domingo, 24 de janeiro de 2016

Vem aí mais um puxadinho do Bonocô?

João Quadros* 
Não sou contra a linha 2 do metrô. Todos os elogios à decisão do governo em não só resolver os impasses de gestão que envolveram o início do projeto, como, também, estender a sua área de abrangência para um trajeto de fluxo prioritário para a mobilidade dos soteropolitanos. Dando uma de são Tomé, motivei as 32 entidades integrantes do Fórum Empresarial a visitarem as obras do metrô. A impressão não poderia ter sido melhor. A concessionária demonstra dominar uma tecnologia de primeiro mundo, com destaque para a sua preocupação com a segurança e bem-estar dos usuários. As estações já implantadas reportam-se à arquitetura do que há de melhor no primeiro mundo.
Mas isto não basta. Não percebemos, no croqui que a concessionária nos apresentou (e não um projeto como todos nós esperávamos), a preocupação com os detalhes urbanísticos, ambientais e paisagísticos imprescindíveis para com a última avenida de Salvador que ainda estava preservada da voracidade de mais um plano pouco sensível ao meio ambiente, à sua convivência com os passantes e à sustentabilidade do ecossistema lá instalado desde a sua implantação.
Questões relevantes não foram respondidas a contento à época da apresentação. A resposta lacônica que recebemos durante a visita é que "tudo será resolvido". Questiona-se a disponibilidade de estacionamentos capazes de abrigar os transbordos necessários de moradores nas áreas próximas às estações do metrô.
Parece que a comunicação entre os dois lados em que a Paralela será dividida pela ferrovia de superfície será feita através de três complexos viários (mais viadutos!) que serão construídos para substituir três retornos existentes. Este "detalhe" crava definitivamente a reimplantação do "muro de Berlim" na primeira capital do Brasil.
Mesmo que preservem as lagoas existentes, sobre elas serão construídas pontes. O governador declarou a este jornal, em 6 de novembro, que "onde houver depressões haverá um pequeno pilar e o trem passará por entre as trincheiras, mas não vai afetar a paisagem". Pilares, trincheiras e trem, Senhor governador, são incompatíveis com o paisagismo em qualquer lugar do mundo. Talvez, em Salvador marcaremos mais uma exceção sem precedentes!
A preservação das árvores e lagoas já implantadas está sendo jurada pela concessionária que serão recompensadas. O Inema, tão exigente nos projetos privados, acredita piamente quando a promessa é feita por projetos públicos. Estranho, não? Pelo andar dar carruagem, nem "tudo será resolvido", até porque o puxadinho do Bonocô já está instalado desde as futuras estações da rótula até a rodoviária. Há que se levar em conta que o trajeto da linha 2 contempla 12 estações com grande ocupação espacial.
O que já está aparecendo por traz dos tapumes é um desmatamento desenfreado, inclusive com o uso intensivo de motosserras - o que me parece incompatível com o propósito de "conservar árvores nativas".
Preocupa-me também um termo de ajustamento de conduta firmado entre a prefeitura de Salvador e o governo em que prevê apenas o replantio de árvores, sem focar na preocupação da sustentabilidade ambiental. As obrigações estabelecidas para a concessionária neste acordo se restringem à limpeza da cidade, ordenamento do trânsito e à recuperação da malha viária, ou seja, basta cumprir o que fora feito no Bonocô.
Os argumentos que ouvi de alguns setores responsáveis da prefeitura é que foram "condescendentes" com o projeto para que não transparecesse de que se tratava de oposição política ao projeto.
Ora bolas! Está em jogo neste projeto não questiúnculas políticas com visão imediatista, mas a vida de uma comunidade que usa diariamente a Paralela como fluxo de deslocamento e local de habitação e convivência.

*João Quadros | Presidente do Instituto Miguel Calmon | joao.quadros13@gmail.com

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