sexta-feira, 12 de julho de 2013

A explosiva imobilidade urbana

Marcus Alban*
Com grande pompa e circunstância, em 2007 escolheu-se o Brasil para sediar a Copa-2014. Havia, portanto, bastante tempo para se planejar os estádios e a infraestrutura das cidades-sede, de modo a garantir uma bela Copa, dinamizadora do turismo e geradora inúmeros legados urbanos, sobretudo no crítico quesito da mobilidade urbana. Mas o tempo foi passando e, na  maioria dos casos, apenas os estádios, com valores bem acima dos previstos, foram efetivados.
Em 2009, por outro lado, “com a marolinha da crise”, o governo federal teve a ideia sui generis de aquecer a economia estimulando a indústria automotiva, com uma série de incentivos fiscais e creditícios para a venda de veículos. Num primeiro momento, os resultados foram surpreendentes. Afinal, se os projetos de mobilidade pública não avançavam, o jeito era mesmo aproveitar as módicas prestações e comprar o seu carro próprio, ou sua moto. Com todo mundo, ou pelo menos toda a classe média turbinada pela dita classe C, adotando essa solução privada, o sistema, sem a possibilidade da expansão física de vias, naturalmente colapsou. E colapsou para todos, usuários de ônibus, metrô e também os proprietários de carros e motos. A vida urbana, que já era bem complicada, se transformou num inferno, com as pessoas perdendo de duas a cinco horas todos os dias em seus deslocamentos.O inferno, porém, não é só de qualidade de vida. Ele é também econômico, materializado em grandes prejuízos anuais. Estimativas indicam que, só na cidade de São Paulo, esses prejuízos são da ordem de 40 bilhões anuais, o que equivale a 1% do PIB nacional. E esses são apenas os prejuízos diretos. Indiretamente, eles significam perdas de produtividade, expansão dos custos de transação, o que contribui para a aceleração da inflação e, claro, a desaceleração do PIB.Não surpreende, portanto, que o governo Dilma enfrente hoje um cenário econômico tão adverso. E nem que a classe média, sobretudo a jovem, catalisada pelo movimento do passe livre, tenha explodido em manifestações, ordeiras e violentas, por todo o país, em plena inauguração dos estádios da sonhada Copa. E o problema, como se sabe, já não se limita às questões de mobilidade. Agora, como dizem os cartazes, “todos querem uma vida padrão Fifa”, e sem corrupção.Como sair desse imbróglio? A presidente Dilma diz estar ouvindo as ruas, e convocou governadores e prefeitos das capitais para a montagem de grandes pactos de governabilidade. Se for para valer, é sem dúvida um passo importante. Se for mero marketing tergiversador, porém, se estará jogando mais lenha numa fogueira social já bastante explosiva. O fato é que, dado o atual estado de fragilidade da economia brasileira, a inflação seguirá alta, o PIB seguirá decepcionando e o desemprego, inevitavelmente, mostrará a sua cara. E tudo isso numa sociedade altamente conectada que descobriu que, numa urbe engarrafada, basta uma pequena passeata para se parar e, às vezes, destruir uma cidade, ou até mesmo o país. 
* Marcus Alban  é engenheiro, doutor em Economia pela USP e professor do PDGS-EA/Ufba  - m.alban@uol.com.br

terça-feira, 9 de julho de 2013

Pão e circo já não bastam


Paulo Ormindo de Azevedo*

A gente não quer só comida/ a gente não quer só dinheiro/ a gente quer dinheiro/ e felicidade/ a gente quer inteiro/ e não pela metade... (Os Titãs). Este é o recado dos jovens de todo o país, nesta semana de protestos, como não se via desde a queda de Collor. É sintomático que seu estopim tenha sido a mobilidade, um direito fundamental. Mas o que está subjacente é a falta de participação, a violência, os maus serviços, “a corrupção e o uso indevido do dinheiro publico”, nas palavras de Dilma. E os alvos são claros: os palácios governamentais e as arenas da nebulosa Fifa. Um recado para todo o mundo. As arenas já não bastam, mesmo quando abunda o pão azedo do consumo.
Esta semana foi muito dura em Salvador. Além dos protestos, as chuvas voltaram a castigar, causando mortes e infartando a cidade. Abandonada ao “deixa como está, para ver como é que fica”, ha pelo menos meio século, a cidade carece de tudo: sistema de drenagem, contenção de encostas, pistas refratarias às chuvas e sistema de transporte eficiente. Já disse nesta coluna que o metrô não é tudo e ele ainda vai demorar alguns anos. 
A melhoria da mobilidade na nossa cidade depende de três fatores: infraestrutura adequada, gestão urbana compartilhada e uma nova cultura de mobilidade. Para arrancar esse “trem” da inercia é necessário dinheiro, coragem e algum tempo. Dinheiro para investir em sistemas de drenagem e galerias de redes de serviços evitando as valas abertas nas ruas. Para por em funcionamento metrôs, VLTs e ônibus em calhas e para dotar as vias de sub-base de concreto, acabando com as meias-solas sazonais. Se o Estado quer participar, seria melhor investir nesses itens, em vez de em viadutos, que só servem a engordar as empreiteiras e espalhar os engarrafamentos. 
Coragem para enfrentar os carteis, para compatibilizar o uso do solo com a capacidade das vias, para exigir o recolhimento de lixo desde as periferias, para a criação de um sistema integrado de transporte, incluindo metrô, ferryboats, ônibus, taxis, ciclovias, ascensores, passarelas e calçadas, Neste sentido, o acordo entre Estado e Prefeitura para compartilhar metrô e ônibus é positivo. 
Tempo não só para realizar as obras, como para mudar os valores e comportamentos da nossa classe média, inclusive emergente, com relação ao carro. Mas dez medidas simples podem começar a mover este “trem”, muito antes de seus trilhos chegarem a Cajazeiras e a Lauro de Freitas. São medidas de caráter administrativo, que não custam dinheiro, senão coragem. 
A primeira delas é criar faixas monitoradas para ônibus, taxis e motos. A segunda é regulamentar o transporte de cargas, segurando os caminhões pesados em Porto Seco-Pirajá e fixando horários para a entrega de cargas em furgões. Terceiro, qualificando a frota de ônibus com veículos de piso baixo e ar-condicionado. Quarto, acabando com os itinerários labirínticos de ônibus e estabelecendo o bilhete integrado, valido por uma hora. 
Quinto, criando ciclovias nas avenidas de vale e bicicletários nos terminais de transporte para os 30% da população que hoje se desloca à pé por não ter como pagar passagens. Sexto, recriando os estacionamentos periféricos servidos por vans circulares. Sétimo, botando os taxis para rodar, como nas cidades desenvolvidas, ao invés de ficarem esperando os passageiros nos pontos. Oitavo, proibindo as filas de carros nas entradas de clínicas, shoppings, universidades e escolas. Nono, criando algumas áreas de circulação restrita de veículos. Decimo, limitando e taxando as vagas de carros nos novos condomínios. 
E o metrô? Sem discussão ele vai ser um trenzinho suburbano barulhento, correndo entre muros e cercas com a adaptação fajuta de um projeto carimbado de BRT (Bus Rapit Transit) em metrô. Se fosse um subway em trincheira, como em Brasília, não seriam necessários viadutos e não se destruiria o verde e a paisagem. O povo não quer mais viadutos e pontes. Ha multidões de titãs nas ruas clamando: a gente não quer só comida/ a gente quer a vida/ como a vida quer. 
*Arquiteto e professor titular da Ufba
Artigo publicado em A Tarde, 23/06/13