Lúcia Correia Lima*
Mestre Pastinha sempre será a mais importante personalidade da capoeira tradicional. Deu a ela conceito e formato de escola. A arte-luta afro-brasileira hoje é praticada em todos os continentes. Junto ao candomblé e ao samba, é uma das mais importantes manifestações da cultura brasileira. Trazida pelos escravos vindos para a lavoura da cana-de-açúcar, desempenhou forte papel na resistência cultural dos afro-brasileiros. Exerceu função preeminente em episódios da história do Brasil, como na Guerra do Paraguai, nos embates pelo abolição da escravatura e no período de transição do Império para a República.
Nascido em 5 de abril de 1889, o mestre se criou em meio à turbulência das perseguições policiais aos capoeiristas. E aprendeu capoeira ainda menino, com um velho africano.
Disse o escritor Jorge Amado: "Pastinha representou a alegria do povo. A força do povo, a coragem, a luta, a invencibilidade. E quando penso em Pastinha penso em Mãe Senhora, em Mãe Menininha. Porque cultura é vida. E é com o povo que a gente aprende a vida e que a gente se faz realmente culto".
Pastinha morreu pobre, esquecido em um abrigo, longe do toque do berimbau, que ensinou a centenas de alunos de todas as classes sociais. Morreu pobre depois das incontáveis apresentações para milhares de turistas, que chegavam à sua escola em luxuosos ônibus, para em velhos bancos assistirem, encantados, às rodas de capoeira, espetáculos de luta, música, canto, dança e mandinga. Tudo na capoeira angola começa na ginga, desenvolve-se nas letras dos corridos ou nas espirituais ladainhas.
Uma vanguarda nacional e internacional visitava a escola de Pastinha, na praça José de Alencar, Pelourinho. Por lá passaram o filósofo Jean-Paul Sartre e a escritora Simone de Beauvoir. Todos à procura da sabedoria e estética desta arte detentora do legado cultural africano, à qual Pastinha dedicou sua vida, doutrinando seus alunos contra a violência e dando à capoeira um caráter de arte. Tanto que foi indicado pelo Itamaraty para representar o Brasil no 1º Festival Mundial de Arte Negra, no Senegal, em 1966.
Mestre Pastinha sempre disse que a capoeira ganharia o mundo. Para esta missão preparou João Pequeno e João Grande: "A eles ensinei tudo, até o pulo do gato; eles vão espalhar a capoeira pelo mundo". João Grande cumpriu a visão de futuro de seu mestre. Em 1990, ele foi a Atlanta, nos Estados Unidos, a convite do Festival de Arte Negra. Nego Gato levou-o para fazer uma oficina em Nova York e nunca mais deixaram João Grande retornar ao Brasil. Na Casa Branca, em 2001, recebeu o National Heritage Fellowship. Antes, em 1995, havia recebido o título de doutor honoris causa do Upsala College, de Nova Jersey.
João Grande tem escolas em dezenas de países. Mas confessou a sua amiga Emília Biancardi - criadora do histórico Viva Bahia, grupo com quem viajou e aprendeu outras manifestações da cultura tradicional popular - que deseja ter uma escola em Salvador. E assim presentear a Bahia com o que ela não soube dar ao seu mestre Pastinha.
João Grande fez uma oficina de capoeira no Forte de Santo Antônio e, aos 81 anos, deixou exaustos malhados jovens da capoeira regional, somente com meia hora de sua aula.
Jovens antenados de várias partes do mundo, estudiosos e pesquisadores viriam à Bahia tomar aulas e ouvi-lo. Mas a máquina burocrática que decide os espaços públicos na Bahia não permitiu o retorno de João Grande à sua terra, com 60 anos dedicados a manter a tradição de Pastinha na capoeira. No Forte, mestres - importantes, é verdade - acumulam dois espaços que são subutilizados.
A esperança é que possamos soltar foguetes quando João chegar para abrir sua escola em Salvador, e então estaremos fazendo a reparação da injustiça praticada com o abandono de mestre Pastinha. Ao empenho demonstrado nesse sentido pelo secretário estadual da Cultura, Albino Rubim, e pela diretoria do Centro de Culturas Populares e Identitárias, podemos somar, agora, a competência de um Fernando Guerreiro à frente da Fundação Gregório de Mattos.
*Lucia Correia Lima l Repórter-fotográfica; autora do documentário "Mandinga em Manhattan"
Mestre Pastinha sempre será a mais importante personalidade da capoeira tradicional. Deu a ela conceito e formato de escola. A arte-luta afro-brasileira hoje é praticada em todos os continentes. Junto ao candomblé e ao samba, é uma das mais importantes manifestações da cultura brasileira. Trazida pelos escravos vindos para a lavoura da cana-de-açúcar, desempenhou forte papel na resistência cultural dos afro-brasileiros. Exerceu função preeminente em episódios da história do Brasil, como na Guerra do Paraguai, nos embates pelo abolição da escravatura e no período de transição do Império para a República.
Nascido em 5 de abril de 1889, o mestre se criou em meio à turbulência das perseguições policiais aos capoeiristas. E aprendeu capoeira ainda menino, com um velho africano.
Disse o escritor Jorge Amado: "Pastinha representou a alegria do povo. A força do povo, a coragem, a luta, a invencibilidade. E quando penso em Pastinha penso em Mãe Senhora, em Mãe Menininha. Porque cultura é vida. E é com o povo que a gente aprende a vida e que a gente se faz realmente culto".
Pastinha morreu pobre, esquecido em um abrigo, longe do toque do berimbau, que ensinou a centenas de alunos de todas as classes sociais. Morreu pobre depois das incontáveis apresentações para milhares de turistas, que chegavam à sua escola em luxuosos ônibus, para em velhos bancos assistirem, encantados, às rodas de capoeira, espetáculos de luta, música, canto, dança e mandinga. Tudo na capoeira angola começa na ginga, desenvolve-se nas letras dos corridos ou nas espirituais ladainhas.
Uma vanguarda nacional e internacional visitava a escola de Pastinha, na praça José de Alencar, Pelourinho. Por lá passaram o filósofo Jean-Paul Sartre e a escritora Simone de Beauvoir. Todos à procura da sabedoria e estética desta arte detentora do legado cultural africano, à qual Pastinha dedicou sua vida, doutrinando seus alunos contra a violência e dando à capoeira um caráter de arte. Tanto que foi indicado pelo Itamaraty para representar o Brasil no 1º Festival Mundial de Arte Negra, no Senegal, em 1966.
Mestre Pastinha sempre disse que a capoeira ganharia o mundo. Para esta missão preparou João Pequeno e João Grande: "A eles ensinei tudo, até o pulo do gato; eles vão espalhar a capoeira pelo mundo". João Grande cumpriu a visão de futuro de seu mestre. Em 1990, ele foi a Atlanta, nos Estados Unidos, a convite do Festival de Arte Negra. Nego Gato levou-o para fazer uma oficina em Nova York e nunca mais deixaram João Grande retornar ao Brasil. Na Casa Branca, em 2001, recebeu o National Heritage Fellowship. Antes, em 1995, havia recebido o título de doutor honoris causa do Upsala College, de Nova Jersey.
João Grande tem escolas em dezenas de países. Mas confessou a sua amiga Emília Biancardi - criadora do histórico Viva Bahia, grupo com quem viajou e aprendeu outras manifestações da cultura tradicional popular - que deseja ter uma escola em Salvador. E assim presentear a Bahia com o que ela não soube dar ao seu mestre Pastinha.
João Grande fez uma oficina de capoeira no Forte de Santo Antônio e, aos 81 anos, deixou exaustos malhados jovens da capoeira regional, somente com meia hora de sua aula.
Jovens antenados de várias partes do mundo, estudiosos e pesquisadores viriam à Bahia tomar aulas e ouvi-lo. Mas a máquina burocrática que decide os espaços públicos na Bahia não permitiu o retorno de João Grande à sua terra, com 60 anos dedicados a manter a tradição de Pastinha na capoeira. No Forte, mestres - importantes, é verdade - acumulam dois espaços que são subutilizados.
A esperança é que possamos soltar foguetes quando João chegar para abrir sua escola em Salvador, e então estaremos fazendo a reparação da injustiça praticada com o abandono de mestre Pastinha. Ao empenho demonstrado nesse sentido pelo secretário estadual da Cultura, Albino Rubim, e pela diretoria do Centro de Culturas Populares e Identitárias, podemos somar, agora, a competência de um Fernando Guerreiro à frente da Fundação Gregório de Mattos.
*Lucia Correia Lima l Repórter-fotográfica; autora do documentário "Mandinga em Manhattan"