terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Comparação Insólida


Lourenço Mueller*

Da água para o vinho é uma diferenciação apropriada entre  dois amigos, sobretudo porque um gosta muito de vinho e o outro é abstêmio, e tem até uma frase cunhada justamente sobre a água...de côco, que, diz ele, só faz mal a quem NÃO bebe.

Ambos são éticos e honestos, gostam de jogar xadrez e amam o Mar acima de quase tudo, mas aqui cessam as semelhanças. Porque as diferenças, muitas, começam na gênese.

Um deles sou eu próprio, filho de um casal de origem italiana ( Costa) e alemã ( Mueller) por parte de pai e mãe que não souberam manter as duas fortunas herdadas de meus avós, confirmando o ditado ‘avô rico, pai nobre, filho pobre’. O que herdei foi uma extrema noção de amor e orgulho pela Bahia.  

O outro é descendente de ucranianos vindos para cá durante a guerra, passaram por maus pedaços até se estabelecerem, deixando no filho uma estranha sensação de não pertencimento ao lugar:este se esforça para que os próprios filhos incorporem a baianidade completamente, o que bem fizeram. Ele reuniu variada coleção de objetos (quadros, conchas, esculturas, cartas náuticas, filmes, fotos) ao longo de suas viagens pelo mundo com um barco a vela, o ‘Três Marias’, que acabou instalando num casarão do Centro Histórico (entrou pelo telhado)e fundando o Museu do Mar, um presente para Salvador,tudo às suas próprias custas.

O primeiro,só idealiza: planos, programas, projetos, casas, prédios, conteúdos...O outro faz.

Os que me leem com frequência já deduziram quem é o outro:


É Aleixo Belov,o navegador. 

Mas por que a insólita comparação? Parce que, enquanto Belov passou esse ano de 2022 navegando no Polo Norte, entre ventos e icebergs, este escriba sentou-se diante de um laptop cerca de 8 horas diárias o ano inteiro, escrevendo uma série de 5 livros que abordam, entre assuntos diversos, as três viagens solitárias do outro resenhadas e que em breve serão publicados.

Aqui eu foco em duas ações diferentes: na corajosa aventura marítima de um e na sedentária reflexão e pesquisa do outro.

Em que isso importa? Numa espécie de alerta psico-social: o cara fora da curva versus o homem comum, eu, que nesse primeiro artigo do ano aproveito para agradecer todo o apoio às minhas iniciativas de formação de opinião através do ativismo urbanístico, entrevistas, matérias e artigos críticos ou propositivos sobre a cidade, sobre o surrealismo de um governo insano, sobre o modal bicicleta e sobre um desejo incontido de elaborar um plano diretor para a Baía de Todos os Santos, em conjunto com um Cibergrupo chamado Kirimure, há 5 anos, e quinze neste jornal, como articulista quinzenal. Mais outros tantos atemporais.  

Não tenho ídolos, sou um iconoclasta. Mas considero alguns seres como paradigmas.Para a coragem, a ousadia e a inteligência aplicadas,Belov,que completa 80 anos amanhã, é um desses.

Em Tempo: Que 2023 represente para o Brasil e sobretudo para a Bahia, esse país dentro de outro, a renovação de sua governança, nome que abrange tantas coisas tão merecidas por nós.

*Arquiteto e Urbanista, coordena o Cibergrupo KIRIMURE - Artigo publicado no jornal A Tarde, dia 08/01/23

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