domingo, 24 de maio de 2020

Ele faria 113 anos

Almir Santos*
Que saudade do tempo que era levado por suas mãos. Das tardes no Campo Grande, das manhãs na praia da Paciência. Que sensação quando o bonde chegava à Vila Matos e sentia o cheiro de praia. Era sinal que o azul do mar estava perto.
De trocar a roupa na casa de Manuel de Lucila. Não se andava nos bondes em trajes de banho.
Tomar leite de vaca de madrugada na cocheira de Joventino no bairro do Binóculo, comprar manga na roça de René na Rua Garibaldi ou manga, laranja, uva e caju na roça de Simões na Federação.
Do veraneio em Amaralina. De olhar o gado beber água na lagoa.
Das manhãs de domingo, das visitas à minha avó Isaura ou meu tio Edmundo. De subir a ladeira de dona Celina.
De andar pelas ruas do bairro da Sé e depois tomar uma gasosa na Pastelaria Centro Popular.
Das cocadas branca e preta, compradas de uma baiana que ficava à porta da Farmácia Minerva.
De vê-lo retornar do trabalho à tardinha e descer do bonde ainda em movimento.
Dos primeiros filmes: O Mágico de OZ, Branca de Neve e os Sete Anões e Idílio nas Selvas.
De sua voz forte gritando “Almir e Ayrton” à frente do colégio da Prof.ª Iazinha.
Do meu primeiro jogo de futebol: 15 de agosto de 1943, Botafogo 2x Galícia 1 no campo da Graça.
Bahia “doente”. Sempre achava que o seu time não merecia ter perdido, o juiz não marcou dois pênaltis a seu favor ou validou um gol em impedimento do adversário.
Não tinha essa de torcer para time de fora. Vitória, Botafogo, Galícia, Ypiranga, Guarani jogando contra time de fora, tinha de torcer pelos times baianos. “Tem de torcer pela Bahia.” O mesmo para times brasileiros jogando contra times estrangeiros. “Tem de torcer para o Brasil.”
O bairrismo sempre foi uma de suas inúmeras qualidades. Isso não era válido somente para o futebol. E nós aprendemos.
Do nosso primeiro dia do Colégio Antônio Vieira: 3 de novembro de 1946.
Dos bailes de carnaval do clube Cruz Vermelha. Da Queima de Judas e das festas de S.João. Dos foguetes e balões. Da história do balão de 16 metros , feito por ele, que foi notícia de jornal. De sua alegria e suas brincadeiras. Do seu vigoroso aperto de mão.
Adorava fazer surpresas.
Das arraias sem linha temperada.
Das latas de goiabadas ganhas no jogo de dominó e das caixas de fósforo ganhas no jogo de agache.
De sua letra. A caligrafia mais bonita do mundo!
Do dia 3 de julho de 1951, quando me apresentou ao Dr. Mário Gomes, meu primeiro diretor.
De 1954. Dia que nos acordou com os olhos brilhantes de alegria com um jornal na mão: “vocês dois passaram no vestibular !!! ”
Da sua capacidade de ser querido pelas pessoas.
Do seu espírito comunitário. Do seu bom relacionamento com as autoridades que lhe permitia, sem ser político, conseguir melhorias e serviços para o nosso bairro.
Lembro-me do dia que, conseguida por ele, a água encanada chegou à rua onde morávamos.
Do seu caráter, da sua honestidade.
Pelos seus méritos foi condecorado pelo Governo do Estado com o grau de Cavaleiro.
Do orgulho e zelo pela sua profissão. Do ouro que por suas mãos ficava mais brilhante. Das joias que sabia fazer e das pedras preciosas, para ele as mais belas que lapidou ao lado de sua Núbia, que foram os seus filhos. De ouvir chamá-la carinhosamente de minha filha. De vê-lo andar grudado com ela na base do “só vou se você for.”
Carinhoso e delicado com todos, mas austero quando necessário.
Álvaro Dezidério dos Santos.
Das festas das suas Bodas de Prata e das suas Bodas Ouro. Dos seus oitenta anos. Dos seus noventa anos. Dos seus noventa e três anos

Do veraneio em Amaralina. De olhar o gado beber água na lagoa.
Das manhãs de domingo, das visitas à minha avó Isaura ou meu tio Edmundo. De subir a ladeira de dona Celina.
De andar pelas ruas do bairro da Sé e depois tomar uma gasosa na Pastelaria Centro Popular.
Das cocadas branca e preta, compradas de uma baiana que ficava à porta da Farmácia Minerva.
De vê-lo retornar do trabalho à tardinha e descer do bonde ainda em movimento.
Dos primeiros filmes: O Mágico de OZ, Branca de Neve e os Sete Anões e Idílio nas Selvas.
De sua voz forte gritando “Almir e Ayrton” à frente do colégio da Prof.ª Iazinha.
Do meu primeiro jogo de futebol: 15 de agosto de 1943, Botafogo 2x Galícia 1 no campo da Graça.
Bahia “doente”. Sempre achava que o seu time não merecia ter perdido, o juiz não marcou dois pênaltis a seu favor ou validou um gol em impedimento do adversário.
Não tinha essa de torcer para time de fora. Vitória, Botafogo, Galícia, Ypiranga, Guarani jogando contra time de fora, tinha de torcer pelos times baianos. “Tem de torcer pela Bahia.” O mesmo para times brasileiros jogando contra times estrangeiros. “Tem de torcer para o Brasil.”
O bairrismo sempre foi uma de suas inúmeras qualidades. Isso não era válido somente para o futebol. E nós aprendemos.
Do nosso primeiro dia do Colégio Antônio Vieira: 3 de novembro de 1946.
Dos bailes de carnaval do clube Cruz Vermelha. Da Queima de Judas e das festas de S.João. Dos foguetes e balões. Da história do balão de 16 metros , feito por ele, que foi notícia de jornal. De sua alegria e suas brincadeiras. Do seu vigoroso aperto de mão.
Adorava fazer surpresas.
Das arraias sem linha temperada.
Das latas de goiabadas ganhas no jogo de dominó e das caixas de fósforo ganhas no jogo de agache.
De sua letra. A caligrafia mais bonita do mundo!
Do dia 3 de julho de 1951, quando me apresentou ao Dr. Mário Gomes, meu primeiro diretor.
De 1954. Dia que nos acordou com os olhos brilhantes de alegria com um jornal na mão: “vocês dois passaram no vestibular !!! ”
Da sua capacidade de ser querido pelas pessoas.
Do seu espírito comunitário. Do seu bom relacionamento com as autoridades que lhe permitia, sem ser político, conseguir melhorias e serviços para o nosso bairro.
Lembro-me do dia que, conseguida por ele, a água encanada chegou à rua onde morávamos.
Do seu caráter, da sua honestidade.
Pelos seus méritos foi condecorado pelo Governo do Estado com o grau de Cavaleiro.
Do orgulho e zelo pela sua profissão. Do ouro que por suas mãos ficava mais brilhante. Das joias que sabia fazer e das pedras preciosas, para ele as mais belas que lapidou ao lado de sua Núbia, que foram os seus filhos. De ouvir chamá-la carinhosamente de minha filha. De vê-lo andar grudado com ela na base do “só vou se você for.”
Carinhoso e delicado com todos, mas austero quando necessário.
Álvaro Dezidério dos Santos.
Das festas das suas Bodas de Prata e das suas Bodas Ouro. Dos seus oitenta anos. Dos seus noventa anos. Dos seus noventa e três anos *Almir Santos é Engenheiro Civil e escritor

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Retratos da Salvador que não pode deixar as ruas

Esta é uma série de retratos, todos feitos em Salvador, sobre pessoas que, durante esta pandemia de covid-19, fazem trabalhos essenciais e que não podem ficar em casa durante a quarentena.

São eles que não deixam Salvador parar. Esta série de retratos, todo feitos na capital baiana, registra trabalhadores que, assim como médicos, enfermeiros, técnicos e demais funcionários da saúde, fazem trabalhos essenciais e que não podem ficar em casa durante a quarentena. A série inclui também pessoas que fazem trabalhos informais e não tem alternativa a não ser seguir nas ruas para manter a renda. Na foto, Derivaldo, de 52 anos. Ele trabalha como frentista no posto de gasolina no bairro da Barra, uma das áreas mais turísticas de Salvador. "O fluxo de pessoas caiu bastante nessa aérea. Turistas não vejo mais por aqui, e motoristas também. Espero que tudo volte logo à normalidade."


Larissa, 26 anos, trabalha no Acarajé da Dinha, um dos tabuleiros de baiana de acarajé mais famoso do Brasil. O local passou um período fechado por causa da covid-19 e, agora, abriu de novo. "Tenho um filho de três anos para cuidar e manter, e trabalho em segurança, usando sempre máscara e luvas. Esta é a minha única fonte de renda."


Wilson, 44 anos, é operário de manutenção em estradas e esgotos e trabalha para uma empresa terceirizada pela Prefeitura de Salvador. "Com a chegada do corona o trabalho para nós aumentou. As ruas e as estradas ficam mais vazias, tem menos carros e 'buzus' [ônibus na gíria baiana], então dá para fazer nosso trabalho mais rápido."


Rafael, 24 anos, vendedor de água nos ônibus da orla da cidade. "Diminuiu muito o número de pessoas pegando ônibus. De manhã ainda tem bastante, mas o resto do dia não. Mas ficar em casa é luxo. Não posso fazer isso. Não tenho emprego, não tenho nada."

Pascoal Estevão, 65 anos, tem uma pequena loja onde vende banana na Feira de São Joaquim, o mercado popular mais importante da cidade. "Aqui muitos vendedores fecharam as lojas. Quem é que quer trabalhar nestas condições? Mas eu não tenho alternativa. Não posso ficar em casa. Trabalho aqui há 40 anos e só tenho esta pequena banca de fruta."

Elias, 41 anos, auxiliar técnico, higienizando a sede da FUNDAC, (Fundação da Criança e do Adolescente), o órgão responsável pela gestão dos adolescentes infratores da Bahia, que fica no bairro do Matatu.


Edvania, 36 anos, é a responsável pela reposição nas gôndolas do supermercado Hiper Ideal no bairro de Brotas "Todos nós aqui no supermercado estamos com medo. Não tem como não ter medo, mas ao mesmo tempo estamos com orgulho, sabendo que estamos fazendo a nossa parte. Mercado tem que funcionar, né?"


Edinesia, 26 anos. Atrás está o colega Gilberto, 44 anos. Eles trabalham numa padaria. "Não temos contato direto com os clientes. Eles pegam os pães, os doces e as outras coisas nas prateleiras. Mas sempre temos muito cuidado, usamos máscara e luvas. Às vezes, é uma agonia com este calor mas sabemos muito bem o quanto é importante."


Maria do Soccorro, 53 anos, motorista de ônibus. "Sou motorista há 18 anos. Aconteceu que meu marido estava com problemas financeiros naquela época e fiquei sabendo que estavam precisando de motorista. Vim, fiz o teste e me contrataram. Acordo todo dia entre 4 e 5 da manhã e fico no trânsito por 6 horas. Percebo que com o corona as pessoas estão mais solidárias, vejo sempre alguém dando uma máscara para quem não tem e compartilhando álcool em gel. Tenho muito orgulho de ser motorista."


Margarete, 37 anos, é pizzaiola. Aprendeu a fazer pizza num restaurante italiano e agora trabalha nesta pequena pizzaria em Stella Maris. "Logo que começou o corona os negócios caíram muito, mas agora, felizmente, estamos trabalhando bastante com entrega/delivery. Perdemos mais ou menos uns 30% dos negócios."


quarta-feira, 6 de maio de 2020

Crescem os casos de Covid19 em Salvador

Salvador vai se tornar até o fim de mês uma dos epicentros da pandemia de coronavírus e se posicionar entre as 8 maiores cidades do país em números de casos. O pior é que isso vai significar que a quantidade de leitos de UTI no Sistema Único de Saúde não será suficiente para atender a demanda. Não se trata de pessimismo, ou de trazer com notícia ruim no início da semana, trata-se de dizer a verdade, pois todos os dados apontam para esse caminho. E neste momento mesmo o prefeito ACM Neto admite que o sistema entrará em colapso em 10 dias. (aqui) As projeções foram feitas a partir de ferramenta criada por pesquisadores do Labdec da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (aqui) indicam que já no dia 18 de maio o sistema de leitos de UTI do Sus na Bahia terá um déficit de 18 casos e no dia 23 de junho haverá um déficit de 1000 leitos de UTI no sistema. Ora, o número de mortes decorrentes dessa previsão vai fazer da Bahia um dos epicentros da crise. Em Salvador, a situação é mais grave e o Secretário Municipal da Saúde, Léo Prates, afirmou que entre 31 de maio e 5 de junho, quando se dará o pico da pandemia na cidade, devem morrer até 900 pessoa, o que significa que morrerão 74 pessoas por dia colapsando o sistema funerário da cidade. Não há dúvida, quanto ao desempenho operante e positivo do governador Rui Costa e do Prefeito ACM Neto e louve-se aqui a forma como ambos vem atuando deixando de lado seus interesses pessoais e unindo-se em ações pela cidade, mas o inimigo que estão enfrentando é muito poderoso e medidas drásticas precisarão ser tomadas. Em Salvador, começa a ficar claro a necessidade de aprofundamento do isolamento. A única forma de reduzir o número de mortos será impondo medidas mais duras, especialmente nos bairros mais pobres. É certo que a busca pela sobrevivência dificulta manter em casa milhares de pessoas que ganham o pão, literalmente a cada dia, mas é verdade também que, mantido no atual patamar, o isolamento não vai achatar a curva o suficiente. Aqui destaca-se a incompetência do governo federal na distribuição do auxílio emergerncial ao não utilizar toda a rede bancária disposnível e concencetrar na Caixa Econômica a distribuição, contribuindo com longas filas para disseminar o vírus. Na Bahia, para alguma cidades, será necessário o mesmo movimento e em algumas delas o lockdown será necessário. Ao mesmo tempo, em outras cidades menos atingidas, como aliás vem ocorrendo, o comércio pode ser aberto desde que adotadas as medidas necessários como o uso de máscara. O fato é que o Brasil e a Bahia entram num mês decisivo no qual estará em jogo a vida de milhares de pessoas.