Marcus Alban*
O Movimento Passe Livre, com suas passeatas em prol da redução de 20 centavos nos ônibus de São Paulo, acabou desencadeando uma onda de protestos muito maior que gerou, e continua a gerar, inúmeros desdobramentos positivos. O aumento de 20 centavos, como se sabe, foi revogado, e agora o movimento, não só em São Paulo, se volta para o passe plenamente livre. Cabe, portanto, a pergunta: o passe livre é uma boa solução?
De uma maneira geral, os exemplos internacionais demonstram que o passe livre, ou seja, a gratuidade para o transporte público, por ser demasiadamente custoso e incentivar o desperdício, não resolve os nossos graves entraves de mobilidade. Ao mesmo tempo, em razão das vias serem bens públicos, os exemplos internacionais também demonstram que esse é um problema que não se resolve pelo mercado.
De fato, com o grande número de cidadãos motorizados, as vias na atualidade constituem-se num recurso escasso que, sendo um bem onde o sistema de preços não funciona, tendem ao congestionamento. Nesse sentido, o grande desafio não é ter um passe livre, como almeja o MPL, mas sim uma mobilidade eficiente, ou seja, um fluxo livre e acessível para a grande maioria dos cidadãos.
Descartada a utopia imediata de amplos sistemas de metrôs e BRTs, isso passa, naturalmente, por incentivar um transporte de ônibus eficiente, o que só é possível desincentivando simultaneamente o transporte privado. Em termos técnicos, a maneira ótima de se fazer isso consiste na implantação de pedágios eletrônicos em todas as principais ruas centrais das cidades. Isso, no entanto, exigiria pesados investimentos públicos o que, ao menos no momento, não se mostra viável.
Em face a esse contexto, soluções sub-ótimas, como os subsídios cruzados entre os combustíveis, começam a ser esboçadas por vários prefeitos. Em linhas gerais, o que se propõe é aumentar a taxação dos combustíveis vendidos para os veículos privados nas cidades, gerando recursos para o subsídio dos combustíveis para o transporte público. Subsídio esse que, claro, terá de ser repassado à tarifa.
Para ampliar ainda mais o subsídio, outra alternativa é ampliar a taxação dos estacionamentos centrais, inclusive em shoppings. Não existe nenhum sentido em se permitir, e muito menos exigir, que os estacionamentos em shoppings sejam gratuitos. Estacionamento gratuito em shoppings, além de dificultar o comércio de rua, muito mais democrático, implica em que a população que utiliza o transporte público subsidie, via compartilhamento dos custos embutidos nos produtos, os usuários do transporte privado.
Mas um transporte público eficiente não se consegue apenas com subsídios e desincentivos. É preciso também um gerenciamento mais inteligente. No Brasil, de uma maneira geral, adotou-se como padrão a remuneração a partir do chamado IPK (Índice de Passageiro por Km). Esse sistema, porém, não estimula os operadores a buscarem eficiência. Ao contrário, a lógica é simplesmente repassar para a tarifa toda a ineficiência do sistema, o que, num círculo vicioso, encarece o transporte público, estimulando o transporte privado, o que gera mais ineficiência.
Nesse sentido, é preciso mudar para um sistema de remuneração onde os operadores ganhem basicamente por padrões de qualidade e viagens, racionalmente planejadas a partir de boas pesquisas de origem-destino. Tudo isso dá trabalho, sem dúvida, mas é plenamente possível e, com o MPL pressionando, terá de ser feito.
* Marcus Alban é engenheiro, doutor em Economia pela USP e professor do PDGS-EAUFBA – m.alban@uol.com.br (artigo originalmente publicado no jornal Correio da Bahia).