Marcos Magalhães*
A primeira infância da internet quis desmanchar no ar o que há muito tempo parecia tão sólido: a importância do local.
Algumas boas ideias na cabeça e uma conexão confiável bastavam para ligar as pessoas e as empresas ao espaço global. Não importava tanto se estivessem em uma praia esquecida ou no coração de Manhattan.
Na segunda década do século XXI, porém, o local onde você está se tornou mais importante do que nunca. E as cidades estão prontas para desenhar o perfil econômico do planeta.
No Brasil, as eleições municipais são vistas frequentemente como uma bússola que indica os caminhos da política estadual e da política nacional. A escolha de um prefeito se torna mais importante quando fortalece as chances de outros políticos nas eleições que acontecerão dois anos depois.
Uma espécie de antessala das decisões que realmente contam para o país. Em todo o mundo, porém, as cidades se tornam cada vez mais protagonistas. Tanto pela conexão com a economia global quanto pela ligação com a própria realidade local.
Duas novas linhas de pensamento mostram a importância estratégica das cidades.
Do lado mais globalista, o estrategista indiano Parag Khanna, que tem no currículo os cargos de conselheiro geopolítico do governo dos Estados Unidos e de pesquisador sênior da Universidade de Singapura, coloca os grandes centros metropolitanos como polos de uma cadeia global de produção.
Do lado do “localismo cosmopolita”, como define Jon Rae, diretor da Schumacher College, no sudoeste da Inglaterra, as cidades são atores principais de economias locais mais prósperas e resilientes.
“Nós estamos entrando em uma era”, diz Khanna em seu recente livro “Connectography — Mapping The Future of Global Civilizaton”, “em que as cidades serão mais importantes que os estados e onde as cadeias de produção serão uma fonte de poder maior que a dos militares. Na medida em que as populações, a riqueza e o talento concentram-se em grandes cidades, elas gradualmente tomam o lugar dos países como os principais centros gravitacionais do mundo”.
A mensagem parece atual para grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro e Salvador, que correm o risco de ficarem isolados da disputa mundial por talento e investimentos.
Os recentes debates sobre as eleições municipais no Brasil passaram bem longe desse tema, é claro. Assim como dos argumentos quase opostos, e quem sabe complementares, levantados pelos integrantes do movimento Cidades em Transição, que tem na Schumacher College e na pequena cidade de Totnes as suas principais raízes.
O principal lema do movimento é o de estimular “economias cooperativas mais próximas de casa”.
“O local importa”, diz Robin Hopkins, cofundador da Transition Network, uma organização internacional que estimula práticas de fortalecimento da economia local.
As pequenas cervejarias, que já são responsáveis por 12% do mercado nos Estados Unidos, estão entre seus exemplos. Microempresários cervejeiros de Londres, relata Hopkins, decepcionam os jornalistas que lhes perguntam como vão expandir seus negócios.
Eles afirmam que não querem crescer. Preferem permanecer pequenos e manter um “ecossistema de fantásticas cervejarias” na capital inglesa.
Hopkins é autor do “Manual da transição”, uma espécie de guia para líderes locais interessados em aderir ao movimento. Suas regras são tão simples quanto universais.
A primeira delas sugere a mudança da expressão “de algum lugar” para “aqui” e tem como bandeira moedas locais como a libra de Totnes, que circula apenas na cidade e evita que o dinheiro local seja sugado para os grandes centros.
Ele lembra que dois grandes supermercados ingleses instalados em Totnes vendem 20 milhões de libras por ano em alimentos, vindos de várias partes do mundo.
Se apenas 10% das vendas fossem de alimentos produzidos na própria região, a economia da cidade receberia um grande estímulo.
O “localismo cosmopolita” não pretende fechar fronteiras — as mesmas que andam perdendo importância na análise globalista de Parag Khanna. Mas reforçar as economias locais.
O futuro das cidades está em jogo no mundo inteiro, seja pela sua conexão com as grandes cadeias globais de produção, seja pelas maneiras criativas de reinventar as potencialidades locais. Está na hora de o Brasil prestar mais atenção ao tema.
Os prefeitos que tomaram posse ontem já podem buscar inspiração em cidades inovadoras espalhadas pelo mundo.
Marcos Magalhães é articulista no jornal O Globo