terça-feira, 27 de junho de 2023

Meu pai, o legado fica

 


Paulo Bittencourt Studart*

Um mês sem meu pai. Saudades, de cuidar e ser cuidado por ele! Sinto muito orgulho e honra de tê-lo tido como pai, e desejo que eu seja capaz de prover e transmitir esse carinho, essa segurança e esse abrigo para minhas filhas. Mas esse texto não é sobre luto, é sobre a vida, e sobre seu legado.

Como um sábio, nos preparou aos poucos para sua partida ao longo dos últimos 3 anos. Na sua última semana, oscilamos entre a esperança da sua recuperação e a aceitação de viver num mundo sem ele.

Sua régua da paternidade foi alta. E graças a Deus pudemos reconhecer isso com ele ainda vivo. Nos almoços de domingo, ele nos falava e até chorava, o quanto se sentia abençoado por ter formado uma família tão unida. Concordávamos e agradecíamos de ter nascido numa família fruto do amor dele e de minha mãe.

Entendeu como ninguém a diferença entre herança e legado. Herança é o que você deixa para as pessoas, e legado, o que deixa nas pessoas. Meu pai não focou apenas na herança, ele deixou um enorme legado, o maior de todos: de amar a família, estar sempre a presente e disponível ao outro, acolher a quem precisar, ser generoso. Viver e não ter a vergonha de Ser Feliz.

A paternidade é um negócio complicado, e a perfeição não existe. Mas o segredo de meu pai foi tentar ser um pouco melhor a cada dia da sua vida.

Desejo que nossas filhas e sobrinhos, ao sentarem com os seus filhos [nossos netos e bisnetos de Jorge Studart] contem as histórias de suas histórias. Para que continuem valorizando e ecoando os sons das convivências em família, regadas de amor nas conversas, brincadeiras e gestos. Entendam que são amados, pois descendem de Jorge Studart, que estava sempre na posição de servo, a serviço de todos.

A paternidade me faz ser uma pessoa melhor, e hoje quero seguir honrando tudo que aprendi com meu pai.

Alguns diriam “Perdi meu pai”. No meu caso, gostaria de ressignificar essa frase dizendo: “Ganhei um Pai Exemplar durante 62 anos na minha vida”. Sim! Durante 62 anos da minha vida, tive o privilégio de ter um pai maravilhoso.

O homem vai, mas o legado fica.

*Diretor Executivo do Laboratório Studart Studart 

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Salve o 2 de Julho e o Caboclo brasileiro


Paulo Ormindo de Azevedo*

No próximo domingo a Bahia comemora o Bicentenário da Independência do Brasil na Bahia. Lutas que conseguiram unir toda a sociedade baiana, desde senhores de engenho e fazendeiros a escravos e indígenas por um ideal de liberdade, com a abertura internacional, a abolição da escravatura, a inclusão social dos índios. Ideais inspirados na Constituição Americana (1787), na Revolução Francesa (1789) e na independência sul americana, que promoveu o regime republicano e a libertação dos escravos. Ideais que já haviam deflagrado revoltas como a dos Búzios, em 1798.

O 7 de Setembro de 1822 foi uma encenação recomendada por D. João VI, quando voltava para Portugal, onde reinava, mas já não governava, com a Revolução do Porto, a seu filho Pedro I como tentativa de salvar a Monarquia dos Bragança na América. Mas os liberais portugueses não concordavam com a independência da antiga colônia e mandaram reforços ao general Madeira, comandante da tropa em Salvador, para manter o domínio. Luta sangrenta de resistência do povo do Recôncavo e do sertão. 

A monarquia foi uma grande decepção contestada em todo o Nordeste, com a chamada Confederação do Equador (1824). Na Bahia as revoltas tiveram um caráter libertário, antiescravista e republicano, como a dos Periquitos (1824) e dos Malês (1835). D. Pedro II não fez nada pela educação e o social no Brasil, que foi o último país a libertar os escravos. 

Não foi pequena a contribuição negra e indígena naquelas lutas. O Gal. Labatut criou um  batalhão de negros acenando com sua libertação, mas diante da revolta deles pelo não cumprimento da promessa, mandou executar 50. Por sua vez, os indígenas das antigas missões eram grandes conhecedores do território, numa luta em parte de guerrilha. Essa vitória popular criou um ícone da identidade baiana e brasileira, o casal de Caboclos, mestiços de índio, negro e branco crioulo. Sua procissão anual é ainda hoje, passados 200 anos, a maior festa baiana. 

Tenho a honra de presidir a comissão da Academia de Letras da Bahia de homenagens à efeméride. Teremos no próximo dia 29 na ALB, às 19hs, uma festa de arromba, com a conferencia do professor canadense Hendrik Kraay e apresentação da Orquestra Sisaleira de Conceição do Coité, seguida da Exposição 2 de Julho, a Independência do Brasil na Bahia, de 40 artistas baianos, durante o mês de julho, na Galeria Canizares, promovida pela ALB e EBA-UFBA e, no segundo semestre, a publicação de um livro com estudos sobre o 2 de Julho. 

A nossa economia permanece extrativista-exportadora, como na colônia, só que no passado exportávamos produtos de alto valor, como ouro, diamantes e açúcar e hoje, commodities sem valor. Ainda temos escravidão no campo e 50% da população não tem segurança alimentar. Que o Bicentenário do 2 de Julho seja a renovação da luta pela descolonização.

*Professor Titular da Escola de Arquitetura da Ufba

A Tarde, 25/06/2023