos profissionais, entidades ambientais e não governamentais etc., alertando a sociedade e os gestores urbanos.
Imagino que o silêncio nessa selva urbana possa estar relacionado à influência dos partidos, antes fora do poder e que hoje estão comprometidos de alguma forma com a estrutura de poder, influentes nessas entidades. Entretanto, cultivo a esperança que um dia o barulho das criaturas da escuridão irá despertar o silêncio dos verdadeiros senhores da floresta - seus habitantes e instituições independentes.
Afinal, de quem é o mal da floresta urbana? Do voraz tigre imobiliário? Do frágil canto dos pássaros ambientais que não ecoa na floresta? Do leão gestor florestal que ignora seu papel orientador? Da cobra financeira que num ziguezague de tudo tira vantagem? O mal dessa floresta não é só da ação voraz do tigre imobiliário ou do frágil canto dos pássaros ambientais; nem tão-somente do leão gestor ou da cobra financeira sempre faminta. O mal da floresta urbana é de todos nós. A floresta urbana atual é resultante das ações de gerações do passado, da mesma forma que a floresta do futuro resultará das ações de gerações do presente.
* Arquiteto e Urbanista
No início do século XX, um visionário inglês, Ebenezer Howard, declarou que cidades mal planejadas e ineficientes talvez não deveriam ter lugar num futuro mais humano. Le Corbusier, arquiteto francês, também repudiou tais cidades afirmando que elas gastam nossos corpos e frustram nossas almas. O 3º milênio se instaura com intensificação da exclusão social urbana, fome generalizada nos países pobres, comprometimento ambiental, escassez de recursos naturais etc., que tornam nebuloso o futuro da humanidade. No cenário atual, a maioria das cidades tem características que frustram nossos desejos de habitá-las confortavelmente e se desenvolve num sentido sombrio para as gerações do futuro.
Salvador já ultrapassa os 3 milhões de habitantes e recentemente decola num "boom" imobiliário, notadamente na Paralela, que tem tudo para nos inquietar quanto a um futuro sombrio, tal como o previsto pelos pensadores do início do século XX, embora nem sempre os pensadores acertem suas previsões, ou como disse Karl Marx: quando o bonde da vida faz uma curva, os pensadores caem para o lado. Todavia, temos de reconhecer que os pensadores são luzes piscando quando o túnel da vida obscurece.
A propósito desta inquietação quanto à perspectiva de um futuro sombrio de Salvador, o professor Pedrão, em seu artigo - a urbanização voraz da cidade -, e o arquiteto L. Muller em opinião neste jornal alertam sobre essa preocupação, instigando o debate sobre o futuro face os desafios mais preocupantes dessa nova ordem urbana.
O amplo projeto de mobilidade urbana que prevê a implantação de 135km de corredores exclusivos de ônibus. Um projeto dessa natureza modifica radicalmente a face de Salvador, tornando primordial o debate público de uma intervenção que muda a vida da cidade.
Os projetos de requalificação da orla e da Cidade Baixa que também alterarão o padrão de ocupação nesses espaços sem que haja uma definição quanto às consequências sociais da valorização de tais setores urbanos.
A reconstrução da Fonte Nova que mudará o uso e a ocupação do solo no seu entorno.
Trata-se de um conjunto de ações planejadas, que reestrutura toda a ocupação do solo, evidenciando a constituição de uma nova geopolítica dos conflitos socioespaciais urbanos, e no seu rastro, o capital imobiliário a tirar as vantagens locacionais da valorização do espaço público. O momento é propício para se recorrer ao Estatuto das Cidades e exigir a elaboração de um novo Plano Diretor que leve em conta esses eventos.
O fenômeno em gestação tende a reproduzir uma nova Salvador com os pobres cada vez mais longe. Isso já repercute em Lauro de Freitas, com 160 mil habitantes em apenas 60km², a mais alta densidade municipal em todo o Estado, dos quais algo em torno de 100 mil só no bairro de Itinga, que abriga o transbordamento da pobreza de Salvador.
Assistimos à formação desse cenário, que transforma o futuro de Salvador diante da ausência de planejamento regional e de uma manifestação vigorosa dos conselhos de classes, sindicatos profissionais, entidades ambientais e não governamentais etc., alertando a sociedade e os gestores urbanos.
Imagino que o silêncio nessa selva urbana possa estar relacionado à influência dos partidos, antes fora do poder e que hoje estão comprometidos de alguma forma com a estrutura de poder, influentes nessas entidades. Entretanto, cultivo a esperança que um dia o barulho das criaturas da escuridão irá despertar o silêncio dos verdadeiros senhores da floresta - seus habitantes e instituições independentes.
Afinal, de quem é o mal da floresta urbana? Do voraz tigre imobiliário? Do frágil canto dos pássaros ambientais que não ecoa na floresta? Do leão gestor florestal que ignora seu papel orientador? Da cobra financeira que num ziguezague de tudo tira vantagem? O mal dessa floresta não é só da ação voraz do tigre imobiliário ou do frágil canto dos pássaros ambientais; nem tão-somente do leão gestor ou da cobra financeira sempre faminta. O mal da floresta urbana é de todos nós. A floresta urbana atual é resultante das ações de gerações do passado, da mesma forma que a floresta do futuro resultará das ações de gerações do presente.
* Arquiteto e Urbanista
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