sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Cemitério e o “Carrossel Baiano”.


Manuel Ribeiro*

Confesso que ontem o desempenho do Bahia irritou-me. Nos anos 70 do século passado o técnico da Holanda Rinus Michels inventou o "carrossel holandês". Carrossel porque os jogadores se movimentavam dentro de campo sem qualquer posição fixa. Ou seja, os jogadores se movimentavam, giravam no campo, mas a bola com rapidez era finalizada para o gol adversário. O treinador Rogério Ceni, talvez inspirado na Holanda, inventou o "carrossel baiano". Nele quem gira a bola e não o jogador. O objetivo da bola é de ir, de pé em pé, do goleiro ao centroavante e do centroavante ao goleiro passando pelo maior número possível de jogadores até ser, como é óbvio, tomada pelo adversário. O objetivo, creio, não é o gol adversário é o passe para o companheiro de time e levar o maior tempo possível com a posse da bola. Talvez o técnico Ceni (ou o Citi) esteja querendo que o Bahia entre para o Guinness com o recorde de posse de bola em partida e nos campeonatos. Só assim consigo entender porque o goleiro do Bahia foi um dos jogadores que mais recebeu passe e distribuiu passe. Um autêntico volante ou líbero. A bola com o Bahia na área do Flamengo acabava indo parar nas mãos, desculpem-me, nos pés do excelente goleiro do Bahia para reiniciar o movimento do "carrossel baiano". Ceni foi goleiro recordista em fazer gols no adversário, agora pretende ser o técnico recordista em posse de bola. Sem gols, claro.

Minhas escusas ao Ceni e ao Citi, sou velho e do tempo em que futebol era bola da rede...

*Advogado

quinta-feira, 12 de setembro de 2024

Infraestrutura e Educação prejudicando a Economia da Bahia

 

Osvaldo Campos Magalhães *

Enquanto alguns Estados do Nordeste seguem investindo na melhoria do ensino público e na infraestrutura de transportes, a Bahia depois de 17 anos seguidos do mesmo grupo político, vai ficando para trás.

A Bahia tem sérias deficiências estruturais, destacando-se a Educação a infraestrutura de transportes e a Segurança Publica. A deficiência nesses setores acaba prejudicando toda economia, afastando investimentos industriais,  investimentos no setor de turismo e setores de alta tecnologia. 

Uma das maiores empresas do Estado da Bahia , a Brasken, acaba de inaugurar um grande centro tecnológico e de pesquisas no Estado de  Massachusetts onde se concentram algumas das melhores universidades do mundo. 

Enquanto os estados do Ceará e Pernambuco vem priorizando a Educação e a Infraestrutura,  a Bahia vem investindo em projetos equivocados como o Porto Sul e Ponte Salvador - Itaparica. Perdemos nossa malha ferroviária de 1.530 kms, por omissão de nossa classe política e empresarial. A hidrovia do Rio São Francisco, outrora conhecida como “Rio da Integração Nacional” encontra-se abandonada. Nosso mais importante corredor rodoviário, ligando Salvador a Feira de Santana e dali a Cândido Sales foi desastrosamente concessionado à iniciativa privada, sob a coordenação da Ministra Chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, pelo critério da Tarifa Mínima de Pedágio e baixos investimentos, que afugentaram todas as grandes empreiteiras e entregou esse corredor vital para nossa economia à inexperiente ISOLUX, sem nenhuma tradição no setor rodoviário. Toda a BR 101 foi duplicada nos estados do Nordeste e não avançou na Bahia. Os governos dos estados de Pernambuco e Ceará construíram modernos terminais portuários, operados pela iniciativa privada, capazes de receberem os maiores navios do mundo. Com força política conseguiram viabilizar a transposição das águas do rio São Francisco, obra que não beneficiou o semiárido da Bahia.

O ensino público na Bahia figura entre os 3 piores do Brasil e a taxa de analfabetismo está entre as maiores. Enquanto isso, o Ceará avança quando o assunto é a oferta de uma educação de qualidade. O Estado apresenta o melhor resultado do Brasil, ao lado de São Paulo, no Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (Ipen), 2023, com nota 5,5. Já Pernambuco possui a maior rede de ensino integral do país no Ensino Médio. Atualmente, são 438 escolas que ofertam esta modalidade, totalizando 62% das matriculas de estudantes que acessaram o Ensino Médio. O índice supera a meta do Plano Nacional de Educação, prevista para o ano de 2024.

 Não podemos continuar com ufanismo. A nossa situação é grave. Por incompetência e falta de planejamento estratégico.

*Engenheiro Civil e Mestre em Administração. Especialista em Planejamento da Infraestrutura de Logística e de Transportes.

terça-feira, 30 de julho de 2024

Mercados Gastronômicos na Europa

 Se é verdade que uma viagem perfeita também inclui comida, também é verdade que o melhor local para a saborear é em um mercado gastronômico! Com centenas de estandes e produtos frescos, hoje os mercados de toda a Europa estão cada vez mais populares, tornando-se uma atração imperdível. É aqui que nascem as novas tendências, enquanto se preservam os sabores mais autênticos da região.

Cidades europeias vêm transformando seus mercados tradicionais em verdadeiros points gastronômicos; conheça alguns imperdíveis 

1. Borough Market – Londres, Inglaterra

Quem lidera o ranking, com mais de 500 mil menções, é o Borough Market, em Londres. Localizado em Southwark, a dois passos de locais como a London Bridge e a London Tower, esse mercado Vitoriano é o mais antigo da cidade.


2. La Boquería – Barcelona, Espanha

A Espanha ocupa o segundo lugar no pódio graças ao mercado La Boquería. Localizado na Rambla de Barcelona, o icônico mercado catalão com estrutura de ferro é um dos lugares mais emblemáticos da cidadee aparece em mas de 170 mil publicações turísticas.


3. Markthal – Rotterdam, Países Baixos

Marcado mais de 116 mil vezes, o Markthal de Rotterdam, nos Países Baixos, possui cerca de 100 estandes. Aqui você pode comprar e saborear iguarias de diversas  partes do mundo. Além disso, Markthal é uma verdadeira joia arquitetônica – não deixe de reparar na obra ‘The Horn of Plenty’, que cobre grande parte do teto. 

5. Naschmarkt – Viena, Áustria

Graças à sua ampla oferta gastronômica internacional e aos inúmeros locais da moda, o Naschmarkt de Viena, na Áustria, tornou-se um ponto de encontro para os locais. Além disso, muitos viajantes vêm até aqui para desfrutar do emblemático mercado de pulgas aos sábados. O local aparece em mais de 78 mil menções 

6. Torvehallerne – Copenhague, Dinamarca

As belas salas envidraçadas de Torvehallerne, na capital dinamarquesa, são uma explosão de cores que aparece em quase 60 mil posts. Copenhague tornou-se um dos principais destinos gastronômicos nos últimos anos, e um dos pratos estrela do mercado é o Smorrebrod, um sanduíche aberto cuja versão mais típica é com arenque ou salmão.

7. Mercado São Miguel – Madrid, Espanha

Considerado o mercado gastronômico mais emblemático de Madrid, o Mercado São Miguel foi inaugurado em 1916  e já foi publicado mais de 59 mil vezes. Uma das experiências gastronômicas imperdíveis por aqui são os sorvetes artesanais de Joan Roca, o famoso chef com três estrelas pelo Guia Michelen.  

8. Leadenhall Market – Londres, Inglaterra

Com pouco mais de 59 mil menções, o Leadenhall Market está localizado no coração de Londres. A sua arquitetura espetacular supostamente serviu de inspiração para o próprio Beco Diagonal nos filmes de Harry Potter. O local era apenas um mercado de carnes quando foi construído no século 14, mas hoje há inúmeros bares, lojas e restaurantes em seu interior 

9. Mercado Mathallen - Oslo
Oslo inclui dezenas de lojas especializadas, cafés e restaurantes que oferecem comidas e bebidas de alta qualidade.
Mathallen está repleta de produtos interessantes de pequenos produtores noruegueses e internacionais, e tanto chefs profissionais quanto pessoas comuns vêm aqui para comprar ingredientes fabulosos.
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 10. Mercado Central Budapeste 

Situado em um belo edifício de 1896, o Mercado Central (Vásárcsarnok) é um excelente local para experimentar alguns pratos da culinária local e comprar ingredientes e lembranças do país.Entre as especialidades destaca-se o kolbász (salame picante), e o queijo de ovelhaHá também restaurantes onde se podem experimentar pratos locais como Lángos, que é a massa de pão à base de levedura frita em óleo e coberta com diversos ingredientes como creme de leite, queijo e alho.

Fonte: Eating Europe Guide




terça-feira, 23 de julho de 2024

Salvador, Bahia: o tesouro africano do outro lado do Atlântico

Música, religião e danças refletem uma tradição de folia e rebeldia na Bahia, o estado mais africano do Brasil.

POR PEDRO H. DE ABREU
FOTOS DE STEPHANIE FODEN



É POSSÍVEL OUVIR o som furioso dos tambores a quilômetros de distância e ver as pedras do calçamento se moverem discretamente sob os seus pés. Os percussionistas estão chegando. Torçamos para que as construções centenárias de Salvador consigam sobreviver a mais um desfile.

Enquanto São Paulo é conhecida como o motor financeiro do país e o Rio ganha como a cidade mais bela do mundo, o estado da Bahia é mais conhecido por sua cultura negra vibrante. Uma expressão local reflete com precisão a vitalidade artística dos baianos: baiano não nasce, estreia.

Em nenhum outro lugar a celebração da cultura é mais evidente do que em Salvador, a capital do estado da Bahia. Algo nessa cidade evoca a criatividade. Pode ser que tenha relação com o fato de que, em uma cidade onde 3 a cada 10 pessoas estão desempregadas, a inventividade não seja um hobby ou uma escolha, mas uma forma de sobreviver a mais um dia.


No Brasil, a expressão cultural é uma forma de protesto. Festas como o Carnaval e o São João, na Bahia, conhecida por celebrações elaboradas, normalmente expõem divisões complexas entre pessoas de diferentes classes. A nova atmosfera de extrema-direita no país dividiu ainda mais os cidadãos brasileiros.

Mais de um terço dos escravos capturados na África durante a escravidão foram trazidos ao Brasil para trabalharem na indústria do açúcar. Em alguns momentos, Salvador pode parecer bastante portuguesa, mas as raízes da cidade remontam ao Oeste da África. Da culinária superapimentada à musicalidade única e às fascinantes cerimônias religiosas marcadas pela dança, essa cidade é um grande turbilhão de sentidos.

Em 1888, o Brasil tornou-se o último país do Ocidente a abolir a escravidão, um vergonhoso recorde mundial que poucos estão prontos para colocar em pauta. Talvez em Salvador, que já foi o maior porto de comercialização de escravos das Américas, seja o local onde as pessoas mais desejam falar a respeito, utilizando o improvável pretexto das bandas de percussão. Faz sentido quando se pensa a respeito: tente tocar um enorme tambor com bastante força e conseguirá chamar a atenção das pessoas. Os garotos percussionistas atraem centenas de milhares que se atentam ao seu pedido por igualdade racial.


O ritmo predominante do Carnaval de Salvador, que atrai anualmente quase um milhão de pessoas, é chamado de samba-reggae, um gênero musical às vezes reproduzido por grupos com até 100 percussionistas. No samba-reggae, os principais ritmos do Brasil e da Jamaica, que tradicionalmente incluem protestos cantados e acompanhados por uma batida animada, ganharam um furor bruto, simples e alegre.

O Carnaval da Bahia não é feito somente de um deboche despreocupado. Os foliões ganham um presente inesperado. O Carnaval envolve política, ao estilo brasileiro. Todos os anos, blocos-afro, expressões culturais que lutam para promover a cultura negra por meio da música, dança e moda, tradicionalmente abordam complexas questões políticas durante os desfiles realizados em celebração a seus ancestrais africanos.

Durante a escravidão, estima-se que 1,7 milhão de pessoas, a maioria trazida de onde hoje é Benim, foram vítimas de tráfico para trabalharem forçosamente na Bahia. E os blocos afro não querem que as pessoas esqueçam disso. Luma Nascimento, ativista e vice-presidente de um desses blocos, conhece bem a ligação entre festa e política. "É possível ver uma divisão étnica mais clara durante o Carnaval", afirma ela. "Aqueles que podem pagar para terem acesso a um camarote são normalmente brancos, ao passo que as pessoas que os servem são, predominantemente, pessoas negras".

Para dar voz à insatisfação deles em relação à desigualdade racial ativistas como Nascimento e outros foliões que pensam da mesma forma entoam gritos de protesto contra as visões políticas que não aceitam.

Em outras partes da região, as pessoas lutam para preservar a cultura e as tradições nas quais nasceram. Quanto mais você se distancia de Salvador e se aproxima das pequenas cidades e vilarejos do estado da Bahia, mais difícil fica de acreditar que se trata do mesmo estado onde acontece a maior celebração de rua do planeta. Cada vez mais desertas, as estradas perdem o asfalto aos poucos.



Em Santiago do Iguape, mais de 96 quilômetros a oeste da capital, a vida tem um ritmo menos acelerado.  "Só queremos pular no rio no fim do dia, ver as catadoras de mariscos trabalhando, cuidar de nossos idosos e ouvir nossos homens e mulheres cantarem e conversarem", diz Adinil de Souza, líder da comunidade local. Ocupado por descendentes de quilombolas, esse pequeno vilarejo não tem nenhuma dificuldade em manter as coisas como elas sempre foram.

Desde o início, as celebrações carnavalescas aqui são impiedosamente marcadas por grupos de crianças locais que se cobrem com lençóis e máscaras sinistras e percorrem o vilarejo assustando e afugentando os espíritos do mal.

Quando indagados sobre o fato de os espíritos do mal serem a manifestação de senhores de engenho do passado, os moradores preferem não entrar em detalhes. "Eu não saberia dizer", afirma de Souza.

Ao fim do dia, todos em Santiago do Iguape estão em suas casas — o imponente Rio Paraguaçu garante abundância aos pescadores que desbravam suas águas nas primeiras horas da manhã.

*Artigo publicado na revista National Geographic.


MAIS

sábado, 13 de julho de 2024

Uma História muito curta da vida na Terra

Henry Gee*

Por volta de 700 mil anos atrás, os episódios glaciais foram muito mais longos que os intervalos quentes que os separaram. A Terra estava agora em um estado mais ou menos permanente de glaciação. As pausas eram quentes, inebriantes e breves.

A vida não só sobreviveu, ela prosperou. Regiões da Eurásia não oprimidas pelo gelo estavam cobertas de estepe verde, que suportava uma tonelagem quase incalculável de caça. Na primavera e no verão, bisões migravam pela terra em rebanhos tão grandes que levaria dias para vê-los passar aos milhões. Eram acompanhados por cavalos e veados gigantes com chifres incrivelmente extensos; vez ou outra a eles se juntavam espécies de elefantes, como mamutes e mastodontes; o resfolegar e a pisada dos rinocerontes lanosos também iam junto. Os invernos eram só um pouco menos cheios. Muitos animais migravam para o sul, mas as renas permaneciam na neve. Toda essa carne em movimento era um ímã para carnívoros como leões, ursos, felinos-dente-de-sabre, hienas, lobos — e os duros e resistentes herdeiros do Homo erectus.

Os hominíneos responderam à intensificação da era do gelo com cérebros e reservas de gordura maiores.

Isso foi, por si só, notável. Como observamos, cérebros são órgãos que custam caro para funcionar. A economia da natureza geralmente exige que um animal inteligente tenha apenas um mínimo de gordura, porque, se a comida acabar, ele será astuto para encontrar mais em outro lugar antes de morrer de fome. São apenas os menos iluminados entre os mamíferos que precisam acumular gordura. Os humanos, porém, são exceção. Os humanos mais magros armazenam uma quantidade superior de gordura que a dos macacos mais gordos. Animais com cérebros grandes que têm uma boa camada de isolamento têm tudo de que precisam para lidar com o frio interminável da era do gelo.

A gordura tinha outro propósito também. A diferença entre os sexos é em grande parte uma questão de acúmulo dela. O corpo de um homem adulto contém, em média, cerca de 16% do peso em gordura; o de uma mulher, 23%. Essa diferença é significativa, uma vez que energia embutida é um pré-requisito essencial para a fertilidade e a gravidez, principalmente em tempos de escassez. Como tal, os mecanismos de seleção favoreceram as fêmeas roliças com curvas arredondadas, por terem as melhores perspectivas de reprodução.

Cérebros grandes, no entanto, também podem apresentar problemas, uma vez que levam a cabeças grandes. Bebês humanos, com suas cabeçorras, têm dificuldade para nascer. Os bebês só nascem graças a uma torção de noventa graus da cabeça durante a passagem pela pélvis da mãe e a emersão pela vagina. Até muito recentemente, o custo disso era suportado pela mãe, que corria um alto risco de morrer no processo. Os bebês humanos vêm ao mundo em um estado relativamente desamparado. Se esperassem até estar mais desenvolvidos e talvez mais capazes de lidar com o mundo, poderiam ser grandes demais para passar pelo canal do parto, e sequer nasceriam. Assim os nove meses de gravidez representam um período de trégua desconfortável entre o bebê, que precisa ser capaz de lidar sozinho com o mundo exterior o mais rápido possível, e a mãe, que, se esperasse mais, teria de jogar dados cada vez mais viciados com a morte.

É um meio-termo que não agrada a ninguém. Uma espécie em que os bebês nascem totalmente indefesos e, mesmo se nascerem com sucesso — de mães que correm alto risco de morte —, levam muitos anos para atingir a maturidade, provavelmente vai se extinguir muito depressa. A solução para isso, portanto, foi uma mudança dramática, mas no outro extremo da vida: a menopausa.

A menopausa é outra inovação evolutiva exclusiva dos humanos. Em geral, qualquer criatura, mamífero ou não, que seja velha demais para se reproduzir envelhece e morre na sequência. Em humanos, porém, as fêmeas que deixaram de se reproduzir na meia-idade podem desfrutar de muitas décadas de vida útil — e, portanto, criar mais filhos. 

O aumento do cérebro e o consequente desamparo dos bebês foi acompanhado pelo surgimento das avós: mulheres na pós-menopausa que estariam ali para ajudar as filhas a criar os netos. A lógica da seleção natural não diz nada sobre quem realmente cria os filhos até a maturidade — contanto que sejam criados por alguém. Ocorre que uma mulher que deixa de se reproduzir para ajudar as filhas a criar os netos gerará, em média, um número maior de descendentes do que se ela mesma permanecesse reprodutiva, competindo por recursos com suas filhas.

*Henry Ernest Gee é um paleontólogo britânico, biólogo evolutivo e editor sênior da revista científica Nature

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Defendendo Djokovic


John McEnroe*

"Ele tem lutado contra isso durante toda a sua carreira. Sim, ele se alimenta de energia negativa. E sim, eu me alimentei disso às vezes. Mas eu odiei isso de certa forma. Você quer que as pessoas gritem contra você esperando que você perca? Só porque você é tão bom, eles começam a puxar o outro cara sem nenhuma razão além de você ser tão bom. Essa é a razão pela qual as pessoas vão contra ele, na minha opinião. Ele é como o Darth Vader comparado a… olha, há dois dos maiores artistas de classe que já vimos jogar tênis. Rafael Nadal e Roger Federer. Quem pode se comparar a eles em termos do que trouxeram para a mesa e da forma como as pessoas os amam ? Ninguém. E então esse cara, Djokovic, teve a coragem de entrar e invadir a festa", disse McEnroe que fez a previsão que o sérvio pode sofrer maior hostilidade após sua atitude do último jogo.

"Então é como 'Que tal me respeitar depois de tudo isso?' Pense nisso... aqui está um cara que fez uma cirurgia há um mês. As chances eram de 10 ou 20% de que ele jogaria este torneio. Ele está pensando 'Estou ajudando este torneio'. O que ele é. 'Por que não recebo um pouco de amor quando estou enfrentando um cara que é 15 no mundo?' Quem não fez nada comparado a ele. Sim, talvez houvesse alguns dinamarqueses fazendo 'Ruuuune' e eu entendo que as pessoas querem ver uma boa combinação. Todos nós queremos ver um bom jogo. Mas você tem que respeitar a grandeza que você vê. É fácil ser o motorista do banco de trás e deixar para lá. Mas é com isso que ele tem lidado há 10, 15, 20 anos, que as pessoas têm feito isso. Admiro a coragem que ele teve em dizer isso ali. Isso exige alguma coisa. De certa forma, isso colocará mais pessoas contra ele. Ele não merece isso nesta fase. Precisamos dele e ele tem sido ótimo demais para o nosso jogo.

*Foi o melhor jogador de tênis em 1979. Venceu 8 torneios Grand Slan.

domingo, 23 de junho de 2024

O novo planeta Portugal


Ruy Castro*

Leitores habituados a ir a Portugal nos últimos tempos e a se encantar com a vida e a euforia de suas cidades parecem acreditar que sempre foi assim. Daí estranharem quando o classifiquei outro dia ("Desmemória coletiva") de ser, antes do dia 25 de abril de 1974, o país "mais triste e atrasado da Europa". "Como assim?", perguntaram. "Que milagre aconteceu nesses 50 anos?"


 É uma resposta que deixo aos economistas. Só posso descrever como era naquele tempo —porque eu estava lá. Era o país dos homens de cinza e das mulheres de preto, em permanente luto por uma vida sem expectativas. Uma ditadura de 48 anos dependente da receita colonial e fascista. 

A polícia política por toda parte. Ninguém era estimulado a investir, a se arriscar. O analfabetismo batia os 60%. O congelamento dos táxis e dos aluguéis, de décadas, dizia tudo —os carros e os imóveis caíam de velhos, assim como o país.

Aliás, era o país dos velhos. Eu tinha 26 anos e não via gente da minha idade ao meu redor. Os moços estavam na África, na guerra contra os movimentos de libertação de suas colônias, Angola, Moçambique e Guiné —os poucos nas ruas de Lisboa eram os mandados de volta, ainda de farda, sem um braço ou perna, perdido em combate. Era uma guerra impopular, que sangrava o país e que o governo mantinha com dinheiro tomado aos bancos. A imprensa, esmagada pela censura, mentia sobre o seu andamento —todos já a sabiam perdida. As moças, inexpugnáveis, viviam trancadas em casa. Os costumes eram do século 13.

Portugal era um belíssimo túmulo ao sol, mas nem o sol lhe servia para nada. Enquanto a Espanha, também uma ditadura, fervia de turistas, tudo conspirava contra eles em Portugal. Um visto de entrada era uma agonia. Até a Coca-Cola era proibida. Todos os dias tinham a modorra dos domingos.

Não é que Portugal seja hoje outro país. É outro planeta.

* Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras

sábado, 22 de junho de 2024

Aborto e Saúde Publica


O aborto induzido é um componente essencial dos cuidados de saúde da mulher. Como todas as questões médicas, as decisões relativas ao aborto devem ser tomadas pelos pacientes em consulta com os seus prestadores de cuidados de saúde e sem interferência indevida de terceiros. Como todos os pacientes, as mulheres que abortam têm direito à privacidade, dignidade, respeito e apoio.
Muitos fatores influenciam ou exigem a decisão de uma mulher de fazer um aborto. Eles incluem, mas não estão limitados a, falha contraceptiva, barreiras ao uso e acesso a contraceptivos, estupro, incesto, violência entre parceiros íntimos, anomalias fetais, doenças durante a gravidez e exposição a medicamentos teratogênicos.
As complicações da gravidez, incluindo descolamento prematuro da placenta, hemorragia da placenta prévia, pré-eclâmpsia ou eclâmpsia e problemas cardíacos ou renais, podem ser tão graves que o aborto é a única medida para preservar a saúde de uma mulher ou salvar a sua vida.
Onde o aborto é ilegal ou altamente restrito, as mulheres recorrem a meios inseguros para pôr fim a gravidezes indesejadas, incluindo traumas abdominais e corporais autoinfligidos, ingestão de produtos químicos perigosos, automedicação com uma variedade de medicamentos e dependência de prestadores de aborto não qualificados. Hoje, cerca de 21 milhões de mulheres em todo o mundo realizam abortos inseguros e ilegais todos os anos, e as complicações decorrentes destes procedimentos inseguros são responsáveis ​​por aproximadamente 13% de todas as mortes maternas, quase 50.000 anualmente.
Os melhores cuidados de saúde são prestados livres de interferências políticas na relação médico-paciente. A tomada de decisões pessoais por parte das mulheres e dos seus médicos não deve ser substituída por ideologia política.
* American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOGc)

quinta-feira, 6 de junho de 2024

Salvador Capital Afro. Uma política pública construída a partir da população.




Marcelo Campos Magalhães
*

Quando aceitei o convite para escrever esta coluna, fiz um único pedido ao editor: que pudesse transitar por assuntos variados. E assim tenho procurado escrever sobre temas diversos, que atraem a minha atenção, mas que também creio ser do interesse, pelo menos, de um certo segmento de leitores.

Noto, contudo, que nessas primeiras colunas um ponto em comum parece surgir, permeando assuntos tão distintos quanto estratégia corporativacultura e políticas públicas. Esse ponto fala do conceito de diferenciação (ou no extremo oposto de “pasteurização”, como na coluna anterior).

Em marketing, diferenciação pode ser definida como “a capacidade que uma empresa tem de ser percebida como diferente dos concorrentes, em função de suas vantagens competitivas”.

Nas últimas semanas, com tempo para explorar diversos assuntos e áreas de interesse, me deparei com a força de um movimento incrível, bem aqui no meu “quintal”, a cidade de Salvador da Bahia: o movimento Salvador Capital Afro.

A partir da constatação de que “Salvador é o local fora da África onde a negritude é mais visível e inserida no modo de ser, agir e pensar de uma população”, surge uma diferenciação poderosíssima, com potencial para atrair visitantes de todo o mundo em busca de vivências únicas resultantes desse processo.

Mas o movimento me impressiona por parecer almejar algo bem mais ambicioso que a mera ampliação do potencial turístico da cidade. Ao se propor a reconectar a cidade com essa sua “verdade”, busca o “fortalecimento e valorização de lugares, roteiros, manifestações culturais e de quem já está fazendo acontecer na cidade”.

E é aí que o movimento se mistura também com uma política pública construída de baixo para cima, que parte de uma realidade já existente – a valorização efetiva da cultura e características próprias da cidade e do seu povo pela própria população – e articula estratégias e ações para potencializar esse patrimônio e gerar valor, inclusive no aspecto econômico.

Como parte da minha pesquisa para entender melhor o que está acontecendo na cidade, visitei nas últimas semanas alguns dos locais de Salvador onde se percebe o potencial desse movimento já como realidade. Em uma tarde de andanças, pude visitar em um roteiro a pé a Cidade da Música da Bahia, a Casa das Histórias de Salvador, assim como o reformado Mercado Modelo, e a nova galeria de arte no seu subsolo. Investimentos públicos alinhados com o movimento e que valorizam os aspectos diferenciadores da cidade.

Visitei o espaço Doca 1, um polo de Economia Criativa situado no porto de Salvador, com café, livraria e restaurante e espaço de coworking. Foi uma experiência fantástica por espaços que, mesclando o histórico e o inovador, representam a cidade com muita qualidade.

E olhem que nem deu para contar em detalhes a parte de subir o Elevador Lacerda e transitar pela Rua Chile e seus novos hotéis e “roof tops”, indo depois em direção à Praça da Sé, Catedral, Pelourinho, e terminando no Santo Antônio Além do Carmo, com suas pousadas, restaurantes e o Museu do Mar. Se for em um domingo, ainda é possível assistir a um espetáculo de música clássica no parque do queimado, em pleno bairro da Liberdade, com os jovens do projeto Neojiba.

Nesse roteiro me impressionou sobretudo a presença dos Soteropolitanos, de todas as idades, e representando a multitude racial e cultural da cidade. A valorização do lugar pelo povo do lugar é um aspecto fundamental. E ao se assistir os muitos depoimentos e retratos da evolução histórica e cultural mais recente da cidade, o que se percebe fundamentalmente é essa apropriação e orgulho do nosso povo pela nossa diversidade e diferenciação.

Orgulho esse que parece potencializar o poder criativo e o empreendedorismo em diversas áreas como a culinária, o design, a moda e a produção artística e cultural.

Isso tudo com um nível de qualidade e diferenciação fantásticos, fazendo com que a Cidade da Bahia escape da “pasteurização” dos “Time Out Markets”, e da aparência de verdadeiros parques temáticos que encontramos em várias outras cidades turísticas pelo mundo afora.

Uma questão surge a partir das minhas andanças e observações, e foi objeto de diversas conversas e reflexões sobre a diferenciação da cidade: o que faz de Salvador única, é mais a miscigenação, o sincretismo, do que propriamente a herança da negritude em si? Na voz do poeta, a loucura está na mistura.

Assim enxergo o movimento Salvador Capital Afro como um ponto de partida, uma referência que nos permite valorizar também, e cada vez mais, as diversas origens e facetas dessa cultura vibrante e original.

Esse texto é um pequeno testemunho e um convite a todos aqueles, baianos ou não, que tenham a curiosidade de presenciar algo tão importante como esse processo de reconexão de uma cidade consigo mesma, e o imenso e pouco óbvio potencial de geração de valor econômico para a população e os empreendedores que catapultarem esse potencial em negócios.

Tem que abrir a cabeça, como se diz aqui, vir com fé, ir a pé e entronizar uma certa “baianidade nagô”. Se permitir apreciar não o perfeito, mas o único dessa experiência.


Marcelo Magalhães 
marcelo.magalhaes@autor.moneytimes.com.br
Marcelo Magalhães é um consultor e executivo com mais de quarenta anos de experiência em gestão, e como CEO de companhias de capital aberto. Baiano de Salvador, está em um período sabático se dedicando a estudos e projetos ligados a sustentabilidade e projetos sociais.




quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Vi esta cidade crescer


Almir Santos*
Na minha primeira Geografia Atlas, da Editora FTD, Salvador tinha pouco mais de 300 mil habitantes.
Sou do tempo dos bondes que se arrastavam, lentamente, pelas poucas linhas que existiam. Menos de 40.
Pavimentação, geralmente, a paralelepípedos ou pedras irregulares, também chamadas cabeça de nego, era privilégio de poucos bairros, como: Barra, Barra Avenida, Graça, Canela, Campo Grande, Tororó, Nazaré, Barris. Santo Antônio, Barbalho, Soledade, Lapinha Campo Santo.
Nesses bairros, a linha férrea dos bondes era implantada em ruas pavimentadas ou calçadas, como se dizia antigamente. Asfalto era uma coisa rara.
As demais as linhas, implantadas em leito natural, eram muito irregulares e causavam muitos acidentes.
As linhas que utilizava para ir à escola para o lazer 14-Rio Vermelho, 16-Amaralina e 36-Segundo Arco só tinham pavimento até a Avenida Leovigildo Filgueiras, Garcia. O resto era quase tudo sobre a terra.
Algumas, entretanto, tinham pequenos trechos sem pavimentação como 18-Ribeira, 19-Ribeira, 20-Ribeira via Caminho de Areia e Brotas.
Era um transporte folclórico. Os passageiros, condutores e motorneiros se conheciam pelo nome.
Os pontos de parada eram próximos. Basta dizer que no centro da cidade havia pontos no Terreiro de Jesus, Circular (hoje Coelba), Belvedere, Praça Municipal, Rua Chile, Largo do Teatro (Praça Castro Alves) São Bento etc.

Vi bondes circulando pelas estreitas ruas do centro, Rua do Liceu, do Saldanha, do Tijolo e da Barroquinha.
Automóvel só para quem tinha muito dinheiro. Sabiam-se a placas dos carros e os respectivos proprietários. Por exemplo: n.º 1 pertencia a Navarro Lucas, 5 Raul Farias, 11 Antônio Balbino, 12 José Silveira, 13 Fileto Sobrinho, 22 Arnaldo Silveira, 44 Álvaro Silveira, 50 Luiz Eugênio, 70 Miguel Vita, 99 e 100 Companhia Linha Circular.
Poucos eram os taxis, os chamados carros de praça. Seu Candinho, o nosso preferido, tinha a placa 1448.
Ao todo, a frota de Salvador era composta de menos de mil veículos.
Vi esta Cidade crescer.
Imponentes eram os prédios do Palace Hotel, Secretaria de Agricultura, Jornal A Tarde, na Cidade Alta e do Instituto de Cacau, na Cidade Baixa.
Vi serem erguidos o edifício SULACAP e o Oceania na Barra
Mais tarde sugiram na Barra Avenida o Eldorado e na Graça, o Catarina Paraguaçu, monumentais para a época.
Timidamente, surgiu o Edifício Cruz na Rua Portugal, onde funcionou a sede da Construtora Odebrecht e o Edifício Martins na Rua da Espanha.
A cidade baixa foi se transformado aos poucos e perdendo a sua paisagem colonial. Surgiram os Edifícios Paraguaçu, Belo Horizonte, Nélson Farias, Guarabira, Cidade de Aracaju, Larbrás, Suerdieck, Cidade do Salvador em nome do progresso, mas sem ser observada uma ocupação racional.

Restaurantes, bares, botecos e pastelarias eram pouquíssimos. O Colon na Praça Riachuelo, O Conquistador na Barra, da Galinha de Ouro do Manuel, são os de lembrança mais remota.
Café da manhã, almoço, jantar eram rituais bonitos quando a família se reunia, diariamente. Por isso, pouco se usavam restaurantes.
Tomei gasosa de limão ou de morango na Pastelaria Centro Popular na Sé. Havia também O Perez, O Triunfo e O Centro Universal.
Lembro-me dos botecos Danúbio Azul, na Rua d´Ajuda, famoso pela sua bebida Príncipe Maluco, e do Center-Forward, na Rua Cezar Zama. Ambos muito simples. Bebia-se em pé.
Certamente, todos os bares e restaurantes, pastelarias e botecos da cidade, juntos, caberiam no Largo de Santana no Rio Vermelho.
Vi esta Cidade crescer.
Vi a chegada de novos bondes. Vinte e cinco deles com bancos estufados forrados em couro verde.
Vi a extinção gradativa dos transportes por bondes e o crescimento dos ônibus, carinhosamente chamados de marinetes pelos baianos, pelo fato do lançamento do primeiro ônibus em Salvador coincidir com a passagem por aqui de um poeta futurista italiano chamado Marinetti.
O transporte por ônibus não conseguiria sobreviver por muito tempo. Era um dono de um único ônibus que obtinha uma licença para operar em uma determinada linha, mas não tinha bom resultado, até que foi se firmando aos poucos. Inicialmente, na cidade baixa.
Vi esta Cidade crescer.
Vi o Quarto Centenário de Salvador. Vi a encenação do Auto de Graça e Glória da Bahia dirigido por Chianca de Garcia, para comemorar o evento.
A Construção a Estrada Amaralina – Aeroporto, pavimentação da Avenida Amaralina, o prolongamento da Rua Osvaldo Cruz, do primeiro trecho da Avenida Centenário em pista simples.
Vi a inauguração do Fórum Rui Barbosa.

A inauguração do Hotel da Bahia. Vi o Campo da Graça e a inauguração do Estádio da Fonte Nova.
Vi a criação do SMTC-Serviço Municipal de Transportes Coletivos, inicialmente, operando com uma frota de ônibus Volvo a diesel na Avenida Vasco da Gama, que recebera uma total pavimentação numa faixa de 7 metros
Vi a extinção em massa de todas as linhas de bondes da Cidade Baixa para a implantação dos ônibus elétricos. Eram 50 ônibus FIAT - Alfa Romeu, mas a subestação só tinha a capacidade de operar 25, por isso quando um quebrava um novo entrava em operação e assim a frota foi sendo sucateada. Um absurdo!
Vi a encampação da Companhia Linha Circular, que operava os bondes e vi o seu crepúsculo.
Vi esta Cidade crescer.
Vi o carnaval, sentado, tranquilamente, em cadeiras colocadas na Avenida Sete, por onde desfilavam os carros alegóricos dos grandes clubes, os blocos, os caretas e os carros com foliões
Vi o transporte por ônibus ser definitivamente implantado.
Vi o asfalto chegar, definitivamente, e atender a todas as linhas operadas por ônibus.
Vi a construção do Centro Administrativo da Bahia – CAB desde a primeira secretaria implantada a SEPLANTEC. Depois, foi a Secretaria dos Transportes.
Vi surgir o primeiro grande Shopping com 150 lojas, hoje ampliado para mais de 600.
Vi a proliferação de shoppings e o crescimento vertical da cidade.
Aos poucos fui perdendo a conta de quantos novos edifícios iam sendo construídos. Os sobrados coloniais da Cidade Baixa dando lugar a prédios de 10 andares.

Os palacetes do Corredor da Vitória e da Graça dando lugar a prédios de 20, 30 andares. A Ondina, a Valdemar Falcão perdendo o verde e sendo ali implantados, prédios de até 40 andares. Vi a cidade se verticalizar.
Vi surgirem os bairros Caminho das Árvores, Itaigara, o Imbuí, o Costa Azul o Costa Verde, Patamares, Cajazeiras, Mussurunga, Castelo Branco e tantos outros novos bairros.
Vi o rasgar de grandes avenidas. Vale de Nazaré, Bonocô, Contorno, Vale do Camurujipe, Lucaia, Garibaldi, Vale do Canela, Paralela. Vi túneis perfurando as elevações e encurtando distâncias.
Vi a população aumentar aproximadamente 10 vezes e a frota de veículos aumentar 1000 vezes.
Até onde vamos?
Vi esta Cidade crescer e continuo vendo.
*Engenheiro Civil, poeta, escritor e amante de Salvador


domingo, 18 de fevereiro de 2024

Ponte Velha


Paulo Ormindo de Azevedo*
 

Há uma ponte com esse nome em Florença, na Itália. Foi construída pelos romanos, há 2000 anos, para a passagem de carroças. A ponte Salvador-Itaparica se construída teria a mesma função. Já não se fazem pontes em canais de navegação, e muito menos para carruagens. Ela é a culminação da cultura do automóvel, um modal ultrapassado. A velocidade média e sua taxa de ocupação, hoje, nas grandes cidades do mundo inteiro é inferior à das carruagens do século XIX. Por que não pensar em outras soluções? 

Quando o Estado está elaborando um novo plano ferroviário e o governo federal promete um trem rápido de passageiros para Feira de Santana, por que não pensar o mesmo para Itaparica entrando pela contra costa e prosseguindo até Ilhéus? O consorcio chinês da ponte, de empresas ferroviárias, adoraria essa mudança.

 A trajetória da ponte torta é de 1970 e por falta de imaginação é a mesma do ferry boat que não funciona. Na época Salvador tinha um milhão de habitantes, hoje tem 2,5 milhões. Por que ela não se articula diretamente com a BR 324 e Via Metropolitana, sem congestionar mais Salvador? Simulação da Academia Baiana de Engenharia provou que a Via Expressa não tem condição de escoar o fluxo da ponte, que extravasará para a rede urbana. Como ficará o Comércio, a Av. Paralela e a Estrada do Côco depois dessa ponte, que ligará o Sudeste com o Nordeste? 

 Essa é uma ponte velha, obsoleta, que ameaça a operação, a médio prazo, do porto de Salvador e da BTS pelos grandes navios que não param de crescer. Ponte que inviabilizará o Estaleiro da Enseada, o desenvolvimento do Recôncavo e a construção de um hub-porto em Salinas, com 21m de calado em águas abrigadas, que poderia ser um dos terminais da ferrovia transcontinental, FIOL, que articularia as redes ferroviárias do Chile, Peru, Bolívia, Paraguai e Planalto Central Brasileiro drenando toda a produção mineral e agrícola desses países para o Atlântico, através da BTS.  

 Se a questão é quitar um compromisso político desgastante, porque então não pensar num túnel para carros e trens? Existem cerca de 200 túneis submarinos em todo o mundo. Esses túneis evoluíram muito e baratearam. Não rompem mais a rocha, são aduelas pré-fabricadas de concreto que são articuladas no fundo do mar. Em 2013, foi inaugurado um túnel desse tipo entre a Europa e a Ásia, na Turquia, com 13,5 km de extensão. Outro está sendo iniciado ligando a Alemanha à Dinamarca, com 18 km de extensão. Depois de muitos estudos, a ponte que ligaria Santos a Guarujá foi preterida por um túnel desse tipo. 

Esta ponte é uma quimera que já dura 16 anos e ainda não tem orçamento definitivo. Se algum dia ela for construída só servirá para congestionar e desfigurar Salvador, Vera Cruz e a BTS. Existem soluções mais inteligentes que o governo atual precisa considerar.

*Arquiteto e Urbanista - Professor Catedrático da UFBa.

Publicado no jornal A Tarde, 18/02/2024