quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As cidades vão de bike

Osvaldo Campos Magalhães*
Identificada no passado por seus táxis amarelos, a cidade de Nova York elegeu neste verão um novo símbolo para representá-la: as bicicletas azuis. Lançado no final de maio, o sistema de compartilhamento de bicicleta, o CitiBike, conquistou a população e os turistas da cidade.
Disponibilizando seis mil bicicletas em 350 estações, inicialmente em Manhattan e no Brooklin, o CitiBike já proporcionou três milhões de viagens e foram efetuadas 288 mil subscrições. Somente com o valor das subscrições anuais ao programa, cerca de US$ 65 por usuário, foram arrecadados cerca de US$ 10 milhões. Usuários que utilizam o programa eventualmente pagam cerca de US$ 10, com direito de utilizar a bike por 45 minutos.
A popularidade do programa foi tão grande, excedendo as expectativas, que em determinadas horas faltam bicicletas em algumas estações. Os defensores das bicicletas argumentam que a popularidade do programa deu aos governantes mais incentivo para a expansão do sistema para outros bairros, como Queens, Harlen e Bronx.

Os investimentos foram integralmente bancados pelo setor privado, tendo o Citigroup aportado US$ 41 milhões. O sistema de Nova York é operado por uma empresa privada, que venceu uma concorrência. Segundo o prefeito Michael Bloomberg, que conclui em dezembro seu terceiro mandato, cerca de US$ 36 milhões serão arrecadados pela cidade de Nova York com o programa.
O sistema de compartilhamento de bicicletas surgiu em Paris há cerca de cinco anos e, com seu enorme sucesso, se espalhou por diversas cidades ao redor do mundo, como Londres, Barcelona, Montreal e Washington, que implementaram grandes e bem-sucedidos programas de "bike share". No Brasil, as cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Porto Alegre começaram a operar recentemente. Nova York, em maio, e Salvador, em setembro, são as novas cidades que passaram a disponibilizar para a populacao esta nova modalidade de transporte publico.
A Secretária de Transportes Janette Sadik-Khan, que conhece o Brasil e que é fascinada pela cidade de Salvador, afirma: "Há algo que deve ser dito ao mundo olhando para Nova York. Se o sistema de compartilhamento de bicicletas funcionou em NY, pode funcionar em qualquer cidade".
Esta pode ser uma boa notícia para Salvador, que lançou o seu programa de compartilhamento de bicicletas no dia 22 de setembro, data em que se celebra o "Dia Mundial sem Carros".
Embora tímido, com apenas cinco estações e 50 bicicletas, a expectativa é que o programa, lançado pela prefeitura de Salvador em parceria com o Banco Itaú, receba, até o final do ano, 400 bicicletas espalhadas por 40 estações em diversos pontos estratégicos da cidade.
Durante o evento "Salvador vai de Bike", foi também anunciada a criação, aos domingos, de uma ciclofaixa ligando o Campo Grande ao Centro Histórico.
O sucesso do sistema em Nova York está relacionado à articulação do serviço de compartilhamento de bicicletas com os outros modais de transporte, particularmente o metrô, um dos mais extensos do mundo e cuja malha esta distribuída por todos os bairros da cidade.
Anteriormente ao lançamento do programa, também foi necessária a implementação de faixas exclusivas para bicicletas, que funcionam diariamente, e um amplo programa educativo de respeito aos ciclistas e pedestres voltado para os motoristas de automóveis e ônibus. A campanha buscou ainda conscientizar os ciclistas da necessidade de respeitar as normas de convivência no trânsito.
Desta forma, para o sucesso do programa de compartilhamento de bicicletas em Salvador, muito ainda terá que ser feito. Investimentos previstos pelo "PAC da Copa", com a construção de mais de 100 km de ciclovias, serão necessários para dotar a cidade de um mínimo de infraestrutura para as bicicletas.
Com a licitação do sistema de transportes públicos em ônibus aguardada para este ano, e com a recente licitação do sistema de metrô, Salvador parece estar encontrando seu caminho, agora também com as bicicletas, para equacionar a grave questão da mobilidade urbana.
*Osvaldo Campos Magalhães - Engenheiro civil, mestre em administração e membro do Conselho de Infraestrutura da FIEB
** Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde. http://atarde.uol.com.br/opiniao/materias/1535836-as-cidades-vao-de-bike

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A cidade abandonada

Samuel Celestino* 
Não são exclusivamente os prédios inacabados e abandonados às centenas na cidade de Salvador. O jornal A Tarde, na edição de ontem, levantou uma questão de grande importância, na medida em que há uma proposta para que a prefeitura municipal tome providência de sorte se assenhorear de tais imóveis, resultantes de falência ou de desentendimentos entre os construtores dos prédios, dentre outros motivos. Citam-se, ainda, brigas entre herdeiros. O exemplo mais conhecido em Salvador foi o esqueleto da antiga Stella Mares, em Itapoan, já demolido. O problema é imensamente maior do que se imagina, porque atinge a velha Bahia no que tem de mais caro: os casarões coloniais.  
O secretário municipal de Desenvolvimento, Cultura e Turismo, Guilherme Bellintani, em acordo com o Iphan, – Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – que tem à frente Carlos Amorim, revelou que há diálogos de um acordo entre o Iphan e a Prefeitura para resolver o problema dos casarões coloniais, que pouco a pouco Salvador vão-se perdendo. Principalmente pelos incêndios constantes, consequência da falta de manutenção de tal patrimônio e pelo abandono. Há cerca de dez dias aconteceu um desses incêndios num belo casarão no Comércio. Não recordo, a não ser o Pelourinho, de qualquer medida que tenha sido tomada pelos poderes públicos para preservar o patrimônio colonial da cidade, um dos mais importantes da América Latina, senão o mais. O Pelourinho, depois de totalmente recuperado e de se tornar numa das principais atrações, entre tantas para os turistas que por estas plagas aporta, entrou em processo de de teriorização.    
Além de diversos sítios históricos, inclusive onde se situa o Iphan, na Barroquinha (belíssimo), há outros que ficam visíveis, como a Praça Cairu, que, se recuperada, transformaria a entrada de Salvador pela Baía de Todos os Santos, num presépio.Na Praça Cairu, estão situados o Edifício dos Azulejos, o Mercado Modelo e o Elevador Lacerda, dente outros prédios, como a Igreja da Conceição da Praia, e outra menor cujo nome não me recordo. O Mercado, onde ficava a velha alfândega, e o Elevador são cartões postais da cidade. Acontece que o casario que fica à esquerda e à direita do Lacerda, está em processo de deteriorização. De tal maneira, constantemente os prédios são atingidos por incêndios e desabam. Quando não acontece o desabamento total, suas fachadas são escoradas com madeiras, que anunciam novos desabamentos.  
Se recuperados fossem, os casarões da Cairu e suas fachadas pintadas com cores semelhantes à do Pelourinho, mudar-se-ia por completo a chegada ao porto de Salvador, aonde os turistas chegam em transatlânticos. Não haveria melhor acolhida. Para fazer a recuperação, basta tão somente que a Prefeitura tome providências em comum acordo com o Iphan ( que já trabalham juntos ), segundo Bellintani. Os prédios ao lado do elevador, de tão antigos já não se sabe a quem pertencem, na medida em que os herdeiros dos seus primeiros proprietários se multiplicaram e porque os prédios não significam resultados econômicos. Foram abandonados e não pagam tributos à Prefeitura. Basta um recadastramento e a cobrança de impostos que de tão atrasados significam um valor que nenhum suposto herdeiro teria condições de pagar. Como consequência, a Prefeitura os assumiria, somando-os ao seu patrimônio e, faria como acontece em países que cuidam com ex tremado zelo do seu patrimônio histórico: preservaria as fachadas coloniais e os interiores seriam modernizados para transformá-los em escritórios ou para qualquer atividade compatível. Tal como acontece lá fora onde a história da antiga arquitetura é preservada.    
Assim poderia acontecer com os demais prédios coloniais da cidade. “A Tarde” se referiu, na edição de ontem, aos inúmeros prédios abandonados na cidade, em bairros diversos, cujos herdeiros, ou lá quem tenha a propriedade deles, não têm mais interesse. O vereador Edvaldo Brito, citado por este jornal, apresentou o projeto de lei 666/2013  na Câmara para mudar a realidade que se observa. Tais prédios, transformados em esqueletos, passariam à propriedade da Prefeitura (a exemplo dos casarões) utilizando-se duas soluções básicas, tributos atrasados ou ausência de função social. Praticamente ambas estão à vista. É como pensa Edvaldo Brito.
          
Assim também, por incrível que pareça, acontece no Porto da Barra e na orla do Farol, dois outros cartões postais da cidade. Abandonados, principalmente o Porto é utilizado pela prostituição. No Farol da Barra, algumas casas estão a cair aos pedaços. São utilizadas apenas para aluguel durante o Carnaval quando são transformadas em camarotes. Isso tem que acabar. Se fosse possível, antes mesmo do carnaval porque tais ruínas significam uma afronta para um dos bairros que já foi dos mais charmosos da cidade. Na recuperação que fará, a Prefeitura poderia cuidar desta questão. Bem, ACM Neto tem soluções. Depende do seu querer.
 *Coluna de Samuel Celestino publicada no jornal A Tarde desta terça-feira (24)

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

A nova classe alta

Nizan Guanaes*  
Depois da nova classe média, este país precisa de uma nova classe alta. O Brasil moderno exigirá uma nova elite. Que é bem diferente de uma casta: um dinheiro responsável que seja gasto assim como foi feito, com o bom-senso das madrugadas e do suor, misturando vitórias e tragédias, mas sempre com muito respeito e espírito público. Não quero desrespeitar ninguém com generalizações porque toda generalização é burra, mas, muitas vezes, o pai funda e o filho afunda. Da mesma forma que é preciso educar a população em geral, é preciso também educar os filhos da elite. E, em muitos sentidos, a educação pública tem tido proporcionalmente mais avanços do que a privada. O Brasil que mais cedo do que tarde terá assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e será ouvido em todos os fóruns importantes do mundo precisa preparar os jovens brasileiros para serem futuros líderes globais. Mas, além de falar o bom inglês, eles precisarão também falar fluentemente o português. Não acredito numa sociedade dividida por preconceitos e ódios. Essa sanha contra os ricos que está acontecendo na França não vai levar a França a lugar nenhum. Mas o novo Brasil construído por um intelectual professor, um líder sindical e uma economista vítima da ditadura exige uma elite à altura desse momento maior do Brasil. Um momento maior, mas não um momento fácil, porque o mundo será cada vez mais competitivo. Essa elite (à qual pertenço) às vezes parece mais mobilizada para educar os pobres do que os próprios filhos -casa de ferreiro, espeto de pau. Mas não educar bem uma criança, deixá-la crescer no shopping center, consumindo loucamente sem ter desafios e sonhos que transcendam um abdome de tanquinho e o próximo modelo de iPhone, é falta de amor com ela e falta de responsabilidade com o país. Levei recentemente um de meus filhos para testes de admissão em duas escolas americanas de elite. Lá encontrei muitos pais chineses, indianos. E nada de brasileiros. O português tão ouvido nas lojas de Nova York e Miami é bem menos ouvido na Harvard que eu e o meu Antônio visitamos. Se você é brasileiro e quer ter um caso secreto em Nova York, leve sua namorada para uma biblioteca. Visitei Bill Gates em sua casa e me emocionei andando pela biblioteca dele. Estão lá os mais importantes livros da civilização humana nas suas primeiras edições. E é óbvio que o dono daquela biblioteca vai dividi-la com o mundo quando não estiver mais nele. Ser rico é um privilégio, um direito e também uma responsabilidade. Nasci no Pelourinho, no largo do Carmo, número 4. Descia a ladeira do Carmo e subia o Pelô todos os dias para ir ao colégio Maristas. Eu ia de ônibus, e a escola era mais cara do que meus pais podiam pagar. Não era escola... Era um investimento. Meu pai, que era médico, foi para a Inglaterra com bolsa de estudos do governo e me levou para aprender inglês, conhecer o mundo e não ter medo dele. Meu avô Demócrito Mansur de Carvalho, líder sindical comunista, ensinou-me a amar Castro Alves. Minha mãe, a amar Pablo Neruda e Machado de Assis. Meu pai me ligou para me comunicar a morte de Vinicius com a voz embargada de quem perdeu um amigo. E eles eram todos amigos nossos, porque minha família era amiga dos livros. Eu devo aos meus pais e ao esforço deles de sacrificar uma parcela significativa do que ganhavam para me dar ao luxo de estudar o fato de eu estar preparado para uma vida e um mundo maiores do que o mundo no qual eu nasci. E graças a eles eu cheguei até onde cheguei: colunista desta Folha. A classe média, a tradicional e a nova, têm motivos óbvios para estudar e se qualificar: um mercado de trabalho cheio de oportunidades para subir na vida, avançar materialmente. Já a classe alta tem motivos tão nobres quanto, embora nem sempre tão evidentes: liderar essa transformação com valores includentes, iluministas e brasileiros. 
*Nizan Guanaes, nasceu em Salvador. Publicitário, escreve às terças feiras na Folha de S. Paulo.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O Brasil fora dos trilhos

Osvaldo Campos Magalhães*
No dia 30 de julho de 2013, conforme promessa do ex-presidente Lula em evento de avaliação do PAC realizado em 2010, a Ferrovia de Integração Oeste Leste – FIOL deveria ter sido inaugurada, marcando uma nova etapa para logística de transportes de cargas no Brasil. Infelizmente, o que se constatou é que nem um único metro de trilho foi instalado ao longo dos 1.022 quilômetros do traçado previsto e que, no trecho entre as cidades de Caetité e Barreiras, praticamente nenhuma intervenção foi feita até agora.
Conforme amplas reportagens realizadas pelo jornal Valor Econômico, que percorreu todo o traçado da ferrovia, a Valec, estatal responsável pela implantação da FIOL, cometeu o erro primário de licitar a ferrovia sem dispor do projeto executivo da obra e, sem estudos ambientais adequados.
Lembremos que o ex-presidente da Valec, que dirigiu a empresa durante sete anos e que foi responsável pela licitação da Fiol, foi preso pela Polícia Federal, acusado de prática de atos administrativos ilegais à frente da empresa.  Lembremos ainda que um dos principais trechos da ferrovia foi ganho pela empreiteira Delta Engenharia, líder em obras do PAC, acusada por corrupção ativa.
Enquanto isso, as ligações ferroviárias de Belo Horizonte a Salvador e Alagoinhas a Juazeiro, que tinham sido privatizadas em 1996, e que apresentavam movimentação de cargas sempre decrescentes, acabam de ser retomadas pelo governo federal, comprovando o fracasso do processo de privatização do setor ferroviário na Bahia. O acesso ao porto de Salvador e a ligação entre Recife e Salvador foram desativados ha mais de 10 anos, sem que nenhuma providência tivesse sido adotada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.
Se as obras dos sistemas de metrôs nas principais metrópoles brasileiras não avançam, o governo federal continua colocando como prioridade para o setor o megaprojeto do trem bala, ligando Campinas ao Rio de Janeiro e orçado em R$ 35 bilhões. Curiosamente, atendendo pedido da empresa alemã Siemens, a Empresa de Planejamento Logístico – EPL anunciou o possível adiamento da licitação do projeto.
Coincidentemente, a mesma empresa alemã, que integrou o Consócio Metrosal, responsável pelo fracassado projeto do Metrô de Salvador, foi destaque na imprensa nacional, ao revelar a existência de esquema ilegal nos contratos relacionados às obras de metrô e trens urbanos em São Paulo.
Através de um acordo de leniência que garantiu imunidade à empresa no processo, os executivos da Siemens, em depoimento ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE revelaram as tratativas que resultaram na formação de cartel em pelo menos cinco licitações para compra e manutenção de trens para a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos e para os Metrôs de São Paulo e do Distrito Federal.
As denúncias atingem principalmente as administrações do PSDB e DEM, envolvendo os governos Mário Covas, José Serra, Geraldo Alkimim e José Arruda. Destaque-se que o atual governo de São Paulo tem nos projetos de mobilidade urbana sobre trilhos sua principal bandeira.
Lembremos que a Polícia Federal, em operação denominada Castelo de Areia, já havia comprovado a existência de formação de cartel e acordos de preços entre as principais empreiteiras do Brasil, nas obras dos metrôs das principais metrópoles brasileiras, incluindo o de Salvador, que após mais de 13 anos de obras, quase um bilhão de reais consumidos, ainda não foi capaz de transportar um único passageiro. Contudo, as provas tinham sido obtidas através de denuncia anônima, o que possibilitou ao advogado das empreiteiras, Márcio Thomas Bastos, conseguir junto ao STJ a anulação das mesmas. Enquanto os caminhões fazem filas de mais de 25 km no porto de Santos para o embarque de soja e os engarrafamentos travam a mobilidade urbana nas grandes cidades, provocando imensos prejuízos para economia e perda de qualidade de vida para os cidadãos, permanece a questão: até quando o Brasil continuará fora dos trilhos?
* Artigo publicado no jornal A Tarde, em 05/09/2013
 *Engenheiro Civil e Mestre em Administração. Membro do Conselho de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado da Bahia